Valor econômico, v.21, n.4995, 07/05/2020. Brasil, p. A5

 

Pobreza extrema aumenta e atinge 13,88 milhões de pessoas

Bruno Villas Bôas

07/05/2020

 

 

A pobreza extrema cresceu pelo quarto ano consecutivo no país, somando 13,88 milhões de pessoas no ano passado, o maior nível em oito anos, mostram cálculos da LCA Consultores, a partir dos microdados Pnad Contínua. A linha de pobreza mais "branda", porém, mostrou redução em 2019, assim como a desigualdade da renda.

Especialistas estão cautelosos sobre o que esperar para a pobreza extrema no país durante a pandemia. O Banco Mundial estima que o número de miseráveis poderia crescer em 5,7 milhões de pessoas neste ano sem medidas sociais do governo. Com a liberação do auxílio emergencial de R$ 600, a miséria poderia ficar estável ou até encolher este ano, temporariamente.

Segundo o levantamento da LCA, a pobreza extrema cresceu 1,9% no ano passado, com mais 259 mil pessoas em situação de miséria. A linha de corte adotada foi a mesma do Banco Mundial, de US$ 1,90 por dia per capita (R$ 150 mensais). Há outros critérios de pobreza extrema, como o do Bolsa Família e da FGV Social.

Cosmo Donato, economista da LCA e autor dos cálculos, diz que a piora da pobreza extrema no ano passado é reflexo da recuperação lenta da economia no ano passado, que não alcançou a população mais pobre. O PIB cresceu apenas 1,1% em 2019 e o mercado de trabalho deu sinais frágeis de retomada, com grande informalidade.

"Quando a economia cresce, não cresce necessariamente criando oportunidade iguais. E, no pós-crise, houve uma grande limitação de investimentos do setor público, incluindo Estados e municípios, para gastos sociais", afirma Donato. Ele prevê agravamento do quadro com o isolamento social e a recessão decorrentes da pandemia.

A miséria piorou mais nas regiões Norte e Nordeste, que tiveram incremento de 138 mil e 92 mil pessoas vivendo com até US$ 1,90 por dia, respectivamente. No Sudeste, o indicador ficou estatisticamente estável (+0,2%, aumento de mil pessoas). Sul e Centro-Oeste têm amostra mais rarefeita, o que dificulta avaliar a tendência.

Ao longo e 2019 o número de novos benefícios concedidos pelo programa Bolsa Família despencou e a fila de quem busca o auxílio cresceu. Estaria em quase 500 mil pessoas no início deste ano. O governo federal pagou pela primeira vez, porém, uma décima-terceira parcela em dezembro de 2019.

Donato diz que o corte no Bolsa Família foi focado em redução de fraude. "Se uma família estava fraudando, ela provavelmente já se declarava pobre. Então, não acho que isso afetou. Em 2019, o pagamento do décimo-terceiro provavelmente impediu alta maior da extrema pobreza", acrescenta.

Diretor da FGV Social, o economista Marcelo Neri acredita que a piora do indicador está diretamente relacionado aos cortes no programa. "O Bolsa Família teve redução da cobertura, o que já vinha acontecendo antes e continuou. Além disso, o programa não foi reajustado em 2019, embora tenha tido o 13º pagamento."

Outro cálculo realizado pela LCA a partir de dados do IBGE foi para a faixa de US$ 5,50 per capita, considerada uma pobreza mais "branda" (R$ 436 mensais para cada moradores do domicílio). Por essa linha, o número de pessoas consideradas pobres caiu de 52,7 milhões em 2018 para 51,97 milhões em 2019, baixa de 1,4%.

A redução da pobreza nessa linha está por trás da melhora da concentração de renda no país no ano passado. O índice de Gini da renda domiciliar per capita passou de 0,545 em 2018 para 0,543 em 2019 - quanto mais perto de zero, mais bem distribuída a renda.

O Nordeste foi a única região com aumento da concentração de renda: o Gini avançou de 0,545 em 2018 para 0,559 em 2019, puxado pelo todo da pirâmide social.

Estimativas do Banco Mundial mostram que mais 5,7 milhões de pessoas poderiam ser empurradas para a pobreza extrema no Brasil neste ano por causa da covid-19 sem que houvesse medidas do governo. Francisco Ferreira, pesquisador-sênior da instituição, diz que as medidas anunciadas pelo governo podem neutralizar o movimento.

Para Neri, a miséria pode recuar no período de liberação do auxílio emergencial, mas tenderia a crescer novamente logo na sequência. "É uma dose de anestesia, cujo efeito vai passar", acrescenta.

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País tem 6 milhões de casas sem fornecimento diário de água

Bruno Villas Bôas 

07/05/2020

 

 

A lavagem de mãos é uma defesa básica contra o coronavírus, sendo a forma mais eficaz de prevenir sua propagação pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados ontem mostram, porém, que falta de água e a precariedade dos domicílios colocam milhões de pessoas em risco no país.

De acordo com Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), o país tinha cerca de 6 milhões de domicílios ligados à rede geral sem disponibilidade diária de água. Esses domicílios equivalem a 11,5% do total de habitações ligados à rede geral de distribuição de água de suas localidades.

O abastecimento de água por rede geral reproduz as desigualdades entre regiões. A região Nordeste (69%) apresentava a menor cobertura diária de abastecimento, enquanto a Sul (97%) tinha a maior, segundo a pesquisa. Em relação a 2018, as regiões Norte e Centro-Oeste apresentaram avanço na disponibilidade diária.

Em 2019, o país tinha ainda 68,3% dos domicílios com acesso à rede geral de esgotos, pouco melhor que o registrado no ano anterior (66,3%). Novamente, porém, as diferenças são acentuadas entre as regiões. No Norte, 27,4% dos domicílios tinham acesso; no Sudeste, a proporção alcançava 88,9%.

Segundo o IBGE, o percentual de domicílios com coleta de lixo feita diretamente por serviço de limpeza foi de 84,4% em 2019, 2,1 milhões de domicílios a mais do que em 2018. Em 7% dos domicílios a coleta era feita em caçamba de serviço de limpeza, e em 7,4% o lixo era queimado na propriedade.

A pesquisa também detalhou a evolução do número de domicílios com acesso a bens de consumo duráveis seguiu crescendo no ano passado. Dos 72,4 milhões de domicílios existentes no país no ano passado, 98,1% tinham geladeira, resultado ligeiramente acima do medido no ano anterior (98%). Em quase metade (49,2%) dos domicílios havia automóvel, enquanto 22,2% tinham motocicleta.

A presença de máquina de lavar atingiu nível recorde da série iniciada em 2012, com posse em 66,1% dos lares. As diferenças regionais, contudo, são acentuadas: o menor percentual estava no Nordeste (37%) e o maior no Sul (85,8%), segundo o IBGE.