Valor econômico, v.21, n.4992, 02/05/2020. Brasil, p. A10

 

Municípios médios e pequenos relaxam isolamento social

Marcos de Moura e Souza

02/05/2020

 

 

Apesar da rápida aceleração do número de casos de covid-19 no Brasil, e também da quantidade de mortes, prefeitos de cidades pequenas e médias têm optado por relaxar as regras isolamento social, permitindo a reabertura de lojas, serviços e de indústrias. Em geral, o argumento é que a flexibilização atende à necessidade de comerciantes locais ou que a cidade tem ainda espaço em sua estrutura hospitalar.

A pergunta é que reflexo essas medidas podem ter. Com mais lojas abertas e mais gente nas ruas, o número de casos de covid-19 vai subir ou se manter?

"O comércio ficou fechado 30 dias e eu, como comerciante, sei o quanto aperta o calo", disse ao Valor o prefeito de Caxias do Sul (RS), Flavio Cassina (PTB). "A pressão dos meus pares [comerciantes] não estava brincadeira, mas ainda assim conseguimos segurar 30 dias e agora o comércio e os serviços estão liberados." A prefeitura permitiu a retomada das atividades não essenciais há cerca de duas semanas, assim como a indústria. As fábricas começaram com apenas 25% dos funcionários, mas isso logo foi aumentado para 50%.

"E agora nós vamos ter que abrir por completo com todos aqueles cuidados e procedimentos", disse ele, referindo-se a medidas adotadas nas fábricas como escalonamento de turmas nos refeitórios, distância entre os trabalhadores e cuidados extra com higiene. Em meados de abril, a cidade de 510 mil habitantes tinha 41 casos confirmados de covid-19. No boletim de sábado eram 58.

Um problema, segundo Cassina, é que alguns municípios próximos foram mais liberais e estão vendo o número de casos crescer bem mais rapidamente - e alguns desses pacientes são internados em Caxias. Bento Gonçalves, com 120 mil habitantes, também na Serra Gaúcha, registrou no dia 2 115 casos confirmados de covid-19 - um aumento de mais de 100% em cinco dias. No dia 27, a cidade tinha 51 casos.

"De forma alguma eu considero a abertura do comércio uma causa do aumento do número de confirmados na cidade", disse o prefeito Guilherme Pasin (PP). "Nós estamos em uma crescente de uma epidemia viral e os números estão crescendo a partir do aumento da nossa testagem. Com mais testes, os números foram aparecendo." Blumenau (SC), que também flexibilizou as restrições, viu da mesma forma o número de casos disparar.

Bento abriu o comércio no dia 16 e a indústria, no dia 6 - com regras de proteção e distanciamento. Pasin disse que após um mês com as portas fechadas, a cidade aumentou o número de leitos de UTI e de respiradores. Segundo ele, as ruas já têm uma circulação de pessoas equivalente a 60% do que era o normal antes da pandemia. "Parece-me mais adequado graduar a contaminação num ritmo que a estrutura de saúde consiga dar retorno e é o que estamos encarando hoje."

No interior de São Paulo, o prefeito de Jaboticabal, Carlos Hori (Cidadania), tentou aderir a essa tese. Em um decreto de 21 de abril, permitiu que estabelecimentos comerciais e de serviços não essenciais voltassem a funcionar. Lojas foram permitidas a abrir à tarde; bancos e lotéricas, pela manhã. O prefeito diz que por 12 dias a cidade teve apenas seis casos suspeitos, dois confirmados e nenhuma morte. "Resolvi fazer essa normatização para que o comércio tivesse esse respiro, tivesse sua oportunidade." Mas na semana passada, com os cinco leitos de UTI disponíveis ocupados - três deles com pacientes de outras cidades - o Ministério Público recomendou ao prefeito que voltasse atrás. Ele acatou. "Se tiver uma morte eu vou ser responsabilizado. É uma questão de bom senso."

Em Minas Gerais, o governador Romeu Zema (Novo) tem dito que em mais de 50% dos municípios do Estado a atividade comercial já foi retomada parcial ou totalmente. Um deles é Patos de Minas, no noroeste mineiro. Lá boa parte do comércio voltou a operar em 13 de abril - também em meio período. São 16 casos confirmados e uma morte e a demanda local é por mais abertura. "Estamos recebendo muita pressão de alguns setores que ainda não abriram, academias, galerias e shopping", diz o prefeito José Eustáquio Rodrigues Alves (DEM).

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Limitação para buscar trabalho mascara parte do desemprego

Bruno Villas Bôas

02/05/2020

 

 

O desemprego deve crescer fortemente neste ano e atingir níveis recordes, mas parte dessa escalada pode ser mascarada nas estatísticas pela desistência das pessoas de buscar recolocação no mercado de trabalho, conforme já observado no primeiro trimestre. Divulgada na quinta pelo IBGE, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua mostrou que a taxa de participação ficou em 61% de janeiro a março, 0,9 ponto percentual abaixo do registrado nos últimos três meses de 2019. A taxa mostra a fatia das pessoas em idade para trabalhar que estão empregadas ou buscando emprego.

Nos cálculos de Daniel Duque, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), 3,2 milhões de pessoas devem migrar para a inatividade na média deste ano, reduzindo em 3% o contingente de pessoas na força de trabalho do país.

O IBGE só contabiliza como desempregado quem efetivamente procura emprego, como pesquisar vagas pela internet e enviar currículos. Quem está sem emprego e não procura vaga não é considerado desempregado, e sim inativo.

Economistas acreditam que as pessoas tendem a não procurar emprego durante a pandemia pela baixa oferta de vagas. Além de o isolamento dificultar a seleção de pessoal, a tendência é que as contratações sejam suspensas. Dessa forma, Duque avalia que a taxa de desemprego nacional poderá subir a 18,7% na média de 2020. "Sem esse movimento de desistência da procura, poderíamos esperar um crescimento maior da taxa, para 21,2%."

Luka Barbosa, economista do Itaú Unibanco, concorda que o comportamento da taxa de desemprego ficará "um pouco distorcido" nos próximos meses. Para ele, a melhor medida para o mercado de trabalho será a massa salarial.

Em seus cálculos, a massa salarial - soma de todos os salários de todos os trabalhadores - deve recuar 6,5% no segundo trimestre, uma perda de cerca de R$ 45 bilhões. Se confirmada, será mais uma queda recorde da série da Pnad, iniciada em 2012.

"O resultado de curto prazo depende do prolongamento do isolamento social. E parte dessa perda será compensada pelas liberações do auxílio temporário de R$ 600 que vem sendo distribuído pelo governo. Mas nem todo o dinheiro vai virar consumo, parte vai pagar dívidas", diz Barbosa.

Parte do aumento de inatividade já foi capturado no primeiro trimestre pela Pnad. A taxa de desemprego nacional foi de 12,2%, abaixo da mediana das expectativas do mercado, de 12,4%.

Cosmo Donato, economista da LCA Consultores, explica que a taxa teria avançado para 13,5% sem a forte queda da força de trabalho no primeiro trimestre, de 1% frente ao fim do ano passado. Foi também uma variação percentual recorde na série histórica da pesquisa. "Foi um resultado terrível", afirma Donato. "Considerando que a pesquisa é uma média móvel de três meses e o isolamento social só começou na segunda quinzena de março, a queda de 1% é muita coisa."

Esse não foi, contudo, o único efeito da pandemia sobre o mercado de trabalho no início de ano. Segundo Cimar Azeredo, diretor-adjunto de pesquisa do IBGE, a intensidade da perda de empregos no período teria extrapolado a sazonalidade.

A população ocupada recuou 2,5% no primeiro trimestre frente ao quarto trimestre do ano passado, o correspondente a 2,329 milhões de pessoas. É a maior queda percentual da série.

"Os dados referem-se ao trimestre, mas um pedaço de março teve influência expressiva da covid-19. Pode ser um fator importante, embora não tenhamos como separar a sazonalidade do que é pandemia", diz ele.

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País supera marca de 100 mil casos de covid-19

Rafael Bitencourt

Arícia Martins

02/05/2020

 

 

O número de mortes de pacientes infectados pela covid-19 subiu de 6.750 para 7.025 entre sábado e domingo, informou o Ministério da Saúde ontem. Foram 275 novos óbitos registrados em 24 horas, o que representa alta de 4%. No dia anterior, houve aumento de 7%.

O total de casos de coronavírus saltou de 96.559 para 101.147. Foram mais 4.588 casos em um dia, ou avanço de 5%, mesma variação reportada sábado.

São Paulo segue na liderança de notificações, segundo o boletim epidemiológico divulgado domingo. Em 24 horas, o Estado reportou aumento de 31.174 para 31.772 casos da doença causada pelo vírus. Outros Estados também tiveram aumento de pacientes infectados, como o Rio, com 11.139 ocorrências.

Com 2.627 mortes, São Paulo é também o Estado com maior número de óbitos relacionados à covid-19. Na sequência, estão Rio (1.019), Ceará (663) e Pernambuco (652).

O Ministério da Saúde também informou que 42.991 pessoas se recuperaram da doença no país. Assim, 42,5% dos 101.147 diagnosticados até agora já podem ter desenvolvido imunidade contra o vírus. Estão em acompanhamento outras 51.131 pessoas.

Até sábado, 40.937 pessoas tinham se recuperado. Por outro lado, outras 1.364 mortes de pacientes ainda são investigadas, o que indica que o total de óbitos causados pela covid-19 pode estar subnotificado.

Apesar de estar na parte ascendente da curva de contaminações e mortes pela doença, o Brasil segue pouco comprometido com o isolamento social. Segundo levantamento do time global de analistas do Citi, o índice de mobilidade comunitária calculado pelo banco com base em dados do Google caiu 41% no país em 26 de abril. Foi a menor redução num grupo de 11 países latino-americanos.

Na média do continente, a queda foi de 51%, com retração mais forte no Peru (-90%), Panamá (-88%), Colômbia (-70%) e Argentina (-65%). Depois do Brasil, o país em que a movimentação de pessoas foi menos afetada é o México (-46%), seguido do Uruguai (-49%).

O indicador estimado pelo Citi é uma média da variação da frequência em quatro categorias disponibilizadas pelo Google: varejo e recreação, transporte público, locais de trabalho e supermercados e farmácias. A mobilidade na data de referência, calculada a partir das informações da localização de telefones celulares, é comparada à movimentação média dos mesmos dias da semana no período de 3 de janeiro até 6 de fevereiro.

De acordo com esse critério, o confinamento social no Brasil está mais frouxo do que a média global, que mostrou recuo de 43% na mobilidade da população em igual período. O país também teve retração mais fraca do que a registrada na média de mercados emergentes (-45%).

Em relação à semana anterior, observa a equipe global de análise do banco, houve um pequeno relaxamento do distanciamento social no mundo. Já no Brasil, a queda na movimentação de pessoas apontada pelo Google medida pelo Citi ficou 3 pontos percentuais maior em igual ordem.