Correio braziliense, n. 20815 , 20/05/2020. Brasil, p.10
País supera marca de mil mortes diárias
Maria Eduarda Cardim
Bruna Lima
20/05/2020
No pior dia da pandemia, Brasil registrou 1.179 vidas perdidas e chegou a quase 18 mil óbitos. Pela primeira vez, país lidera lista de mortos em 24 horas pela covid-19. Segundo o Ministério da Saúde, 271.628 pessoas foram infectadas
O Brasil liderou pela primeira vez a lista dos países em que mais mortes foram identificadas em 24 horas em decorrência da doença causada pelo novo coronavírus. Segundo o Ministério da Saúde, mais 1.179 mortes por covid-19 foram confirmadas de segunda para terça, um novo recorde. O número superou os 933 óbitos pela doença identificados nos Estados Unidos no mesmo período, de acordo com o Centro de Controle de Doenças norte-americano (CDC, na sigla em inglês). Os Estados Unidos (90.340 óbitos) lideram a lista dos países com mais mortes, na qual o Brasil está em sexto lugar, com 17.971, atrás também de Reino Unido (35.341 óbitos), Itália (32.169 óbitos), França (28.022 óbitos) e Espanha (27.709 óbitos).
Em crescimento exponencial desde que registrou a primeira morte pelo novo coronavírus, há pouco mais de dois meses, o Brasil bateu, pela primeira, um acumulado de mais de mil vidas perdidas em 24 horas, chegando a 17.971 óbitos, com o incremento de 7% de um dia para o outro. O recorde dos números da doença dentro do país também pôde ser visto na confirmação de novos casos. Com mais 17.408 pessoas infectadas, o país registrou 271.628 casos confirmados.
A explosão no número de vidas perdidas era esperado, já que, mais cedo, ontem, São Paulo bateu recorde ao confirmar mais 324 mortes pela covid-19 nas últimas 24 horas. Com os números, o estado, que é o epicentro da doença no Brasil, ultrapassou a marca de 5 mil óbitos pela doença. Ao todo, são 5.147 vítimas. Em 219 municípios há registros de óbitos. A unidade federativa também é a que tem mais casos confirmados: são 65.995 registros em 479 municípios.
Rio de Janeiro também apresentou recorde e bateu as 3 mil mortes ontem. Além de São Paulo e Rio (3.079), outros quatro estados preocupam por já somarem mais de mil fatalidades cada. São eles Ceará (1.856), Amazonas (1.491), Pernambuco (1.741) e Pará (1.519). Juntas, as seis unidades federativas concentram 14.833 óbitos, ou seja, 82% de todas as mortes confirmadas no país. Todos os 26 estados do Brasil, mais o Distrito Federal, registram casos e mortes.
Previsão de pico
Esta promete ser a semana mais drástica para o Brasil desde o início da pandemia. Pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Marinha do Brasil e Universidade de Bordeaux, na França, estimam que o pico deve ocorrer nos próximos dias. De acordo com o modelo matemático elaborado pelos estudiosos, os registros devem começar a se estabilizar no fim de julho, quando alcançarem um patamar de 370 mil. Este número pode chegar a 1 milhão, se forem levados em consideração os casos não reportados. A projeção foi encomendada pelo jornal O Estado de São Paulo e tem por base o quadro atual de isolamento social, medidas de higiene e capacidade de testagem.
Infectologista do Laboratório Exame, David Urbaez explica que, pelo fato de o Brasil ter um desenvolvimento diferente em cada região e estado, é difícil fazer uma previsão certa de quando a doença atingirá de fato o pico no país. “Você só vai saber que você chegou ao pico quando você começar a registrar menos casos nos dias subsequentes. Por exemplo, quando você está registrando mil casos por dia e começa a ver 900, 700, 500. Você só saberá que atingiu o pico na hora que você começar a verificar a diminuição de casos e óbitos”, afirma. O especialista acredita que o volume de mortes e de casos confirmados continuará aumentando nas próximas semanas: “Creio que a gente está, ainda, em crescimento exponencial no Brasil todo.”
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Cinco milhões de casa em áreas carentes
Maíra Nunes
Renata Riosa
Marisa Wanzeller*
20/05/2020
Levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que mais de 5 milhões de domicílios estão localizados nos chamados aglomerados subnormais — caracterizados por um padrão urbanístico irregular, falta de serviços públicos essenciais e localização em áreas com ocupação irregular. São justamente as cidades com mais favelas que registram mais casos de infectados pelo novo coronavírus no Brasil; 64,93% das áreas carentes ficam a menos de 2 quilômetros de hospitais.
Entre os estados com maior proporção de domicílios em aglomerados está o Amazonas, com 34,59%. Também no Norte, Belém, capital do Pará, tem mais da metade das habitações em locais precários, 55,5%. Ainda na região, três em cada quatro moradores do município de Vitória do Jari, no Amapá, vivem nessa realidade.
Para Pedro Augusto Ponce, doutor em Ciências Políticas e professor da Estácio Brasília, “a disseminação da doença já chegou aos extratos mais pobres da população e começa a ficar evidente os problemas da desigualdade social”. O Norte do Brasil é a região com a maior incidência da covid-19 proporcionalmente à população, com 277,3 infectados por 100 mil habitantes. É também onde se registra a mortalidade mais alta, com média de 18,5 mortes por 100 mil.
A Rocinha, no Rio, é o maior aglomerado subnormal do país, com 25.742 domicílios. Em seguida, vêm a comunidade do Sol Nascente, no Distrito Federal, com 25.441 casas.
Conforme o levantamento, das 13.151 mil moradias, somente 827 (6,29%) estavam a mais de cinco quilômetros de unidades de saúde com suporte de observação e internação. O restante fica bem mais próximo de um hospital. Raimundo Vinicius de Sousa, primeiro-secretário da Associação de Moradores da Rocinha, afirma que apesar da existência de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) dentro da maior favela do Brasil, as condições de atendimento são precárias. “As pessoas estão se dirigindo até lá. Quando consta que elas estão doentes, ou é feita a transferência, ou os pacientes morrem lá”, afirma.
Secretária substituta da Secretaria de Atenção Primária à Saúde do Governo Federal, Daniela Ribeiro foi questionada, ontem, em coletiva de imprensa, sobre as ações realizadas pelo Ministério da Saúde voltadas a populações vulneráveis. “Para algumas dessas, estamos fazendo parceria também com o Ministério da Cidadania. Temos ações em curso e outras que já estão em processos e em vias de serem publicadas”, respondeu Daniela Ribeiro, sem especificar quais seriam as ações, os investimentos ou os territórios a serem atendidos.
* Estagiária sob a supervisão de Andreia Castro
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Lockdown intermitente até 2022
Bruna Lima
20/05/2020
É difícil imaginar que um inimigo invisível teria a capacidade de esvaziar ruas e encher milhões de cabeças de dúvidas e receio. De unir diferentes classes e setores em prol do bem-estar geral e, ao mesmo tempo, servir de argumento para suscitar ideologias políticas e dividir opiniões. Sem vacina ou tratamento, o novo coronavírus provoca uma onda de reações, agravadas pela capacidade de matar. Quase 18 mil brasileiros perderam as vidas em decorrência da doença, que não tem prazo para ir embora. O lockdown, medida de bloqueio total, já acontece em cidades do Rio de Janeiro, Pará, Tocantins, Amapá, Roraima e Paraná. A tendência, segundo estudiosos, é que vivamos um “efeito sanfona”, precisando equacionar a liberação e restrição de atividades pelos próximos anos.
No Rio, estado que confirmou 227 mortes pela doença no período de 24 horas, um recorde, a previsão é de adotar um lockdown intermitente durante dois anos. Em uma análise técnica-científica levantada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), os pesquisadores afirmam que é necessário endurecer o isolamento social para reduzir o ritmo de crescimento de infectados pela covid-19 e capacitar o sistema de saúde para dar conta da demanda. A não adoção de medidas imediatas pode levar a um período prolongado de escassez de leitos e insumos, “com sofrimento e morte para milhares de cidadãos e famílias do estado do Rio de Janeiro”, diz o documento.
Em São Paulo, epicentro da doença no Brasil, o Ministério Público estadual trabalha junto ao governo para avaliar a possibilidade de adoção do bloqueio total. Apesar de endurecer as medidas de isolamento e prorrogar os prazos de reabertura de serviços não essenciais, a medida não está prevista no horizonte próximo.
A técnica de lockdown intermitente leva em conta a incidência de casos, a capacidade do sistema de saúde em receber novos pacientes e a aderência da população às regras de higienização e distanciamento. O objetivo é controlar a disseminação, permitindo equilibrar o crescimento e conseguir assistir aos doentes, evitando mortes desnecessárias. Nesse sentido, as variações de cada região contam, mas a manutenção de intermitência é considerada a estratégia para os demais estados. “Teremos que nos preparar para várias reaberturas e talvez alguns retornos ao isolamento de forma a preservar o sistema de saúde e a vida das pessoas”, estima a presidente executiva do grupo Sabin, Lídia Abdalla.
Bioquímica de formação, Lídia, que lidera um dos principais players de medicina diagnóstica do país, reconhece o desafio contemporâneo e as mudanças irreversíveis que a pandemia encabeçou no campo das relações, dos negócios, da saúde, de vida. “Acredito que quando sairmos da pandemia, encontraremos um novo mundo.”