Correio braziliense, n. 20806 , 10/05/2020. Brasil, p.6

 

Mais de 10 mil mortos, 730 em apenas 24h

Alessandra Azevedo

10/05/2020

 

 

País supera nova marca, o que confirma a dificuldade na contenção da covid-19. São 155.939 casos da doença, sendo que 10.611 somente entre ontem e sexta-feira. Quase 4 mil óbitos aconteceram nos últimos sete dias e 1.880 estão sendo investigados pelo Ministério da Saúde

O Brasil ultrapassou a marca de 10 mil mortes pela covid-19, ontem, de acordo com o balanço divulgado pelo Ministério da Saúde, às 19h. Com o registro de 730 vítimas fatais nas últimas 24 horas, o número chegou a 10.627. Na sexta-feira, o total já era bem próximo, de 9.897. É o segundo maior aumento diário desde que o novo coronavírus chegou ao país, em fevereiro, atrás apenas das 751 mortes contabilizadas entre quinta e sexta-feira.

O país tem, agora, 155.939 casos da doença, 10.611 deles confirmados nas últimas 24 horas. O número de óbitos divulgado em um dia não é necessariamente o de pessoas que morreram nesse período, porque é preciso considerar o intervalo de tempo entre a notificação e a confirmação de que o motivo foi o novo coronavírus. Dos 730 mortos confirmadas nas últimas 24 horas, 234 aconteceram nos últimos três dias, segundo o Ministério. O número será atualizado aos poucos e deve subir.

Atualmente, 1.880 óbitos estão em investigação. Dados mais recentes da pasta da Saúde mostram que, do total de mortes até o momento, 3.903 ocorreram nos últimos sete dias. É um crescimento de 44% em relação à semana anterior, quando foram 2.708. A taxa de letalidade no Brasil — ou seja, a proporção de casos que resultam em morte — é de 6,8%. Significa que, a cada 100 pessoas infectadas, sete morreram.

Com números crescentes, o país é o sexto com mais vítimas fatais pelo novo coronavírus no mundo, atrás de Estados Unidos (69,9 mil), Reino Unido (31,2 mil), Itália (30,2 mil), Espanha (26,3 mil) e França (26,2 mil). O levantamento é da Universidade Johns Hopkins, que acompanha a evolução da pandemia em tempo real, de acordo com dados oficiais.

Em quantidade de mortes diárias, no entanto, o Brasil está logo atrás dos EUA, o primeiro da lista –– que tiveram 1,9 mil novos óbitos em 24 horas, de acordo com boletim divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), sexta-feira. Os dados não foram atualizados ontem.

São Paulo, estado mais afetado, registra 3.608 mortes e 44.411 casos. O Rio de Janeiro vem logo depois, com 1.653 óbitos, 16.929 pessoas infectadas. O Ceará, em terceiro na lista, tem 1.062 mortes e 15.879 registros da doença. Depois, vêm Pernambuco (12.470 casos e 972 vítimas fatais); Amazonas (962 óbitos e 11.925 confirmações) e Pará (578 mortes e 6.775 registros).

3.608

é o número de óbitos em São Paulo, que contabiliza 44.411 casos. Na sequência, vêm Rio, Ceará, Pernambuco, Amazonas e Pará

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Uma infecção heterogênea

Bruna Lima

Maria Eduarda Cardim

10/05/2020

 

 

Apesar de afetar todo o Brasil, o novo coronavírus comporta-se de forma heterogênea. Enquanto estados como São Paulo e Rio de Janeiro registram mais de mil mortos, cada, outros não chegam a 20 fatalidades, como são os casos de Tocantins e Mato Grosso do Sul. Segundo especialistas, fatores como densidade demográfica, grande fluxo de pessoas, diferentes taxas de isolamento social e condições de infraestrutura e saneamento básico podem influenciar, mas é preciso avaliar cada caso. Enquanto a covid-19 começa um processo de interiorização no país, as cidades consideradas os principais centros econômicos e sociais continuam sendo as mais atingidas. Isso ocorre porque os primeiros casos do novo coronavírus no Brasil foram importados. Essas regiões são compostas por centros, onde está a maior parte das atividades comerciais, e enormes regiões periféricas. Com isso, é possível observar uma heterogeneidade dentro da mesma cidade.

“Regiões centrais das grandes áreas metropolitanas têm maior infraestrutura de saúde, além disso, dentro delas, há muito mais possibilidade de uma boa escolaridade, de uma boa compreensão do processo do que significa uma pandemia e, com isso, a possibilidade de cumprir uma quarentena”, avalia o infectologista do Laboratório Exame David Urbaez. Já nas periferias da grande cidade, a situação é contrária.

 “Cidades que recebem mais viajantes internacionais e têm os principais aeroportos foram as que receberam os primeiros casos e onde provavelmente começou a transmissão. São também cidades e regiões metropolitanas muito populosas e com grandes aglomerações, condições ideais para a transmissão do vírus”, reforça o sanitarista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Distrito Federal Claudio Maierovitch.

Atualmente, 12 estados ultrapassaram as 100 mortes pela doença. No grupo estão São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Pernambuco, Amazonas, Pará, Maranhão, Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná e Paraíba. Juntas, essas unidades da Federação concentram mais de 90% dos óbitos no Brasil.

O primeiro paciente infectado pelo vírus no Brasil é um morador de São Paulo que voltava de viagem da Itália, um dos países mais atingidos pelo vírus. Com alto fluxo de viajantes internacionais que desembarcam na capital, o estado de São Paulo é visto como o epicentro da doença no país desde o início do surto e é a unidade da Federação que mais confirmou casos e mortes pela doença até o momento.

Estabelecida a transmissão comunitária dentro do país, a aglomeração de pessoas é o principal fator para o aumento do risco de infecção. Logo, os grandes centros urbanos sofrem mais com o novo vírus respiratório, explica o infectologista David Urbaez. “A espécie  que atinge os humanos, hoje, localiza-se, na maior parte dos países e no Brasil, em grandes áreas metropolitanas. Mais de 80% da população brasileira moram em regiões metropolitanas, áreas de grande vulnerabilidade social”, afirma.

Periferias

A vulnerabilidade social, por sinal, tem forte impacto na quarentena, aponta o especialista. “Indivíduos que moram em periferias não têm a possibilidade de parar de trabalhar porque eles trabalham para subsistência. Então, muitos desses indivíduos são obrigados a continuar trabalhando e, na medida que continuam, expõem-se a aglomerações, começando pelo transporte público. Todo e qualquer deslocamento nesse momento significa possibilidade de se expor ao contágio com o vírus”, indica o infectologista.

As condições precárias dessas regiões também são fatores que potencializam a transmissão do vírus. “Nas cidades e bairros mais pobres, várias condições contribuem para aumentar a transmissão. As moradias são muito próximas umas das outras, pequenas e habitadas por muitas pessoas que, assim, têm dificuldade para manter distância”, pontua Maierovitch. Também é comum que não haja cobertura de saneamento básico. “Em muitas casas não tem água potável, nem esgoto, e isso impacta tremendamente, porque não há a base da prevenção do novo coronavírus a higiene das mãos. Se não há saneamento básico, isso é impossível”, completa Urbaez.

A junção da situação de extrema vulnerabilidade com a infecção desenfreada e sem rastreamento preocupa o médico sanitarista e professor da FGV Adriano Massuda. Para ele, o Brasil tende a ser um dos países com piores taxas de casos e óbitos. “O segmento que tem menos condição de ficar em casa será mais afetado, e é justamente o que tem menor condição de atendimento. Isso é uma fórmula explosiva e que mata, ainda mais diante da pouca capacidade de verbalizar os problemas”, ressalta.

Os ambientes hospitalares também viraram ponto de disseminação da doença devido às dificuldades para separar os doentes. Na avaliação de Massuda, o país tem falhado em vários pontos de barreira. “A primeira foi no controle em aeroportos, onde pessoas de fora entraram no Brasil sem nenhum tipo de controle. Depois, houve falhas na manutenção do distanciamento social. Tivemos, de forma inédita, uma adoção de quarentena que foi capaz de baixar a curva por semanas. No entanto, uma certa demagogia política questionando as medidas causou frouxidão no isolamento social”, aponta o especialista, como motivo das altas taxas e capilaridade de disseminação.