Título: Festa e castigo na volta de Abbas
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 03/12/2012, Mundo, p. 12

Presidente da Autoridade Palestina é recebido como herói na Cisjordânia após a conquista de novo status na ONU. Em resposta, Israel anuncia o bloqueio de impostos recolhidos em áreas ocupadas

Recebido como um herói na Cisjordânia ontem, após o reconhecimento na Organização das Nações Unidas da Palestina como um Estado observador, o presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmud Abbas, deparou-se com uma nova punição de Israel a sua vitoriosa demanda. O governo do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, anunciou o congelamento da transferência de mais de US$ 100 milhões em impostos de palestinos por conta de uma dívida de mais de US$ 200 milhões da AP com a Corporação de Eletricidade Israelense. A medida foi a segunda em retaliação à conquista do novo status na ONU. Na sexta-feira, Israel tornou público o plano de construir mais de 3 mil casas de colonos na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, algo que o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-mon, considerou um “golpe fatal nas últimas oportunidades de garantir uma solução de dois Estados”.

Abbas foi recebido por dezenas de milhares de palestinos, que agitavam bandeiras e ovacionavam o presidente, também líder do Fatah, partido moderado que governa a Cisjordânia. “Sim, nós temos um estado”, respondia o dirigente, pregando ainda a reconciliação com o Hamas, grupo islâmico no controle do outro território palestino, a Faixa de Gaza. Contrário inicialmente ao pedido, o Hamas decidiu apoiar a demanda de Abbas dias antes da votação na Assembleia Geral, na qual 138 dos 193 países foram favoráveis (nove disseram não e 41 se abstiveram entre os 188 que votaram). “O mundo disse em voz alta sim ao Estado da Palestina, sim à liberdade e à independência da Palestina, e não à agressão, aos assentamentos e à ocupação”, declarou à multidão.

Um triunfante Abbas afirmou que a partir de agora trabalhará pela unidade entre o Fatah e o Hamas. “Nos próximos dias, vamos estudar os passos necessários para alcançarmos a reconciliação. O povo quer o fim da divisão”, disse o presidente, recebido com um tapete vermelho no Mukata’ah, sede do governo palestino, como relataram as agências internacionais. Em 2011, Abbas apresentou, sem sucesso, uma proposta para a adesão da Palestina como Estado pleno da ONU. Mas, diferentemente do pedido para observador, cuja vitória bastava a simples maioria na Assembleia Geral, a primeira demanda precisava do aval do Conselho de Segurança. Com a certeza de que os Estados Unidos usariam seu poder de veto para bloqueá-la, o pedido foi congelado.

Washington é o principal aliado de Israel nas condenações às iniciativas unilaterais da liderança palestina na ONU. Nas vésperas da votação da última quinta-feira, ambos sugeriram que a aprovação da resolução poderia sofrer consequências, como a suspensão de repasses de fundos aos palestinos. Ontem, o governo de Israel anunciou o bloqueio provisório da transferência de impostos recolhidos em nome da AP nos territórios ocupados. Citado pela imprensa local, o ministro das Finanças, Yuval Steinitz, confirmou o bloqueio previsto para o início deste mês como parte do pagamento de uma dívida da AP com a companhia energética israelense. Segundo informações da agência France-Presse, o débito estaria em torno de 160 milhões de euros, equivalente a cerca de US$ 208 milhões. Diante da ameaça, governos árabes já haviam se comprometido a ajudar a enfraquecida economia palestina caso os bloqueios fossem levados a cabo. “Acho que o financiamento árabe, em geral, vai permitir a economia palestina a continuar funcionando”, ponderou, em entrevista ao Correio, o diretor do Programa de Oriente Médio da Universidade de Massachusetts/Amhers (EUA), David Mednicoff.

Assentamentos A medida foi a segunda em retaliação ao novo status alcançado pela Palestina. Segundo agências internacionais, Netanyahu confirmou ontem os planos de construir 3 mil habitações nos assentamentos na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental. “Iremos continuar a construir em Jerusalém em todos os lugares que são de interesse estratégico no mapa de Israel”, disse Netanyahu, durante o encontro semanal de seu gabinete, de acordo com a agência Reuters. As construções estão previstas para a área conhecida como E1, entre Jerusalém e Maalé Adumin. Edificações nessa região podem cortar a Cisjordânia em dois e comprometer a viabilidade de um futuro Estado palestino.

O anúncio causou reação internacional e recebeu críticas até mesmo de Washington. Ontem, em tom duro, um comunicado do secretário-geral da ONU condenou o projeto. “As colonizações são ilegais pelo direito internacional e, se (esse projeto) se concretizar, daria um golpe fatal nas últimas oportunidades de garantir uma solução de dois Estados”, dizia o documento. “Em nome do interesse na paz”, Israel deve “renunciar seu projeto”, concluiu Ban. Segundo reportagem do jornal israelense Haaretz de ontem, embaixadores de países europeus que apoiaram Israel na ONU e decidiram se abster na votação manifestaram seu descontentamento ao governo com o avanço das construções e pediram que ele reveja essa decisão.

O mundo disse em voz alta sim ao Estado da Palestina, sim à liberdade e à independência daPalestina, e não à agressão, aos assentamentos e à ocupação” Mahmud Abbas, presidente da Autoridade Palestina

US$ 208 milhões Quantia que a Autoridade Palestina deve à Corporação de Eletricidade Israelense