Correio braziliense, n. 20815 , 19/05/2020. Política, p.2/3

 

Novo elementos para inquérito contra Bolsonaro

Renato Souza

Sarah Teófilo

19/05/2020

 

 

INTERFERÊNCIA NA PF » Empresário Paulo Marinho promete detalhar, em depoimento à corporação, a acusação de que operação policial contra Fabrício Queiroz vazou para Flávio Bolsonaro. PGR, que pediu a oitiva, decidirá se incluirá denúncias no caso do chefe do Executivo que tramita no STF

As declarações do empresário Paulo Marinho, coordenador da campanha presidencial de Jair Bolsonaro, adicionam uma nova linha de investigação no inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar as acusações de interferência do chefe do Executivo na Polícia Federal. A pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), Marinho será ouvido pela corporação para aprofundar as acusações de que Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do chefe do Executivo, teria sido informado por um delegado, com antecedência, da Operação Furna da Onça — deflagrada em 2018 e que mirou Fabrício Queiroz, acusado de integrar um esquema de rachadinha na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). O empresário disse, ontem, ao site G1, que pode provar suas acusações. “Tenho provas, tenho elementos que comprovam o relato que eu fiz. Já adianto que tudo que eu falei vou repetir durante depoimento à PF, rigorosamente igual”, afirmou.

As diligências sobre o inquérito tiveram início após o ex-ministro Sergio Moro afirmar que Jair Bolsonaro tentou interferir na PF por razões políticas. Além disso, o presidente teria cobrado acesso a relatórios de inteligência. O ex-juiz apresentou conversas de WhatsApp, vídeos e áudios para provar sua versão, além de apontar ministros de Estado, delegados e políticos como testemunhas. Ele acusou o presidente de mirar a troca no comando da PF no Rio e em nível nacional para proteger familiares e políticos da base do governo. As declarações de Marinho criam novas possibilidades. O empresário disse que Flávio foi informado da operação contra Queiroz entre o primeiro e o segundo turnos das eleições de 2018. De acordo com ele, o delegado teria dito ao filho do presidente que a deflagração da Furna da Onça seria adiada para não interferir no pleito presidencial, o qual Jair Bolsonaro disputava com o petista Fernando Haddad.

Os fatos narrados por Marinho, que é suplente de Flávio no Senado, não têm relação direta com o cargo do presidente, mas podem fundamentar a obtenção de novas provas e informações passíveis de colaborar com o inquérito. O ministro Celso de Mello, relator do caso no Supremo Tribunal Federal, deve fixar um prazo para que o empresário seja ouvido, com base na solicitação da PGR.

Além dele, outras pessoas eventualmente citadas em seu depoimento podem ser convocadas para dar explicações ou colaborar na elucidação do assunto. Há possibilidade, inclusive, de o próprio senador Flávio Bolsonaro ser chamado para depor, assim como advogados que teriam atendido o parlamentar. No entanto, por questão de sigilo profissional, os defensores não são obrigados a falar, prestar informações e não podem ser legalmente punidos, caso façam essa escolha.

No Twitter, Flávio escreveu: “Nem eu nem meu ex-assessor éramos alvo da operação da Polícia Federal (PF) denominada ‘Furna da Onça’. Mas, segundo meu suplente Paulo Marinho (agora assumidamente representante de Dória no Rio — PSDB), eu teria recebido informações de que a PF investigava meu ex-assessor”. O governador João Doria, antes aliado, é agora desafeto do governo Bolsonaro.

Visões diferentes

O criminalista Conrado Gontijo acredita que as declarações de Marinho têm íntima ligação com as acusações de interferência na PF e precisam ser averiguadas no âmbito do inquérito que já está em andamento. “As informações apresentadas por Paulo Marinho são graves e se inserem, justamente, no contexto de possíveis interferências que seriam feitas pela família Bolsonaro em investigações da Polícia Federal. Trata-se de novos fatos que precisarão ser apurados com profundidade no âmbito do inquérito que já tramita no Supremo Tribunal Federal”, frisou. “Se forem confirmadas as informações de Paulo Marinho, terá havido suspensão de atividades de investigação para evitar que pessoas relacionadas a Bolsonaro fossem expostas e para que isso não o prejudicasse nas eleições. Isso é grave e precisa de aprofundada investigação.”

O advogado criminalista Thiago Turbay, sócio do Boaventura Turbay Advogados, destacou, no entanto, que o principal alvo das diligências deve ser o delegado da PF que teria vazado as informações a Flávio Bolsonaro e não o presidente da República, que é alvo do inquérito. “As declarações do senhor Paulo Marinho não compreendem o lapso temporal da investigação contra o presidente Jair Bolsonaro. Há clara distinção do objeto de investigação. A conduta narrada não é passível de ser imputada ao presidente”, argumentou. “A investigação, portanto, deve incidir sobre o delegado da Polícia Federal que, supostamente, infringiu seus deveres funcionais. Ainda, a investigação deve ser capaz de apontar concretamente se houve alguma ação delitiva do senador Flávio, o que não está narrado.”

Frase

"Tenho provas, tenho elementos que comprovam o relato que eu fiz. Já adianto que tudo que eu falei vou repetir durante depoimento à PF, rigorosamente igual”

Paulo Marinho, empresário, ao portal G1

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Relator nega que houve adiantamento de ação

Sarah Teófilo

19/05/2020

 

 

O desembargador Abel Gomes, relator da Operação Furna da Onça no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, divulgou nota dizendo que a ação, em 2018, “não foi adiada, mas, sim, deflagrada no momento que se concluiu mais oportuno”, após autoridades envolvidas decidirem que ela não deveria ser deflagrada durante o período eleitoral “visto que poderia suscitar a ideia de uso político” da situação. “Essa diretriz acertada e legal das autoridades federais não teve por escopo beneficiar quem quer que seja”, destacou, ao justificar adiamento.

A operação, desdobramento da Lava-Jato no Rio de Janeiro, apontava loteamento de cargos públicos e pagamento de propina a deputados na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Durante as investigações, foi descoberta uma movimentação financeira atípica de Fabrício Queiroz, funcionário do gabinete do filho de Jair Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que na época era deputado estadual.

A nota do desembargador é uma resposta às informações do empresário Paulo Marinho, suplente do senador. Em entrevista à Folha de S. Paulo, publicada no sábado, Marinho disse que Flávio recebeu informações de um policial federal de que haveria uma operação envolvendo Queiroz e que eles estavam segurando a ação para não prejudicar as eleições do presidente Jair Bolsonaro.

De acordo com o desembargador, porém, como a operação era dirigida a ocupantes de cargos eletivos, deputados que estavam no processo eleitoral, eles decidiram deflagrar após as eleições. “Concluíram as autoridades que o correto e consentâneo com a lei seria realizar a ação policial após a conclusão do segundo turno das eleições de 2018. Tratou-se de precaução lídima, lógica e correta das autoridades envolvidas na persecução penal: a Justiça Federal, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal”, defendeu Abel Gomes.

Ele justificou, ainda, que “a própria legislação eleitoral impõe impedimento à realização de prisão, salvo em flagrante, nos dias próximos dos pleitos eleitorais, justamente para que tal ato não interfira, eventualmente, nos resultados das urnas”.

Gomes destacou, ainda, que, a denúncia de Paulo Marinho sobre vazamento de informações relativas à operação por parte de um delegado federal “é fato que deve ser apurado com urgência, com a devida instauração dos procedimentos cabíveis, dada a sua gravidade, sendo fundamental a identificação desse agente público, para que se afira se se trata de alguém que integrou a equipe policial que trabalhou nas investigações”. O desembargador ressaltou, no entanto, que a presidente da operação era uma delegada da PF — Xênia Ribeiro Soares —, e não um delegado.

Frase

"Concluíram as autoridades que o correto e consentâneo com a lei seria realizar a ação policial após a conclusão do segundo turno das eleições de 2018. Tratou-se de precaução lídima, lógica e correta das autoridades envolvidas na persecução penal: a Justiça Federal, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal”

Trecho de nota do desembargador Abel Gomes