Correio braziliense, n. 20810 , 14/05/2020. Política, p.4

 

A novela do teste negativo

Renato Souza

14/05/2020

 

 

Por determinação do Supremo Tribunal Federal, finalmente vem a público o resultado do exame de Jair Bolsonaro para covid-19. Disputa judicial arrastou-se por dois meses. AGU informou que o presidente utilizou codinomes no HFA e na Fiocruz

O presidente Jair Bolsonaro testou negativo para o novo coronavírus em três exames realizados em março, como apontam laudos entregues pelo governo ao Supremo Tribunal Federal (STF). Os resultados vieram a público após decisão do ministro Ricardo Lewandowski, que determinou ampla publicidade aos documentos. Inicialmente, o governo se negou a revelar os exames solicitados pelo jornal O Estado de S. Paulo. No entanto, por após idas e vindas na Justiça, a Advocacia Geral da União (AGU) repassou na noite de terça-feira as informações ao Supremo.

Ontem pela manhã, ao analisar o caso, Lewandowski determinou a divulgação dos exames de Bolsonaro. A Advocacia-Geral da União havia entregue os documentos “em mãos” no gabinete do magistrado, por entender que seria importante resguardar a natureza pessoal das informações. A decisão de Lewandowski põe fim à batalha judicial que se arrastou por dois meses entre o Estadão e o governo, que sistematicamente se negava a fornecer o resultado dos exames, contrariando, inclusive, a Lei de Acesso à Informação (LAI).

Até a noite de terça-feira, a AGU havia entregue o resultado de dois exames realizados no Hospital das Forças Armadas, em Brasília. Ontem, o governo apresentou o laudo de um terceiro exame, realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). “Determino a juntada aos autos eletrônicos de todos os laudos e documentos entregues pela União em meu gabinete, aos quais se dará ampla publicidade”, decidiu Lewandowski.

Ao Correio, a Fiocruz informou que “enquanto referência para diagnóstico molecular de Sars-CoV-2, confirma que recebeu e processou amostras enviadas pelo Palácio do Planalto, de acordo com o método de RT-PCR em Tempo Real”. No entanto, de acordo com a entidade, “o material enviado não tinha identificação. Portanto, apenas os demandantes dos exames poderão esclarecer de quem eram as amostras”.

No ofício enviado ao Supremo a respeito dos exames, a Advocacia Geral da União afirma que os dados do presidente foram preservados em razão “da grande repercussão pela mídia do estado de saúde do Sr. presidente”, e por conta da pandemia de coronavírus. A AGU afirma, na justificativa enviada ao ministro Celso de Mello, que o chefe do Executivo foi identificado no exame apenas como “Paciente 05”.

Desde março Bolsonaro afirma que havia testado negativo para o vírus. O deputado Eduardo Bolsonaro chegou a dizer que a emissora de TV norte-americana Fox News que o pai tinha recebido diagnóstico positivo para covid-19, mas depois voltou atrás. Mais de 20 pessoas da comitiva presidencial que visitou os Estados Unidos no início de março contraíram o novo coronavírus.

Bolsonaro realizou três exames, sendo um na Fiocruz e dois os Hospital das Forças Armadas (HFA). No hospital destinado ao público militar, ele foi identificado pelos codinomes de “Airton Guedes” e “Rafael Augusto Alves da Costa Ferraz”, de acordo com a AGU. No laudo da Fiocruz, há apenas a identificação “Paciente 05”. 

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Mandetta critica postura presidencial

Bruna Lima

14/05/2020

 

 

O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta atribuiu ao presidente Jair Bolsonaro a dificuldade em alertar a população brasileira sobre a gravidade do novo coronavírus. Em entrevista concedida ontem à CNN norte-americana, o médico e político criticou a postura do chefe do Executivo ao se referir à epidemia como “gripezinha”, não reconhecendo a gravidade da doença que já matou mais de 12,4 mil brasileiros.

Questionado sobre a forma com que o Brasil reage perante à crise instalada pela pandemia, Mandetta disse que, diferentemente do presidente Donald Trump, Bolsonaro não teve uma mudança de postura. “Até mesmo o presidente Trump voltou atrás quando ele tomou conta de como a epidemia poderia ser danosa para os EUA ao ver o sistema de saúde de Nova York, Chicago, Califórnia, Flórida, entraram em colapso. Nosso presidente continua com o mesmo discurso”, comparou Mandetta.

Entre as atitudes presidenciais que confundem a sociedade, Mandetta citou a defesa de medicamentos como a cloroquina, mesmo sem provas científicas da eficácia (leia mais na página 6). “Ele continua dizendo que temos a droga, a cloroquina, que salva e que é barata. Continua dizendo que a economia precisa voltar e que a perda de trabalho vai ser pior do que a perda pela epidemia. E que as pessoas deviam estar preocupadas com a economia porque ficar em casa vai trazer mais dano para a saúde das pessoas. Então é muito difícil convencer as pessoas a não se exporem à doença”, detalhou.

A entrevista foi ao ar antes de o Supremo Tribunal Federal (STF) liberar os exames sobre o diagnóstico de Bolsonaro para o novo coronavírus. Mandetta disse que não sabia dos resultados, mas ressaltou a viagem da comitiva presidencial que voltou dos Estados Unidos em março com vários dos membros testando positivo para a doença. “Logo depois que ele fez uma viagem aos EUA […] voltou no avião com a doença. Das pessoas que viajaram com ele, 17 testaram positivo até 15 dias depois que ele chegou. Essa viagem foi uma viagem do coronavírus”, afirmou. Na versão original em inglês, o termo utilizado por Mandetta foi traduzido como “corona trip”.

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MP quer desmobilizar acampamento

Augusto Fernandes

14/05/2020

 

 

O acampamento bolsonarista instalado na Esplanada dos Ministérios virou alvo de uma ação civil pública das 1ª e 2ª promotorias de Justiça Militar do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Em caráter de urgência, o órgão pediu à Justiça a desmobilização do grupo intitulado Os 300 do Brasil e a proibição da retomada do movimento, que se reúne em Brasília desde o fim de abril com o intuito de “treinar” apoiadores do presidente Jair Bolsonaro para, dentre outros objetivos, “expor e combater o totalitarismo da esquerda”.

Nos primeiros dias da mobilização do grupo em Brasília, os integrantes do movimento montaram barracas no gramado em frente ao Congresso Nacional. Atualmente, eles mantêm a vigília em um estacionamento próximo ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Líder do acampamento, a ativista Sara Fernanda Giromini, 27 anos, mais conhecida por Sara Winter, foi denunciada na ação civil pública. Nesta semana, ela revelou ao portal de notícias BBC News Brasil que os integrantes do grupo pró-Bolsonaro estão armados “para a proteção dos próprios membros do acampamento”. Dessa forma, o MPDFT também sugeriu que sejam feitas operações de busca e apreensão de armas de fogo em situação irregular no acampamento ou que estejam em posse de pessoas sem autorização legal para o porte.

Responsáveis pela medida, os promotores de Justiça Augusto Milhomem e Nísio Tostes Filho chamaram Os 300 do Brasil de “milícia armada” e “organização paramilitar”, e alertaram que a presença do grupo “na região central da capital federal representa inequívoco dano à ordem e segurança públicas”.

Para cessar as atividades do acampamento, o argumento do MPDFT é de que “diante de um quadro de pandemia mundial em razão da covid-19 e do reconhecimento do estado de calamidade pública, é necessário tornar efetivo o distanciamento social, entre outras ações de contenção da proliferação da doença”. “O mais importante é assegurar a saúde da coletividade, utilizando-se dos meios necessários para evitar a proliferação da doença, mesmo que isso signifique privar momentaneamente o cidadão de usufruir, em sua plenitude, certas prerrogativas individuais”, escreveram os promotores.

Na ação civil pública, os promotores também apontaram o Distrito Federal como réu e pediram que a unidade da Federação aplique a proibição de aglomeração de pessoas para a realização de manifestações populares, além de orientação e de sanção administrativa quando houver infração às medidas de restrição social, no tocante à proibição de aglomeração de pessoas para manifestações sociais.

Por fim, o MPDFT espera que o Distrito Federal seja obrigado a utilizar o poder de polícia para resguardar a segurança pública, e evitar a mobilização de milícias armadas no DF.

Contra a esquerda

Ao Correio, a defesa do acampamento respondeu que vai fazer algum pronunciamento a respeito da ação civil pública "apenas quando tiver acesso aos autos". No entanto, os advogados defenderam que o grupo tem todo o direito de se manifestar. "Desde já, afirmamos que o acampamento 300 do Brasil está amparado pela Constituição Federal de 1988, precisamente por seus direitos fundamentais da pessoa humana", afirmaram os advogados Bertoni Barboza de Oliveira e Renata Tavares.

Os 300 do Brasil se intitulam “o maior acampamento de ações estratégicas contra a corrupção e a esquerda do mundo”. O grupo é o principal incentivador dos recentes protestos antidemocráticos na Esplanada dos Ministérios a favor de Bolsonaro e contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF).

“Buscamos pessoas que tenham a coragem de doar ao Brasil sangue, suor e sono, que estejam dispostas a abrir mão de sua comodidade e dedicar-se integralmente às ações coordenadas, inclusive tendo em mente a possibilidade de ser detido (contamos com corpo jurídico gratuito). Se você está disposto a passar frio, ficar no sol, tomar chuva, e a fazer parte dessa página na história do Brasil, VENHA! Se você não faz parte desse perfil, não se preocupe, pode ajudar de diversas outras maneiras”, detalham os ativistas.