Correio braziliense, n. 20810 , 14/05/2020. Saúde, p.14

 

A covid pode ter vindo para ficar, alertar OMS

Vilhena Soares

14/05/2020

 

 

Diretor de emergências da agência das Nações Unidas afirma que os países têm um longo caminho até o fim da pandemia. Também admite a possibilidade de que o Sars-CoV-2 não desapareça e que o mundo tenha que aprender a conviver com ele

A covid-19 pode nunca desaparecer, alertou, ontem, a Organização Mundial de Saúde (OMS). Autoridades da instituição internacional declararam que, mesmo com o desenvolvimento de uma vacina, a enfermidade provocada pelo vírus Sars-CoV-2 pode se tornar um problema de saúde permanente, assim como o HIV. De acordo com a agência das Nações Unidas, poderão ser necessários de quatro a cinco anos para controlar totalmente a infecção.

“Temos um novo vírus que atingiu a população humana pela primeira vez e, portanto, é muito difícil prever quando o venceremos”, declarou Michael Ryan, diretor de emergências da OMS, durante uma teleconferência para a imprensa, realizada em Genebra. “Talvez esse patógeno se torne outro vírus endêmico em nossas comunidades, e, talvez, nunca desapareça. O HIV não desapareceu”, detalhou o virologista irlandês.

Em outra conferência digital, Soumya Swaminathan, principal cientista da OMS, disse que a contenção da pandemia pode demorar muito mais tempo do que se imagina. “Eu diria que dentro de um período de quatro a cinco anos poderíamos estar controlando isso”, destacou a especialista durante um evento promovido pelo jornal britânico Financial Times. A cientista também destacou que “não há bola de cristal” e que a pandemia pode “potencialmente piorar”.

Para os especialistas da OMS, a vacina é uma das melhores opções para combater a pandemia, mas não garante que a doença seja totalmente exterminada, já que o vírus pode sofrer mutações que façam a imunização perder o efeito. Além de não existir a garantia de que todas as pessoas se imunizem. “Somente a varíola foi eliminada e erradicada como uma doença humana”, declarou Peter Piot, professor de saúde global da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, durante o debate realizado pelo jornal.

Testes

Outro ponto essencial para conter a pandemia, segundo Piot, é a testagem. “À medida que avançamos para a próxima fase da pandemia, o teste é essencial. Não existe opção senão investir mais em testes”, frisou. Segundo ele, os países devem pensar na covid em termos de anos, não meses. “Teremos de encontrar uma maneira de as sociedades viverem com isso, e mudar as quarentenas para períodos direcionados, que sejam bem planejados”, detalhou.

Outra preocupação da OMS é relacionada ao fim das quarentenas, que já começam a ser relaxadas em muitos países. De acordo com Michael Ryan, ainda há um “longo caminho a percorrer” para voltar ao normal. “Acredita-se que os confinamentos funcionam perfeitamente e que o desconfinamento será genial. Mas eles são cheios de riscos”, advertiu o virologista.

“Muitos países gostariam de encerrar as diferentes medidas de confinamento. Mas nossa recomendação é de que as nações ainda mantenham o alerta no nível mais alto possível”, observou Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor da OMS.

Marli Sartori, infectologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, concorda com o prognóstico de que a covid-19 possa se manter por muito tempo, mesmo com vacinas disponíveis. “Temos a expectativa da vacina, que ajudará bastante, mas também precisamos considerar que mesmo outras enfermidades, como a influenza e o H1N1, se mantêm circulando, apesar de termos imunizações para elas”, frisou a médica, membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

Para a especialista, muitos outros fatores precisarão ser considerados durante a imunização da população. “A mutação do vírus é realmente um problema, que também ocorre na gripe. Pode ser que tenhamos que fazer novas vacinas a cada período para a covid-19, assim como fazemos com ela. Outro fator é o preço, ela não pode ser cara. Na H1N1, por exemplo, nós priorizamos o paciente mais velho, que tem mais risco. São pontos que vamos ter que aprender com o tempo”, assinalou.

Frase

"Temos um novo vírus que atingiu a população humana pela primeira vez e, portanto, é muito difícil prever quando o venceremos. Talvez, esse vírus se torne outro vírus endêmico em nossas comunidades, e, talvez, nunca desapareça. O HIV não desapareceu”

Michael Ryan, diretor de emergências da OMS

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Anticorpos neutralizam vírus

Vilhena Soares

14/05/2020

 

 

Cientistas prosseguem na busca de armas para lutar contra a covid-19, especialmente, moléculas que possam ser usadas como matéria-prima para o desenvolvimento de medicamentos e vacinas. Pesquisadores chineses identificaram dois anticorpos humanos que podem ajudar nessa tarefa. As  células de defesa do organismo, que agem juntas impedindo a entrada do vírus no organismo, foram encontradas em um paciente que se recuperou da infecção. As descobertas foram apresentadas na última edição da revista americana Science.

Os dois anticorpos identificados pelos cientistas — B38 e H4 — chamaram a atenção dos especialistas pois demonstraram capacidade para desarmar um mecanismo essencial para a replicação do Sars-CoV-2 no organismo. “Como acontece em outros coronavírus, o homotrímero da glicoproteína (S), que está na superfície desse vírus, desempenha um papel essencial na entrada do patógeno no organismo do hospedeiro, ao se ligar com um receptor, chamado de RBD”, destacou o trabalho, liderado por Yan Wu, pesquisador e professor da Capital Medical University,  em Pequim, na China.

Os investigadores observaram que os anticorpos B38 e H4 agem em RBD, o neutralizando, impedindo essa ligação. “Comprovamos essa ação em testes laboratoriais, a ação conjunta dessas moléculas interrompeu esse sistema de multiplicação do vírus com muito sucesso”, assinalaram.

Compensação

Outra descoberta importante, segundo os cientistas, é que, diante de algum problema na ação de um dos anticorpos, a molécula parceira consegue compensar essa falha. “Observamos que se ocorrer algum problema de percurso, como mutações, por exemplo, H4 tem chances de perder sua ação neutralizante. Se isso acontece, vimos que B38 possui uma resposta ainda mais forte ao silenciar RBD, o que corrigiria possíveis danos”, observaram.

Para confirmar os dados verificados nas primeiras análises, a equipe de pesquisa realizou testes com ratos infectados com o patógeno. O uso da dupla de anticorpos gerou uma redução na quantidade de vírus presente nas cobaias.  Os cientistas também observaram que as cobaias que desenvolveram lesão no pulmão tiveram formas mais leves do problema quando comparadas com os animas que não receberam os anticorpos.  Devido aos resultados positivos, os autores do estudo sugerem que um “coquetel”, contendo ambos os anticorpos, poderia fornecer grandes benefícios terapêuticos para pacientes com covid-19.

Maria Elisa Bertocco Andrade, coordenadora do Departamento Científico de Provas Diagnósticas da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI), ressalta que o estudo mostra dados muito animadores, que podem ajudar no desenvolvimento de terapias para a covid-19 mais eficientes do que as utilizadas atualmente. “Seria interessante copiar esse anticorpos, por meio da engenharia genética, e produzi-los em larga escala, para que possam ser usados em um grande número de pacientes”, disse a especialista brasileira.

“E isso é uma grande vantagem, pois, hoje, muitos médicos têm usado anticorpos retirados dos pacientes recuperados para usar nos infectados, é uma opção que tem dado resultados, mas com o uso de replicação, isso fica muito mais fácil. Seria como ter uma fábrica dessas moléculas”, assinalou.

Para a médica, os dados vistos podem contribuir para pesquisas voltadas ao desenvolvimento de vacinas. “Quando sabemos onde esses anticorpos agem, é possível dizer quais são as partes mais frágeis do vírus, e isso ajuda na hora de projetar as vacinas. Com certeza, essas descobertas são um grande passo para as pesquisas de covid-19”, ressaltou