Correio braziliense, n. 20814 , 18/05/2020. Política, p.2/3

 

PF abre investigação para apurar vazamento

Bruna Lima

18/05/2020

 

 

PODER » Enquanto a Polícia Federal faz apuração interna para averiguar “eventual desvio de conduta” da instituição com intuito de ajudar Flávio Bolsonaro, PGR determina que o empresário Paulo Marinho preste depoimento e inclui as revelações no inquérito envolvendo o presidente

Após o empresário Paulo Marinho relatar vazamento de informações privilegiadas e atrasos em operações policiais em benefício à candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência, a Polícia Federal informou, em nota divulgada ontem, que abriu um procedimento de investigação para apurar as denúncias de que um de seus integrantes teria antecipado ao senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) informações sobre a Operação Furna da Onça. Já a Procuradoria-Geral da República (PGR) incluiu as revelações no inquérito que apura supostas interferências do chefe do Executivo na superintendência da PF do Rio de Janeiro e determinou que o empresário preste depoimento. O procurador-geral da República, Augusto Aras, discute a denúncia com a equipe de procuradores que atua em seu gabinete.

Na nota oficial, a PF destacou que se notabilizou pela atuação firme, isenta e imparcial no combate à criminalidade, dentro de suas atribuições legais e constitucionais e disse que “todas as notícias de eventual desvio de conduta devem ser apuradas e, nesse sentido, foi determinada, na data de hoje (ontem), a instauração de novo procedimento específico para a apuração dos fatos apontados”. O senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente, rebateu a acusação, feita por Marinho, que é pré-candidato à Prefeitura do Rio pelo PSDB, de que teria recebido vazamento da Polícia Federal sobre investigações envolvendo seu ex-assessor Fabrício Queiroz.

O senador classificou a acusação de “invenção” e afirmou que o empresário tem interesse em prejudicá-lo, já que é suplente de Flávio no Senado. A acusação foi feita em entrevista de Marinho ao jornal Folha de S.Paulo. O empresário disse, na entrevista, que o senador relatou em uma reunião em dezembro de 2018 que teve conhecimento de forma antecipada sobre a realização da Operação Furna da Onça, que alcançou Queiroz. Segundo Marinho, o delegado disse a Flávio que, por simpatizar com a campanha de Jair Bolsonaro, teria adiado a deflagração para depois das eleições. A operação Furna da Onça, que investigava desvio de verba e lavagem de dinheiro de gabinetes da Alerj, foi realizada em 8 de novembro, tendo como um dos alvos Queiroz.

O empresário de 68 anos, além de suplente do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos), foi um dos principais aliados de Jair Bolsonaro durante a corrida presidencial de 2018. Ele ofereceu ao então candidato, à época, a mansão no Rio para servir de escritório de campanha e local de gravação dos vídeos publicitários. Foi também na casa de Marinho a primeira reunião da equipe de governo após Jair Bolsonaro vencer as eleições.

Antes de apoiar Bolsonaro, no entanto, Marinho chegou a promover jantares para o amigo paulistano e governador João Doria que, na época, queria se candidatar à presidência da República. O nome não chegou a ser considerado pelo PSDB na corrida eleitoral.

Em representação protocolada junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), o deputado federal Marcelo Calero (Cidadania-RJ) interpreta que o referido delegado pode tratar-se de Alexandre Ramagem, indicado preferido pelo presidente ao cargo de diretor-geral da Polícia Federal.

Segundo a alegação, a operação Furna da Onça é um desdobramento da operação Cadeia Velha, a qual foi coordenada por Ramagem. “Parece-nos haver evidente conexão probatória entre os fatos, a ensejar — ao menos por ora — investigação conjunta de forma a descortinar todo o contexto em que essas acusações são feitas”, sugere Calero.

Na representação, ele pede novas oitivas como todos os nomes mencionados pelo suplente de Flávio Bolsonaro, incluindo os dois políticos, o presidente da República, os alvos da operação, advogados, o delegado Alexandre Ramagem e a delegada Xênia Soares, responsável pela operação Furna da Onça.

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Próximos passos dependem de ministro

Jorge Vasconcellos

Renato Souza

Bruna Lima

18/05/2020

 

 

Depois da fase de coleta de provas, depoimentos de testemunhas e do ex-ministro Sergio Moro, a Procuradoria-Geral da República pretende ouvir o presidente Jair Bolsonaro no inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar se o chefe do Executivo tentou interferir na Polícia Federal. O decano da Corte, Celso de Mello, assiste, hoje, ao vídeo da reunião ministerial e decide se torna público ou não o conteúdo da considerada peça-chave para direcionar o caso.

A Advocacia-Geral da União (AGU) manifestou-se sobre a possibilidade do levantamento do sigilo do vídeo da reunião, realizada em 22 de abril. Foi nesse encontro que, segundo Sergio Moro, Bolsonaro o ameaçou de demissão, juntamente com o então diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, ao pressionar pela troca do comando da superintendência do órgão no Rio de Janeiro e cobrar os relatórios de inteligência da corporação. Enquanto a defesa de Moro se manifestou favorável à divulgação da íntegra da gravação, argumentando se tratar de “interesse público”, a AGU solicita ao ministro Celso de Mello que sejam divulgadas publicamente apenas as declarações feitas pelo presidente da República no encontro.

Na mesma petição, a AGU reitera as afirmações de Bolsonaro de que, durante a reunião, ele não citou as palavras “Superintendente”, “Diretor-Geral” ou “Polícia Federal”. Já o procurador-geral da República, Augusto Aras, fez um pedido ainda mais restritivo: de que somente o conteúdo pertinente à investigação proferido por Bolsonaro se tornasse público, excluindo, por exemplo, a parte em que ele faz considerações a respeito de outros países, como referências que fez à China.

Augusto Aras, responsável pelo pedido de abertura de inquérito ao STF, avalia a necessidade da tomada de novos depoimentos para que Bolsonaro seja ouvido na investigação. A informação foi apurada pelo Correio junto a fontes da PGR. Aras deve enviar, nos próximos dias, ao ministro Celso de Mello, um pedido de autorização para ouvir novas testemunhas com a finalidade de fechar os últimos pontos da fase de oitiva das testemunhas. A expectativa é de que esse item seja finalizado dentro de uma semana.

Os depoimentos de ministros militares, Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Walter Braga Netto, ministro-chefe da Casa Civil; e Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, foram parecidos. No entanto, entre os delegados da Polícia Federal ocorreram algumas divergências que ainda precisam ser esclarecidas, como declarações feitas pelo chefe do Executivo na presença dos demais integrantes do governo.

A deputada Carla Zambelli também deixou de prestar algumas informações, como o fato de ter dito para Moro que se ele saísse do governo, o presidente cairia. Ela enviou o aviso por mensagem de WhatsApp, mas apagou parte da conversa em seguida. O trecho, porém, foi recuperado no celular do ex-ministro da Justiça. Haverá, ainda, o depoimento de três delegados, entre eles, Carlos Henrique Oliveira, atual diretor-executivo da PF, que falará com os investigadores pela segunda vez. Ele deve acrescentar informações ao inquérito.

Após essas diligências, Bolsonaro será ouvido, provavelmente por escrito, como os antecessores. Essa prerrogativa é garantida aos ocupantes do cargo de chefe de poder. No momento, as autoridades envolvidas no inquérito estão analisando os depoimentos já colhidos e também o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril.

O ministro Celso de Mello decide, nesta semana, se torna pública ou não a reunião ministerial que norteia o inquérito. Como ele não está em Brasília, terá acesso por meio de um programa de acesso remoto, instalado no computador que está em seu gabinete na sede do Tribunal. Após a reunião de 22 de abril, Bolsonaro demitiu Valeixo e nomeou Rolando de Souza como substituto no cargo. O primeiro ato do novo diretor-geral da PF foi trocar a chefia da superintendência da corporação no Rio. Rolando assumiu o cargo depois de o ministro Alexandre de Moraes, do STF, suspender a nomeação de Alexandre Ramagem, amigo da família Bolsonaro, como diretor-geral da PF. O Correio apurou que, na avaliação de Aras, os elementos contidos até o momento no inquérito ainda não foram suficientes para ele formar opinião sobre indícios do cometimento de crimes por Bolsonaro e Moro. Por isso, a necessidade de novos depoimentos.

No entanto, a revelação sobre as trocas na equipe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) dias antes da reunião que estourou o caso sugere que, diferentemente do que vinha alegando o chefe do Executivo, a exigência sobre a troca na “segurança do Rio” refere-se à Superintendência da PF fluminense, como sustenta Moro.

“Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f ... minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar, se não puder trocar, troca o chefe dele, não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira”, disse Bolsonaro, no encontro ministerial de 22 de abril, conforme transcrição encaminhada ao Supremo pela AGU. Na versão do presidente, os problemas mencionados seriam referentes à mudança no próprio gabinete de segurança pessoal.

Fernando Parente, advogado criminalista e professor de processo penal do Instituto de Direito Público (IDP), falou sobre a possibilidade de Augusto Aras desistir de novas testemunhas e oferecer as primeiras denúncias no inquérito. “A próxima fase pode se dar com a análise, pelo Ministério Público Federal, das provas já apresentadas, como depoimentos e o vídeo da reunião. O MP pode entender que há material suficiente para concluir pelo arquivamento da investigação, porque não há nada de criminoso, ou pelo oferecimento de denúncia contra alguém, seja contra o presidente Jair Bolsonaro ou contra Sergio Moro, ou, ainda, o MP pode pedir para se investigar mais. A partir de um pedido de provocação da Procuradoria-Geral da República, o ministro Celso de Mello pode entender necessária alguma diligência investigativa”, afirmou Parente, que também é sócio do Guimarães Parente Advogados.

Caso o presidente Bolsonaro seja denunciado por Augusto Aras, a acusação deve ser, antes, apreciada pela Câmara dos Deputados, onde serão necessários os votos de dois terços dos parlamentares (342) para acatá-la. Se a denúncia for acolhida pela Câmara, ela seguirá para STF, que decidirá se abre ou não processo penal contra um ou mais acusados. Se o presidente virar réu, é afastado do cargo. Se os deputados rejeitarem a denúncia da PGR, a mesma fica suspensa até o fim do mandato do presidente Bolsonaro.

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Oposição e Moro cobraram oitava

Bruna Lima

18/05/2020

 

 

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) classificou as declarações do empresário Paulo Marinho como “gravíssimas” e afirmou que elas revelam “a interferência de Bolsonaro e de sua família na Polícia Federal antes mesmo do início de seu governo”. Líder da minoria no Senado, ele afirmou que vai pedir que o empresário seja ouvido no inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF).

Antes da manifestação da PGR, que incluirá depoimento de Marinho no âmbito do inquérito que investiga a suposta interferência do presidente na PF, a defesa do ex-ministro da Justiça Sergio Moro estudava fazer o pedido. Os advogados do ex-juiz da Lava-Jato iriam esperar até amanhã uma manifestação do procurador-geral Augusto Aras e da PGR sobre as declarações do empresário. “Espero que os fatos revelados, com coragem, pelo Sr. Paulo Marinho, sejam totalmente esclarecidos”, afirmou Moro no Twitter.

No sábado, a defesa de Moro argumentou que as trocas no GSI, reveladas em reportagem do Jornal Nacional, demonstram que “nunca houve por parte do presidente da República qualquer insatisfação com o serviço de segurança pessoal que lhe era prestado ou a seus familiares no Rio de Janeiro, tampouco qualquer dificuldade para realizar substituições na área, já que os responsáveis foram, logo antes da reunião ministerial do dia 22/4/2020, promovidos ou substituídos”.  Ao menos três movimentações no Gabinete de Segurança Institucional ocorreram nos últimos dois meses sem indícios de dificuldades para isso.

Alvo das denúncias, o senador Flávio afirmou que as declarações de seu suplente são “estórias” e “não passam de invenção de alguém desesperado e sem votos”. O parlamentar justifica, em nota, divulgada ontem, que Marinho tem interesse em prejudicá-lo. “Ele sabe que jamais teria condições de ganhar nas urnas e tenta no tapetão”, ataca, fazendo alusão sobre as intenções eleitorais por trás das revelações, já que Marinho pretende se candidatar à prefeitura do Rio de Janeiro. “Por que somente agora inventa isso, às vésperas das eleições municipais em que ele se coloca como pré-candidato do PSDB à Prefeitura do Rio, e não à época em que ele diz terem acontecido os fatos, dois anos atrás?”, questina o senador.

Proteção policial

Após o desdobramento ao longo do dia, Marinho disse ter solicitado proteção policial a Wilson Witzel (PSC). “Em função de novas circunstâncias surgidas nas últimas horas, solicitei ao governador do RJ proteção policial à minha família e, após criteriosa análise das autoridades envolvidas, fomos atendidos. Seguiremos firmes lutando pela verdade e pelo Brasil”, postou o empresário nas redes sociais.

Paulo Marinho disse, ainda, que decidiu expor a situação após as revelações do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, que acusa Jair Bolsonaro de tentar interferir na diretoria da PF. “Agradeço às manifestações de apoio que tenho recebido neste momento em que, após as denúncias do Min. Sergio Moro, considerei a necessidade de dar publicidade às informações que podem colaborar com as investigações.”

Frase

“Solicitei ao governador do RJ proteção policial à minha família e, após criteriosa análise das autoridades, fomos atendidos”

Paulo Marinho, empresário