Correio braziliense, n. 20810 , 14/05/2020. Brasil, p.6

 

Teich desacreditado

Bruna Lima

Indrid Soares

Maíra Nunes

Maria Eduarda Cardim

Renata Rios

14/05/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Desautorizado publicamente por Bolsonaro e contestado por secretários de saúde, ministro é figura coadjuvante no combate à covid-19. Sem acordo com estados e municípios, chefe da pasta cancelou, ontem, apresentação com plano de isolamento social

Dia após dia, centenas de brasileiros infectados pelo novo coronavírus entram para a lista de mortos divulgada pelo Ministério da Saúde. Ontem, foram mais 749 óbitos, contabilizando 13.149 vidas perdidas pela covid-19. O número de casos confirmados da doença no país saltou de 177.589 para 188.974 entre terça e quarta-feira, um recorde de 11.385 novos registros em 24 horas. A multiplicação de vítimas não parece ser motivo suficiente para acelerar a liberação das diretrizes da União que auxiliam estados e municípios nas tomadas de decisões frente à pandemia. Mais uma vez, o ministro da Saúde, Nelson Teich, adiou a apresentação do posicionamento, primeiro compromisso que fez ao assumir a pasta, ainda no discurso inicial, há quase um mês. Ao se distanciar de uma solução, Teich traz à pauta o isolamento apenas para a própria imagem.

A dificuldade de entrosamento do ministro reverbera dentro da própria pasta e no Palácio do Planalto. Questionado se faltava alinhamento com seu novo ministro da saúde quanto ao isolamento vertical, Bolsonaro disse: “No meu entender, desde o começo, devia ser o vertical. Cuidar das pessoas do grupo de risco e botar o povo pra trabalhar”. O presidente afirmou esperar “eficácia na ponta da linha”, referindo-se ao ministro. “Não é gostar ou não do ministro Teich, tá? É o que está acontecendo. Nós estamos tendo aí centenas de mortes por dia. Se existe uma possibilidade de diminuir esse número com a cloroquina, por que não usá-la?”, disse, ontem, ao ser questionado sobre uma declaração do chefe da pasta de Saúde sobre os riscos da substância.

A falta de diálogo de Nelson Teich também tem gerado constantes conflitos nas reuniões junto ao Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). Ontem, a reunião com as representações dos municípios foi interrompida sem solução e as discussões só devem ser retomadas hoje, sem saber se haverá resultado. “Desde o último sábado, a estratégia tem sido debatida com os conselhos dos secretários de saúde estaduais e municipais, o Conass e o Conasems. O objetivo era ter um plano construído em consenso. No entanto, esse entendimento não foi obtido nas reuniões conduzidas até o momento”, disse a nota divulgada pelo ministério.

Os conselhos avaliam como inoportuna a pactuação e publicação da diretriz a respeito de isolamento social. A justificativa é o crescimento diário de casos e óbitos pela covid-19 no Brasil. “O que nós vemos, nesse momento, é uma ilação do ministério na adoção de providências, na definição clara de políticas gerais para o enfrentamento da covid-19. Temos insistido na importância da colegialidade na gestão”, afirmou o presidente do Conass, Alberto Beltrame.

Segundo ele, a mensagem sobre o isolamento social deve ser clara e objetiva. “Não é possível termos, hoje, estados e municípios fazendo um discurso em favor, por exemplo, do isolamento social e do distanciamento social; e ficarem pregando no deserto sozinhos, sem o adequado respaldo do Ministério da Saúde, que tem emitido mensagens muito dúbias em relação a essa questão”, criticou. A pasta, no entanto, garante que a discussão será aprofundada com os conselhos.

Cloroquina

O impasse relacionado à hidroxicloroquina divide Teich e Bolsonaro, assemelhando-se ao que acontecia entre o presidente e o ex-ministro da pasta Luiz Henrique Mandetta. Nelson Teich também tem defendido que o medicamento não tem eficiência comprovada e que pode causar riscos se usado de maneira indiscriminada.

Na terça, ele fez “um alerta importante” nas redes sociais. “A cloroquina é um medicamento com efeitos colaterais. Então, qualquer prescrição deve ser feita com base em avaliação médica. O paciente deve entender os riscos e assinar o 'Termo de Consentimento' antes de iniciar o uso”. Teich, que já vinha sofrendo ataques de bolsonaristas, foi bombardeado pela claque internauta do presidente após a publicação.

Bolsonaro, por sua vez, insiste no uso da medicação desde o surgimento dos primeiros sintomas da doença e tem feito tudo o que está ao seu alcance para mudar as regras de isolamento. O presidente reuniu-se com Teich, na tarde de ontem, para tratar sobre o uso do medicamento no tratamento do novo coronavírus. O intuito era alinhar as orientações. “O meu entendimento, ouvindo médicos, é que ela deve ser utilizada desde o início por parte daqueles que integram grupo de risco”, disse Bolsonaro. “Se eu for acometido, tomo a cloroquina e ponto final. Eu que decido minha vida”, garantindo que não faltará médico para receitar.

Constrangimento

As divergências não param por aí. No começo da semana, o presidente adicionou à lista de serviços considerados essenciais salões de beleza, academias e barbearias. No entanto, a medida pegou Teich de surpresa, que não foi consultado sobre o assunto e só ficou sabendo da decisão durante uma coletiva da Saúde. Na avaliação do cientista político Cristiano Noronha, o episódio representa uma desmoralização explícita. “Teich pode não participar do processo de decisão, mas sempre será cobrado por ele, como ocorreu. No mínimo, esses eventos causam constrangimento ao ministro”, analisa.

Mesmo antes de assumir o cargo, Nelson Teich já encabeçava uma polêmica ao ter divulgado o trecho de um vídeo postado no canal do Grupo Oncologia Brasil, em abril de 2019. Na gravação, ele fala sobre a realidade do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro. “Como você tem dinheiro limitado, você vai ter que fazer escolhas. Vai ter que definir onde você vai investir. Eu tenho uma pessoa mais idosa que tem uma doença crônica avançada e ela teve uma complicação. Para ela melhorar, eu vou gastar praticamente o mesmo dinheiro que eu vou gastar em um adolescente que está com problema”, disse, no material direcionado a médicos oncológicos, especialização do ministro.

Até mesmo apoiadores de Bolsonaro têm questionado para que veio o novo chefe da pasta de Saúde, já que insistindo no discurso técnico e procurando não criar dissonância com o presidente, Teich não consegue apoio de nenhum dos lados. Dentro do ministério, o corpo técnico avalia a nova gestão com desconfiança, principalmente após a militarização dos cargos e substituição de servidores especializados em gerir crises de saúde por forças não familiarizadas com o assunto. Nos bastidores, a equipe espera que ele reaja e que, mesmo invisível, tenha mais força do que o novo coronavírus.

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Recorde de infectados

Bruna Lima

Maria Eduarda Cardim

Renata Rios

14/05/2020

 

 

O Brasil bateu mais um triste recorde, agora, no número de infectados pelo novo coronavírus. A atualização de dados feita diariamente pelo Ministério da Saúde mostrou, ontem, que 11.385 novos casos foram inseridos no balanço. Além disso, a pasta confirmou mais 749 mortes pela doença de terça para quarta-feira. Um dia antes fora registrada a maior quantidade de mortes pela doença em 24 horas: 881. Com a atualização, o país soma 188.974 casos e 13.149 óbitos. Há, ainda, 2,5 mil óbitos em investigação.

O país ultrapassou, ontem, a França em número total de casos confirmados da covid-19 e se tornou o 6º país no mundo com mais casos acumulados da doença, segundo levantamento da universidade Johns Hopkins. Terça-feira, o Brasil já tinha ultrapassado a Alemanha nesse ranking.

Segundo informações da pasta de Saúde, São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Pernambuco, Amazonas, Maranhão, Pará e Bahia e Espírito Santo seguem sendo os estados mais afetados. Os nove têm mais de 200 óbitos registrados cada e concentram 11,8 mil mortes, ou seja, quase 90% das mortes nacionais. Só em São Paulo foram mais 169 em um dia, totalizando 4.118 perdas no estado.

Epicentro da doença, SP dobrou o número de mortes em apenas duas semanas — em 28 de abril, eram 2.049. No estado, a cada dez fatalidades, pelo menos sete têm 60 anos ou mais. Por outro lado, este grupo representa apenas 21% do total de casos confirmados. Das 51.097 pessoas infectadas, 78% são crianças, jovens ou adultos com até 59 anos.

Apesar da insistência do governo do estado em pedir o isolamento social, a adesão dos municípios está muito abaixo do necessário. Em projeções matemáticas usando um modelo matemático desenvolvido na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o lockdown será inevitável em São Paulo, caso a adesão ao isolamento social não cresça significativamente nas próximas semanas.

O segundo estado com maior número de óbitos continua sendo o Rio de Janeiro, que soma 2.050 perdas. No entanto, pela primeira vez desde o início da explosão de casos no Brasil, o Ceará ultrapassou o estado fluminense em confirmações. Foram 19.156 diagnósticos positivos do coronavírus no estado nordestino, contra 18.728 no Rio.

A pasta comandada por Nelson Teich também divulgou o número de pacientes recuperados da covid-19, em relação aos números do dia anterior. Foram liberados 78.424 dos 188.974 pacientes com o novo coronavírus até agora. O número representa 41,5% das pessoas que tiveram um diagnóstico comprovado. O percentual vem caindo ao longo das últimas semanas. No fim de abril, a taxa de recuperados era superior a 50%.