Correio braziliense, n. 20812 , 16/05/2020. Brasil, p.7

 

Caminho aberto para cloroquina

Renato Souza

Bruna Lima

Maria Eduarda Cardim

Sarah Teófilo

16/05/2020

 

 

Saída de Nelson Teich é o prenúncio para a ampla adoção do medicamento no Sistema Único de Saúde, como insiste o presidente Bolsonaro. Ministério anuncia que prepara mudanças no protocolo de atendimento, apesar das restrições da comunidade científica

Após a saída de Nelson Teich do cargo de ministro da Saúde nesta sexta-feira (15/5), crescem as especulações sobre o novo nome que deve assumir o cargo. No entanto, o que se ouve nos bastidores é que não há pressa para definir um substituto. O objetivo do presidente Jair Bolsonaro é colocar no colo do secretário-executivo, general Eduardo Pazuello, que está interinamente no cargo, a responsabilidade de assinar o protocolo da cloroquina. A recusa de Nelson Teich de chancelar o protocolo foi um dos motivos que determinaram a saída do Ministério da Saúde.

A assinatura da normatização deve sair ainda no começo da próxima semana. Médicos do próprio ministério da saúde que são favoráveis ao uso do medicamento, mesmo sem a comprovação da eficácia, já elaboram o texto em conformidade com a vontade de Bolsonaro. Caberá a Pazuello assiná-lo. Nos bastidores, Teich teria dito que não queria colocar em jogo a própria trajetória como médico para mudar um protocolo sem confirmações científicas.

Durante a semana, Bolsonaro voltou à carga em defesa da cloroquina para tratamento do novo coronavírus. A intenção é ampliar o uso de forma protocolar para quem apresentar os sintomas leves da doença. "Se o Conselho Federal de Medicina decidiu que pode usar cloroquina desde os primeiros sintomas, por que o governo federal, via ministro da Saúde, vai dizer que é só em caso grave? Eu sou comandante, presidente da República, para decidir, para chegar para qualquer ministro e falar o que está acontecendo. E a regra é essa, o norte é esse", disse Bolsonaro na quinta-feira, em videoconferência com empresários.

No início da noite de ontem, horas após Nelson Teich oficializar sua saída do governo, o Ministério da Saúde divulgou nota para anunciar as mudanças no tratamento de doentes da covid-19 pelo Sistema Único de Saúde. Apesar de não citar hidroxicloroquina, o comunicado abre brecha para o uso do medicamento. "O Ministério da Saúde está finalizando novas orientações de assistência aos pacientes com covid-19. O objetivo é iniciar o tratamento antes do seu agravamento e necessidade de utilização de UTIs (unidades de terapia intensiva). Assim, o documento abrangerá o atendimento aos casos leves, sendo descritas as propostas de disponibilidade de medicamentos, equipamentos e estruturas, e profissionais capacitados", diz a nota. O objetivo, segundo a pasta, é dar suporte aos profissionais do SUS e acesso "aos usuários mais vulneráveis às melhores práticas que estão sendo aplicadas no Brasil e no mundo."

Apesar da insistência do presidente da República em adotar o uso da hidroxicloquina no SUS, especialistas apontam os riscos do uso do medicamento. Faltam estudos conclusivos que apontem benefícios, até em casos graves. Epidemiologista e professor da Universidade de Brasília (UnB), Jonas Brant explica que até o momento não há nenhum estudo com um número mais robusto de pacientes que tenha evidenciado efeitos positivos do uso da hidroxicloroquina. De acordo com ele, o que provocou uma expectativa de que o remédio poderia ser bom foi um pequeno estudo feito com o medicamento na França, mas isso não se confirmou em análises maiores. "O uso indiscriminado da hidroxicloroquina na população irá gerar a falsa sensação de que temos uma cura, quando não é verdade", disse.

Médico sanitarista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Brasília, Cláudio Maierovitch pontua que dos estudos divulgados até o momento, nenhum verificou que a cloroquina funciona para tratamento de pacientes com covid-19. "Alguns estudos verificaram pior – que além de não funcionar, havia um risco maior para as pessoas que tomavam", afirmou.
Em abril, por exemplo, um estudo realizado em Manaus foi interrompido após a ocorrência de mais mortes no grupo de pessoas que estava tomando hidroxicloroquina do que as que não estavam usando o medicamento. O grupo de pesquisadores, que incluía funcionários da Fiocruz, consideraram que as informações coletadas até então eram suficientes para interromper o estudo e não expor mais pessoas. A dose usada na pesquisa era a mesma de um estudo feito na China.

De acordo com o sanitarista Cláudio Maierovitch, até o momento a maior parte dos estudos divulgados não mostra vantagem no uso do remédio. Ele mencionou o estudo publicado esta semana no Journal of the American Medical Association (JAMA), nos Estados Unidos, segundo o qual o medicamento não é capaz de evitar mortes de pacientes com covid-19 e ainda pode gerar mais problemas com o uso.

Jonas Brant explica, ainda, que resultado de testes de laboratório é uma coisa, outra é fazer em pessoas. Ainda que o remédio mostre eficácia em testes do tipo, pode não apresentar benefícios quando é aplicado em humanos. "Se eu colocar desinfetante no vírus, ele morre. Mas se eu tomar, vou morrer de intoxicação", exemplificou. O Ministério da Saúde autorizou o uso da hidroxicloroquina para casos muito graves de pacientes hospitalizados, após análise do médico que cuida do caso.

Infectologista do hospital Emílio Ribas, Jamal Suleiman aponta que o que se sabe sobre a hidroxicloroquina no momento é que é uma ótima droga para tratar a malária e que tem uma atividade em doenças inflamatórias, como lúpus. Já em relação à covid-19, o uso em hospitais se dá como um ensaio clínico, controlado, para avaliar os efeitos do remédio em pacientes graves. Até o momento, não foi possível provar que o produto muda a história natural da doença, reduzindo o tempo de internação e a mortalidade.

Na comunidade científica, há posições mais contundentes contrárias do medicamento. "Já é hora de mudar o discurso de 'não temos evidências suficientes de que a cloroquina funciona e que precisamos de mais estudos'. Já temos evidências suficientes de que a hidroxicloroquina não é eficaz no tratamento de covid-19 e apresenta riscos cardíacos que não devem ser negligenciados", afirma Natalia Pasternak, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP. Ela defende o encerramento dos estudos sobre a substância "para dar espaço para outros medicamentos mais promissores".

 Frase
"Já é hora de mudar o discurso de 'não temos evidências suficientes de que a cloroquina funciona e que precisamos de mais estudos'. Já temos evidências suficientes de que a hidroxicloroquina não é eficaz"
Natalia Pasternak, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP

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Inep: ainda é cedo para adiar Enem

Isadora Martins*

16/05/2020

 

 

O presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Alexandre Lopes, afirmou que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) pode ser adiado, mas que é cedo para ter essa discussão. Ele garantiu, também, que a prova será aplicada. "Essa discussão (sobre o adiamento) é prematura. Precisamos saber, primeiro, quando e em que condições vamos retornar às aulas", explica o presidente. "Se formos mudar a data, essa tem que ser uma discussão um pouco mais serena e uma discussão para o futuro. De todos os pedidos que eu recebi (para adiar o Exame), nenhum propôs um novo dia", afirmou durante live promovida por uma startup na área da educação.

Lopes explicou que, para a aplicação do exame em novembro, é necessário publicar edital que regulamente todos os processos administrativos. "Não se faz Enem de um dia para o outro. Só para imprimir as provas, são 45 dias. A partir do momento em que a gente estiver com tudo pronto para a aplicação da prova, podemos discutir a data", afirmou. "O que nós garantimos é que vai ter Enem."

Na avaliação de Maria Helena Guimarães, presidente da Associação Brasileira de Avaliação Educacional (Abave) e ex-secretária de Educação do estado de São Paulo, o Inep falha no momento em que não reconhece as dificuldades dos estudantes na preparação para o Enem. "Todo mundo está sofrendo. Alguns (estudantes) estão passando por situações familiares muito difíceis, uns por questão de saúde, outros por renda ou porque não conseguem ter acesso a materiais de estudo. Isso cria uma angústia que dificulta muito a vida desses alunos", disse Maria Helena, que também participou da live.

Na manhã de ontem, ato organizado pela União Nacional dos Estudantes (UNE), em parceria com o Diretório Central dos Estudantes Hoje (DCE) da Universidade de Brasília (UnB), em frente à sede do Ministério da Educação (MEC), pediu o adiamento do Enem. Os manifestantes também exigiram a saída do ministro da Educação, Abraham Weintraub, e do presidente da República, Jair Bolsonaro.

Os estudantes alegam que as adversidades provocadas em função da pandemia do novo coronavírus aumentam a desigualdade já existente e impedem que os alunos tenham condições para continuar se preparando para a prova. Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, revela que 21% dos domicílios brasileiros não têm acesso a internet em casa. E 42% dos candidatos não têm computador.

Além disso, o acesso a outros materiais como livros físicos também fica restrito. Uma vez que os livros didáticos que estudantes usam são os fornecidos pela escola. A UNE aponta também para os locais de estudos, que muitas vezes não proporcionam o espaço adequado para os jovens se concentrarem.

As inscrições para o Enem foram abertas na segunda-feira (11/5) e seguem até 22 de maio. Já são 2,4 milhões de estudantes cadastrados para participar do exame.

*Estagiária sob supervisão de Ana Sá

Frase
"Se formos mudar a data, tem que ser uma discussão um pouco mais serena"

Alexandre Lopes, presidente do Inep Estudantes protestam em frente ao MEC, no movimento #AdiaEnem