O Estado de São Paulo, n.46207, 21/04/2020. Política, p.A4

 

Cobrado por generais, Bolsonaro recua

Vera Rosa

Tânia Monteiro

21/04/2020

 

 

Em nota, Ministério da Defesa diz que Forças Armadas trabalham para ‘manter a paz e a estabilidade’, de acordo com a Constituição

Discurso. Em frente ao Alvorada, Bolsonaro declarou que ‘democracia e liberdade’ estão ‘acima de tudo’

O presidente Jair Bolsonaro foi alertado por militares do governo de que sua participação no ato de domingo, convocado para defender o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF), não apenas causou repúdio – e tirou o foco do combate à pandemia do coronavírus – como expôs as Forças Armadas a situação constrangedora. Em várias reuniões a portas fechadas, militares pediram a Bolsonaro que recuasse e mudasse de tom.

Até mesmo o presidente do Supremo, Dias Toffoli, telefonou naquele domingo para o ministro da Defesa, general Fernando de Azevedo e Silva, na tentativa de entender a nova crise. Na conversa, Toffoli se mostrou preocupado e disse que a presença de Bolsonaro em manifestação diante do QG do Exército, pregando intervenção militar, emitia um sinal “nefasto” e alimentava uma escalada autoritária.

Para acalmar os ânimos, o ministro da Defesa divulgou nota no fim do dia de ontem destacando que as Forças Armadas trabalham com o propósito de “manter a paz e a estabilidade do País, sempre obedientes à Constituição Federal”. Era o ato final de uma movimentação que começara no domingo.

“O momento que se apresenta exige entendimento e esforço de todos os brasileiros. Nenhum país estava preparado para uma pandemia como a que estamos vivendo. Essa realidade requer adaptação das capacidades das Forças Armadas para combater um inimigo comum a todos: o coronavírus e suas consequências sociais. É isso que estamos fazendo”, diz o texto.

Azevedo também procurou tranquilizar Toffoli, a quem já assessorou. Mesmo assim, o ministro levou a Bolsonaro a inquietação do comando da Corte e até do Congresso. Na prática, as cúpulas do Legislativo e do Supremo avaliam, nos bastidores, que não há mais conciliação possível com Bolsonaro.

Recuo. Após ser alvo de fortes críticas, o presidente se reuniu com vários ministros do governo, e não só com os do núcleo militar. “Onde foi que eu errei?”, perguntou. Logo pela manhã, ao sair do Palácio da Alvorada, ele repetiu a indagação, diante de apoiadores e jornalistas. “No que depender do presidente Jair Bolsonaro, democracia e liberdade acima de tudo”, disse. “Eu sou, realmente, a Constituição”. Um de seus eleitores chegou a gritar palavras de ordem em defesa do fechamento do STF. Ao contrário do dia anterior, porém, quando se calou diante de pedidos de volta da ditadura, Bolsonaro o repreendeu.

“Sem essa conversa de fechar. Aqui não tem que fechar nada, dá licença aí. Aqui é democracia, aqui é respeito à Constituição. (...) Supremo aberto, transparente. Congresso aberto, transparente”, insistiu Bolsonaro.

No domingo, em cima da caçamba de uma caminhonete, o presidente disse que a época da “patifaria” chegara ao fim. “Nós não queremos negociar nada. Nós queremos ação pelo Brasil”, afirmou, na ocasião, em discurso inflamado.

O presidente tentou culpar a imprensa por vincular sua presença na manifestação à defesa de um novo AI-5, o mais duro ato da ditadura, e de um golpe no País. “Onde vocês estão com a cabeça?”, perguntou.

Em tom irônico, Bolsonaro afirmou ser impossível conspirar contra ele próprio. “Falta um pouco de inteligência para aqueles que me acusam de ser ditatorial. O pessoal geralmente conspira para chegar ao poder. Eu já estou no poder. Então, eu estou conspirando contra quem, meu Deus do céu?”

Apesar do passo atrás, Bolsonaro deu uma estocada indireta no presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). “O meu time não trabalha de madrugada. O meu time trabalha à luz do dia”, disse o presidente, convencido de que Maia age para derrubá-lo.

Vítimas

Questionado ontem sobre o número de mortos por coronavírus, Jair Bolsonaro afirmou: “Não sou coveiro”.