Correio braziliense, n. 20810 , 14/05/2020. Economia, p.7

 

Governo, enfim, admite que o PIB desaba 4,7%

Rosana Hessel

Marina Barbosa

14/05/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Secretaria de Política Econômica se rende à realidade, deixa para trás a estimativa de um crescimento ínfimo do país em 2020, e apresenta números mais adequados à profundidade da crise causada pela pandemia. Mas ainda há quem creia que esta previsão é "otimista"

Após muita resistência, a equipe econômica finalmente passou a admitir que o Produto Interno Bruto (PIB) de 2020 será negativo. Ontem, o Ministério da Economia atualizou as projeções e previu uma queda de 4,7% no PIB deste ano, conforme dados da Secretaria de Política Econômica (SPE). A estimativa anterior, de crescimento de 0,02%, tinha sido atualizada em março e evitava reconhecer os efeitos recessivos da pandemia da covid-19 no mundo.

Pelos cálculos refeitos pela SPE, o PIB do primeiro trimestre de 2020, que será divulgado no fim deste mês pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), deverá registrar queda de 1,3% em relação ao mesmo período de 2019. Na comparação com os últimos três meses do ano passado, a variação deverá ser zero, conforme as novas previsões. E, para 2020, a Secretaria fez uma leve redução, de 3,3% para 3,2%, na expectativa de recuperação do PIB.

As novas projeções da SPE, apesar de serem as piores da história, ainda são consideradas otimistas pelos economistas ouvidos pelo Correio. Eles estimam um tombo de até 10% no PIB deste ano. Os dados do governo consideram o fim do isolamento em 31 de maio, enquanto a curva de contágio da covid-19 no país ainda não atingiu o pico, e estão mais próximos da mediana das estimativas do boletim Focus, do Banco Central –– queda de 4,11%. Já o Fundo Monetário Internacional (FMI), que costuma fazer projeções consideradas otimistas, espera recuo de 5,3% no PIB brasileiro deste ano.

O secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, admitiu que as projeções “poderão ser revistas para pior” se a economia não retornar à normalidade a partir de junho. Calcula-se, por exemplo, que a queda do PIB poderia chegar a 6% se o isolamento social durasse mais um mês. Pelas contas da SPE, cada semana de quarentena pode custar R$ 20 bilhões em perdas para a economia.

“Esse é o custo imediato, os R$ 20 bilhões que deixamos de produzir. Depois disso, ainda tem os custos indiretos, porque quanto mais semanas ficamos nessa política de distanciamento social, maior será o número de empresas que irão à falência, maior será o desemprego futuro, mais lenta será a retomada econômica e maior será o impacto de longo prazo na nossa produção”, destacou o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida.

Risco político

De acordo com os especialistas, os dados do governo ainda não levam em conta o aumento das incertezas políticas devido à série de crises que rondam o presidente Jair Bolsonaro. O fator político vem pesando cada vez mais nas reestimativas de piora da economia do mercado e afastando investidores, porque pode agravar o cenário econômico.

“A crise política está deteriorando mais rapidamente a economia e o fiscal”, explicou o economista Márcio Holland, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-secretário de Política Econômica. “Os dados da SPE supõem estabilidade do PIB de janeiro a março, e queda de 1,9% no segundo trimestre na comparação com os três meses anteriores. A equipe econômica está ajustando de modo mais gradual e em linha com a mediana do mercado”, complementou.

O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, acaba de revisar de 4,7% para 7,8% a previsão de retração da economia neste ano. Ele também vê as novas estimativas do governo como “otimistas”. “A crise vai ser longa e muito difícil de sair. Não há condições favoráveis de política econômica de estímulo na saída da crise, muito menos, condições políticas”, afirmou ele, que prevê avanço de 2% no PIB do ano que vem, com potencial de revisão para baixo.

As novas estimativas do governo estão subestimando o impacto negativo da crise política no PIB, disse o professor de economia do Centro Universitário Iesb, Luís Guilherme Alho. Ele lembrou que o aumento da tensão entre os poderes tem provocado fuga de capital do Brasil maior do que nas outras economias emergentes durante a pandemia. “O impacto potencial disso no PIB é alto. Então, se continuarmos nessa instabilidade nos próximos meses, as projeções internacionais, como a do FMI, parecem mais adequadas”, afirmou.

O ritmo de recuperação da economia no pós-pandemia não deverá ser tão forte como espera o governo, que prevê aceleração de 3,6% no PIB do terceiro trimestre. Segundo os analistas, os efeitos não serão temporários, devendo se estender, pelo menos, até 2021. “O nível de atividade não vai ser retomado na mesma velocidade que caiu. Em economias desenvolvidas, é possível uma velocidade forte. Mas, no Brasil, isso não será possível, porque existem muitos entraves. Por conta disso, a recuperação, se ocorrer, ainda deverá ler lenta no terceiro trimestre”, reforçou o economista da Messem Investimentos, Gustavo Bertotti, que, por isso, espera um início de retomada mais forte apenas no fim deste ano ou no começo de 2021.

Os efeitos da pandemia, de acordo com técnicos da SPE, não devem afetar apenas o PIB de 2020 e a expectativa é de que a retomada de patamares antes da crise só sejam recuperados em 2022. “A crise é severa e a recuperação será lenta no longo prazo”, afirmou o subsecretário de Política Macroeconômica, Vladimir Kuhl Teles.

Devastação

Nos relatórios divulgados ontem pela SPE, a equipe econômica admitiu que a pandemia “é ímpar na nossa história recente, pois além de ceifar muitas vidas, pode produzir efeitos econômicos devastadores em um único trimestre, algo que algumas recessões anteriores levariam períodos mais longos para fazê-lo”. Na revisão das estimativas, a secretaria reduziu em praticamente R$ 200 bilhões a expectativa do PIB nominal, passando de R$ 7,3 trilhões para R$ 7,1 trilhões.

A perspectiva de inflação oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), em 2020 foi reduzida de 3,12% para 1,77%, abaixo do piso da meta estipulada pelo Banco Central para o ano, de 4% anuais. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), usado como base para o reajuste do salário mínimo, pode marcar 2,45%. A projeção anterior para o indicador do custo de vida para a população de baixa renda era de 3,28%.

Devido ao aumento dos gastos públicos no combate à pandemia, as novas previsões da SPE indicam que o rombo das contas do governo central pode chegar ao recorde de 8% do PIB, ou seja, R$ 571 bilhões. Em março, a previsão de deficit primário estava em R$ 87,8 bilhões.

Frase

“Quanto mais semanas ficamos nessa política de distanciamento social, maior será o número de empresas que irão à falência, maior será o desemprego futuro, mais lenta será a retomada econômica e maior será o impacto de longo prazo na nossa produção”

Adolfo Sachida, secretário de Política Econômica do Ministério da Economia

_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Vendas no varejo caem depois de 11 meses de alta

Marina Barbosa

14/05/2020

 

 

A pandemia fez o varejo brasileiro ficar no vermelho em março, após 11 meses consecutivos de alta. O baque foi de 2,5% nas vendas, o maior para o mês de março, desde 2003. E foi ainda mais expressivo no comércio varejista ampliado, que inclui as vendas de veículos e de material de construção: desabou 13,7% em relação a fevereiro, no pior resultado da série histórica.

O resultado foi divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) e reflete a redução da demanda provocada pelo isolamento social, que provocou o fechamento do setor nas principais cidades do país, a partir da segunda quinzena de março. E, segundo o levantamento, só não foi maior por conta da venda de bens essenciais, que continuou em operação e registrou até aumento de demanda.

De acordo com o IBGE, as vendas de hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e tabaco cresceram 14,6% em março. Já as vendas de artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos, de perfumaria e cosméticos avançaram 1,3%. Porém, as outras oito atividades varejistas pesquisadas fecharam no vermelho.

A maior contração foi registrada no segmento de tecidos, vestuário e calçados, cujas vendas desabaram 42,2%. Mas a queda também foi grande em outros segmentos: nas vendas de livros, jornais, revistas e papelaria, o tombo foi de 36,1%; - 27,4% em artigos de uso pessoal e doméstico; -25,9% em móveis e eletrodomésticos; -14,2% em equipamentos e material para escritório, informática e comunicação; e -12,5% em combustíveis e lubrificantes.

Quando se olha para o comércio varejista ampliado, o cenário é desolador. As vendas de veículos, motos, partes e peças caíram 20,8% em março. O impacto foi o maior desde julho de 2017 e interrompeu uma sequência de 10 variações positivas do setor. Já a parte de material de construção retraiu 7,6%.

“Março foi sacrificado pela estratégia de isolamento social adotada em algumas das cidades mais importantes e populosas, a partir da segunda quinzena do mês. Essas metrópoles consideraram hiper e supermercados e produtos farmacêuticos como atividades essenciais, enquanto as demais tiveram as portas fechadas nos comércios de rua e nos centros comerciais”, lembrou o gerente da Pesquisa Mensal de Comércio (PMC), Cristiano Santos.

“A queda de 2,5% foi amortecida pelo comércio de produtos essenciais, particularmente os produtos ligados a alimentação, farmácias e drogarias. E não capta ainda todo o efeito da crise sanitária. Então, lamentavelmente, vamos ter quedas muito mais significativas em abril”, reconheceu o presidente do Instituto Brasileiro de Executivos do Varejo (Ibevar), Claudio Felisoni. Ele explica que as vendas de bens duráveis, que já registraram quedas de dois dígitos em março, continuam sofrendo. Na Páscoa e no Dia das Mães, por exemplo, o Ibevar identificou quedas entre 30% e 40% nas vendas. Assim, a entidade crê que a alta da demanda por alimentos são será suficiente para amortecer os prejuízos nos próximos meses.