Valor econômico, v.21, n.4994, 06/05/2020. Política, p. A9

 

Câmara altera socorro aos Estados

Marcelo Ribeiro

Raphael Di Cunto

06/05/2020

 

 

A Câmara dos Deputados quebrou ontem o acordo celebrado com o Senado em relação ao projeto de socorro financeiro a estados e municípios e alterou a proposta, o que obrigará o texto a passar por uma nova análise dos senadores. O movimento pode atrapalhar os planos do Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e dos governadores, de viabilizar a chegada dos recursos ainda na primeira quinzena de maio.

Os deputados aprovaram o texto-base do projeto, por 437 a 34, mas a votação ainda não tinha acabado porque os destaques apresentados para que alterações fossem feitas na proposta ainda eram apreciados até o fechamento da reportagem.

A proposta injeta, de forma direta, R$ 60 bilhões nas contas de governadores e prefeitos para ajudar na crise econômica e no combate à disseminação da covid-19. O projeto aprovado também inclui possibilidade de renegociações de dívidas e obrigações, o que, no total, resulta em uma ajuda indireta de cerca de R$ 120 bilhões. O objetivo é minimizar os efeitos da queda de arrecadação de impostos, decorrentes das medidas de combate ao coronavírus, como o fechamento temporário de empresas.

Logo após a aprovação do texto-base, parlamentares aprovaram, por 254 a 235, um destaque do Novo que altera as regras de distribuição dos recursos, o que representa uma derrota para Alcolumbre, que, em seu relatório no Senado, determinou mudanças que beneficiavam o Amapá.

Com a mudança, dos R$ 7 bilhões que serão destinados para que os Estados invistam obrigatoriamente em saúde, o critério de distribuição de 60% será o tamanho da população e dos outros 40% será a quantidade de infectados. Na versão aprovada pelos senadores, essa última fatia seria determinada pela taxa de incidência da doença em cada Estado, o que dava mais recursos para o Amapá de Alcolumbre.

O Presidente do Senado reagiu rapidamente ao ser alertado na sessão sobre a mudança. “Não tenho dúvida que as mudanças na Câmara representam a força das bancada do Sul e do Sudeste e que aqui no Senado, onde aprovamos por quase unanimidade, vamos reestabelecer o texto original”, afirmou.

Inicialmente, a Câmara daria a palavra final sobre o projeto, mas Alcolumbre fez uma manobra legislativa e, ao invés de votar a proposta dos deputados, ignorou esse texto e votou outro projeto, do senador Antonio Anastasia (PSD-MG). Como o projeto passou a ser o do Senado, são os senadores que darão a última palavra antes de enviar o texto à sanção presidencial.

O relator Pedro Paulo (DEM-RJ) chegou a recomendar a aprovação do texto do Senado com apenas duas emendas de redação, mas, diante das articulações para que novas mudanças fossem feitas, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), decidiu que as mudanças são de mérito e, portanto, exigirão nova votação pelo Senado.

O líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), orientou contra a alteração e foi acompanhando apenas por uma parte do Centrão, com quem o presidente Jair Bolsonaro tenta se aproximar para compor uma base aliada. Por outro lado, não houve aumento dos recursos e o governo só terá que gastar os R$ 60 bilhões planejados.

Para a liberação dos recursos, os governos locais não poderão reajustar salários de servidores públicos até 31 de dezembro de 2021. O texto prevê que profissionais e servidores civis e militares envolvidos diretamente em atividades de combate ao coronavírus, incluindo policiais legislativos, técnicos e peritos criminais, agentes socieducativos, limpeza urbana, assistência social e profissionais de saúde estão a salvo das restrições impostas.

O relator ainda antecipou para dezembro deste ano o fim do prazo para a suspensão dos refinanciamentos de dívidas dos municípios com a Previdência Social, além de determinar que a suspensão seja definida por regulamento.

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Demora em nomeações irrita Centrão

Raphael Di Cunto

Marcelo Ribeiro

06/05/2020

 

 

O Centrão da Câmara dos Deputados continua a aguardar para esta semana a nomeação de indicados políticos para cargos estratégicos do governo, como o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e o Banco do Nordeste, mas lideranças desses partidos já começam a demonstrar irritação pela "demora" - eles negociam desde abril com o presidente Jair Bolsonaro e seus auxiliares.

Um integrante do grupo que não está diretamente envolvido na negociação, mas acompanha nos bastidores, afirmou ao Valor que o sentimento é insatisfação. "Hoje o governo precisa muito mais do nosso apoio do que nós do governo", disse, em referência à crise política desencadeada com a participação de Bolsonaro em protestos, os problemas de saúde pública e as acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro. Quanto maior a demora, alerta, maior será o custo pelo apoio caso essas polêmicas aumentem.

O governo negocia desde antes do agravamento da crise para isolar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que, na opinião de Bolsonaro, conspirava contra o governo. Cabe a Maia aceitar ou rejeitar os pedidos de impeachment, que já somam dezenas e foram pedidos por quase todos os partidos da oposição e até por antigos aliados na direita, como PSL, sua antiga sigla, e o Movimento Brasil Live (MBL).

De olho nos cargos do governo e sem querer elevar a crise política, os partidos do Centrão (PP, PL, Republicanos, PTB, SD, MDB e PSD) negociam separados, mas adotaram a mesma postura diante da crise: são contra o impeachment, orientaram seus deputados e senadores a não assinarem os pedidos de comissões parlamentares de inquérito (CPI) e dizem que a prioridade é o combate ao coronavírus, com a preservação de vidas e empregos.

O apoio, contudo, não é incondicionado. Além dos cargos, os líderes do Centrão querem ser consultados sobre os projetos e rumos do governo antes. Disseram que, se isso não ocorrer, não há compromisso de apoio as propostas.

Aliados de Maia aproveitaram as mudanças no projeto de socorro aos Estados e municípios como sinalização de que a relação entre governo e Centrão não está azeitada. Embora Maia tenha trabalhado pela aprovação do projeto, esses partidos se dividiram e, com as alterações, o texto terá que voltar para o Senado. Governistas, porém, dizem que se tratava de uma questão regional e por isso eram compreensíveis as "traições".

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Bolsonaro não alimenta a paz, diz líder evangélico 

Marcos de Moura e Souza

06/05/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro conta com o apoio fiel da maioria dos deputados e senadores evangélicos, mas algumas de suas declarações têm desagradado o bloco formado por mais de 100 parlamentares.

A última dessas frases foi dita em Brasília durante um ato promovido no domingo por aliados de Bolsonaro que defendem que ele governe sozinho e que o Congresso e o Supremo Tribunal Federal sejam fechados. O presidente declarou que tinha o apoio das Forças Armadas, sem explicar exatamente o pretendia dizer com isso.

"Eu acho que essa foi a parte mais delicada da declaração dele", afirmou ao Valor o presidente da frente parlamentar evangélica, o deputado federal Silas Câmara (Republicanos-AM). "Como várias autoridades disseram, as Forças Armadas não são ferramentas de um governo, são ferramentas do Estado e, portanto, o senhor das Forças Armadas não é o presidente da República, mas a Constituição Federal", diz o deputado.

Câmara afirma que o fechamento das instituições não é um assunto que sequer passe perto de ser avaliado pelos parlamentares da frente e diz que a democracia é forte o suficiente para que isso não aconteça.

Mas ele se diz preocupado com manifestações como a de domingo.

"A gente tem a preocupação no aspecto de você medir as palavras, porque a verdade é que o Brasil precisa de um pouco de paz para poder enfrentar o coronavírus, para poder enfrentar a crise econômica, e a gente fica preocupado até que ponto esses movimentos ajudam ou atrapalham a nação neste momento", afirma Câmara.

Perguntado se Bolsonaro ajuda ou atrapalha para um ambiente de paz no país com declarações como a que fez ontem, Câmara afirma: "Se ele não alimenta a cizânia, a paz é que ele não alimenta."

E acrescenta: "Eu acho que tem muita coisa boa feita pelo governo federal neste momento de coronavírus e não precisa desse comportamento para a gente mostrar que o governo é bom."

O deputado lista o pagamento da ajuda de R$ 600 para famílias de baixa renda, a negociação da dívida com os Estados e com as empresas, a compensação das perdas dos Estados e plano do governo de pensar políticas de recuperação da economia.

Silas Câmara diz que prefere acreditar que as declarações do presidente diante de seus apoiadores têm mais o intuito demonstrar que ele tem apoio e menos a intenção de incitar uma intervenção militar para mantê-lo no poder, fechando o STF e o Congresso.

O deputado lembra que Bolsonaro tem o apoio leal de um terço dos eleitores, segundo as pesquisas.

"Então eu fico me perguntando: que sensatez seria essa de pensar que poderia se fazer um movimento desse com 70% da população contra? Se eu que não sou presidente, que não sou ministro da Defesa, que não sou o comandante das Forças Armadas penso assim, tu acha que um cara das Forças Armadas não vai pensar assim também? É lógico que vai pensar", avalia.

Ele diz acreditar que não haja no país qualquer ambiente para uma movimentação política nessa linha nos quartéis e que os militares têm um nível intelectual e de informação política bastante elevado. "Eu acho até que tem uma parte substancial das Forças Armadas sabe o que é um comando racional e sabe o que é um comando sem fundamento constitucional."

A frente parlamentar evangélica tem o apoio de 196 deputados e senadores, mas entre eles, os que são, de fato, evangélicos somam 130 deputados e deputadas federais e 14 senadores e senadoras.

A despeito das críticas em relação a declarações como a que foi feita pelo presidente no domingo, o bloco evangélico se mantém, majoritariamente, unido em apoio ao governo.

"A frente parlamentar evangélica ainda consegue enxergar no presidente Bolsonaro uma liderança eleita que tem condições, sim, de levar o Brasil a um futuro melhor, com segurança jurídica, com compromisso com suas bandeiras", diz o deputado.

Em sua avaliação, 70% de tudo que a bancada evangélica tinha de expectativa em relação um novo governo de direita, conservador está se cumprindo.

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Setor privado quer abater doações

Raphael Di Cunto

Fabio Graner

06/05/2020

 

 

Com a pandemia causada pela covid-19, empresas, em especial de grande porte, passaram a doar máscaras, álcool em gel e equipamentos para hospitais públicos, numa ação social que ajuda a criar uma imagem positiva para suas marcas entre os consumidores. Algumas entidades empresariais, porém, tentam descontar os gastos com as doações dos impostos que tem a pagar.

Três projetos de lei novos no Congresso tratam do tema. Todos estabelecem limites para os descontos. Segundo o Valor apurou, o Ministério da Economia também já recebeu ao menos três pedidos do setor privado para permitir que esses gastos sejam abatidos do imposto de renda. Dessas demandas, uma queria incentivo para doações a hospitais, outra para doações de alimentos e uma terceira era mais genérica. A chance de esses pleitos prosperarem na área econômica é baixa, diante da restrição fiscal.

Procurado pelo Valor, o ministério limitou-se a dizer que o assunto "está em análise". A pressão pelo benefício também já é replicada nos Estados, com projetos para abatimento do ICMS apresentados nas assembleias legislativas.

Os favoráveis ao benefício tributário dizem que isso estimula doações e também compensa as empresas por desafogarem os serviços públicos. O senador Confúcio Moura (MDB-RO) é autor de um dos projetos e está numa posição estratégica para aprová-lo: a presidência da comissão do Congresso que fiscalizará os gastos do governo federal no enfrentamento à covid-19. Nessa função, ele terá reuniões periódicas com representantes do governo para tratar do assunto. "Pensei só nesse momento atípico, de fazer como atratividade. A gente entende que o governo não dará conta desse enfrentamento sozinho", afirmou Moura, que se disse contra incentivos tributários desmedidos.

A proposta dele é abrangente e permite a dedução não apenas de doações em dinheiro, mas também de imóveis, material de consumo hospitalar ou clínico e até os gastos com conservação, manutenção ou reparos de imóveis ou equipamentos. Essas despesas poderiam ser descontadas do imposto de renda devido a cada trimestre ou ano, até o limite de 1%.

A advogada Fernanda Calazans conta que o projeto foi debatido recentemente no grupo tributário da Amcham Brasil (organização de relacionamento entre empresas do Brasil e dos Estados Unidos) e recebeu apoio amplo, com a ressalva de que o governo deve estabelecer quais as doações mais relevantes. "Entendemos a preocupação sobre a queda da arrecadação, mas estamos falando de empresas que estão, de certa forma, assumindo o papel do Estado", afirmou.

Assim como Moura, o deputado Roberto Pessoa (PSDB-CE) também propõe abater o imposto devido, mas em até 50% do total e limitado a R$ 1 milhão para pessoa jurídica. Já o deputado Eduardo Costa (PTB-PA) prevê a possibilidade de as doações serem descontadas da base de cálculo do imposto de renda e da contribuição social sobre lucro líquido, sobre a qual incidirão posteriormente os 34% de IRPJ/CSLL.

Para o diretor do Centro de Cidadania Fiscal, Bernard Appy, não faz sentido permitir abater as doações do imposto devido. Seria como se o governo fizesse a doação e as empresas ficassem com a propaganda gratuita. "Nesse caso é melhor recolher o imposto para o governo e ele fazer o gasto. Não faz sentido transferir a decisão de alocação toda para o setor privado. O governo abre mão da receita e a empresa ainda faz marketing", diz.

Mas Appy avalia que o modelo no qual se reduz a doação da base de cálculo, sobre a qual depois incidirá 34% de IRPJ e CSLL, faz algum sentido. Na prática, explica, seria como se o governo participasse com um terço da doação. "Assim o governo participa da doação, mas não faz tudo", afirma. Ele pondera, porém, que tal desenho seria mais eficiente se o governo coordenasse o processo.

Diretor-executivo da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), João Paulo Vergueiro vê o momento como ideal para atualizar a legislação de incentivos fiscais, "que é muito burocrática" e representa apenas 5% das doações no país, mas vai numa linha parecida com Appy. "Defendemos que o incentivo fiscal não seja de 100%. A empresa abate uma parte e o resto tem que ser doação de recurso próprio."

Uma das entidades que pediram, em ofício ao governo, mudança na legislação para permitir o abatimento é a Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca). Ela reúne gigantes de diferentes setores que estão fazendo doações, com amplo destaque em jornais, programas de TV e "lives", tudo registrado na página da entidade na internet.

Eduardo Lucano, presidente-executivo da Abrasca, diz que a entidade não propõe abatimento direto do imposto devido, mas desconto na base de cálculo.

Para o presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), Mauro Silva, é preciso evitar movimentos voluntaristas nesse momento. "Benefícios fiscais são ruins porque depois não se consegue retirar", disse. "É melhor que o Estado promova as ajudas e organize o processo", completou.

Já Charles Alcântara, presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), se mostra simpático às iniciativas que estimulem doações. "São bem vindas, ajudam, mas o que se espera da sociedade como um todo é que isso ocorra independentemente de iniciativa tributária. O espirito que encarna a doação é solidariedade", afirmou.