Valor econômico, v.20, n.4990, 29/04/2020. Brasil, p. A4

 

Crise leva à piora do financiamento das contas externas

Hugo Passarelli

29/04/2020

 

 

O déficit em conta corrente deve diminuir em 2020, puxado pela retração dos fluxos de capital daqui para fora, como remessas de lucros e dividendos e gastos de turistas brasileiros. Ainda assim, o "buraco" no balanço de pagamentos vai crescer porque as fontes de financiamento, como investimento estrangeiro e aplicações em renda fixa e variável, vão encolher mais do que a outra ponta das contas externas.

Levantamento de Livio Ribeiro, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) mostra que o déficit em conta corrente do país deverá cair de US$ 50,7 bilhões para US$ 30,5 bilhões de 2019 a 2020, enquanto as amortizações recuarão de US$ 71,2 bilhões para US$ 62 bilhões.

Na sexta-feira, o Banco Central (BC) informou que a conta corrente terminou março com superávit de US$ 868 milhões, o primeiro saldo positivo desde junho de 2017. "O déficit em conta corrente deve ser muito menor em 2020 porque a parte de rendas e serviços desaba. Mas teremos dificuldades de financiamento, com um buraco no balanço de pagamentos maior e de composição pior", diz Ribeiro.

Isso deve ocorrer porque as fontes de financiamento vão cair de US$ 95,8 bilhões para US$ 45 bilhões no fechado deste ano, segundo as estimativas de Ribeiro. Como resultado, os ativos de reserva, isto é, os recursos para financiar as contas externas, vão ampliar o déficit de US$ 26,1 bilhões para US$ 47,5 bilhões.

A análise do pesquisador considera o balanço de pagamentos global, e não apenas a relação entre conta corrente e investimento direto líquido (diferença entre ingresos e saídas). "Se houver saída de recursos de portfólio [renda fixa e variável], por exemplo, o investimento estrangeiro pode não ser suficiente para compensar o déficit em conta corrente."

O cenário de carência de financiamento externo é uma realidade hoje porque, com a crise global, os investidores recorrem à "fuga para a qualidade", quando eles buscam ativos financeiros considerados de menor risco. "Teremos saídas relevantes de capital de emergentes de maneira geral", afirma o pesquisador.

Quase todas as linhas de fontes de financiamento devem perder recursos em 2020. Há queda nas aplicações em portfólio (cujas saídas devem passar de US$ 11,2 bilhões para US$ 60 bilhões) e nas captações (de US$ 56,8 bilhões para US$ 47 bilhões), segundo as projeções de Ribeiro. O investimento direto líquido aumenta levemente, de US$ 56,5 bilhões para US$ 58 bilhões.

A balança comercial deve sofrer baque menor apesar das turbulências mundo afora e a esperada retração no comércio internacional, estima o pesquisador do Ibre/FGV. O superávit deverá ser de US$ 32 bilhões em 2020, próximo à estimativa anterior de Ribeiro, em torno de US$ 35 bilhões, e abaixo do resultado de 2019, quando foi positiva em quase US$ 47 bilhões. O economista projeta queda relevante da corrente de comércio, ou seja, recuo duplo de importações e exportações, o que ajuda a segurar o resultado comercial.

Há outros fatores que contribuem para limitar o impacto da crise no comércio exterior. As severas mudanças externas ainda não se refletiram nos preços e volumes das exportações. Isso acontece porque os contratos de exportação operam com certa defasagem e, logo, a dinâmica negativa do mundo leva algum tempo até aparecer na contabilidade comercial.

No primeiro trimestre, houve estabilização do saldo comercial, mas Ribeiro adverte que o dado foi beneficiado por uma base de comparação mais fraca e de uma pauta de exportação, sobretudo para a China, favorável.

O pesquisador também lembra que os dados parciais de abril já mostram intenso recuo na comparação diária, especialmente nas importações.

As projeções consideram um cenário-base em que o dólar vai encerrar o ano cotado a R$ 5. Ribeiro nota que, a despeito das questões internas do Brasil, a dinâmica externa foi dominante na direção da moeda americana durante boa parte de 2020. "A exceção a essa 'regra' ocorreu em fevereiro. E, durante abril, nossos contratempos domésticos passaram também a pesar na dinâmica cambial", afirma.

Em fevereiro, 88% da alta do dólar ante o real ocorreu por causa das turbulências domésticas, calcula o pesquisador. Em abril, a contribuição local foi mista. Na primeira quinzena, o cenário interno ajudou a segurar a depreciação cambial, movimento que se inverteu entre os dias 17 e 24 deste mês. No período, 30% da escalada do dólar foi puxada pelas incertezas em relação ao Brasil.

Desse mix de influências, o real é uma das moedas com pior desempenho entre seus pares de janeiro a abril de 2020, nota Ribeiro. Isso permanece ainda que as divisas de alguns países, como o peso mexicano, tenham mais recentemente passado por forte ajuste e se aproximado do comportamento do real.

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Exportações podem cair até 20% este ano, projeta Ipea

Gabriel Vasconcelos 

29/04/2020

 

 

A desaceleração do comércio global na pandemia de covid-19 vai levar a uma retração das exportações brasileiras entre 11% e 20% em 2020, puxada pela baixa demanda por petróleo, de acordo com estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) publicado ontem. A crise deve rebaixar as vendas do país para patamar inferior aos US$ 200 bilhões este ano. Em 2019, o Brasil exportou US$ 225,4 bilhões, segundo dados do Ministério da Economia.

As importações, por sua vez, devem sofrer uma queda de 20% neste ano, se limitando a cerca de US$ 140 bilhões, segundo o Ipea. Para chegar a estes números, os pesquisadores adaptaram para o Brasil previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Organização Mundial do Comércio (OMC) para Produto Interno Bruto (PIB) e importação dos países. As conclusões do Ipea partem de cenário entre a previsão mais otimista da OMC e a do FMI, ou seja, uma queda entre 2,5% e 3,0% do PIB mundial este ano.

Com relação a 2021, o instituto projeta recuperação nas duas vias do comércio brasileiro: exportações avançariam entre 10% e 15%, com teto de US$ 230 bilhões, enquanto importações poderiam avançar 20% em cima do montante rebaixado do ano de crise. Importados podem movimentar até US$ 164 bilhões em 2021 e, em qualquer cenário, ficariam abaixo do montante registrado em 2019, quando o Brasil importou US$ 177,3 bilhões.

O trabalho também projeta a evolução das exportações por grupos de produtos. Tomando como base o cenário projetado pelo FMI, os técnicos do Ipea estimam que as exportações de petróleo brasileiro terão queda de 39,8% em 2020 e recuperação de 11,7% no ano seguinte. Este desempenho está ligado à "forte queda prevista na demanda e à redução dos preços internacionais dos produtos".

Impactado por fenômeno semelhante, o minério de ferro também sofre, mas tem curva mais suave: queda nas exportações de 15% em 2020 e alta de 7,5% em 2021. Demais produtos semimanufaturados e manufaturados têm queda esperada em 2020 de 18,4% e 17,2%, respectivamente, com recuperação de 9,8% para ambos no ano que vem.

As exportações de agropecuários vão ser bem menos afetadas, segundo o Ipea. A soja seria pouco afetada pela crise, com queda de apenas 0,5% nas exportações em 2020 e avanço de 13% em 2021. O complexo carnes recuaria 5,5% em 2020, crescendo 11,5% em 2021, em linha com outros produtos básicos com média de -4,7% e +10,9% no biênio.

Segundo técnicos do Ipea, a razão está no desempenho mais favorável de grandes importadores de commodities agrícolas na crise, como China e outros países asiáticos, além da menor sensibilidade da demanda de alimentos a variações na renda das pessoas.

Atravessada a crise, os pesquisadores do Ipea apontam que a pauta exportadora do Brasil tende a ficar mais concentrada: o conjunto formado pelos complexos de soja, carnes, minério de ferro e petróleo, que representam 42,4% do total das exportações até o ano passado, passariam a responder por 46,2% da pauta, tomando como base a previsão do FMI.

Com relação ao preço das exportações brasileiras, os pesquisadores estimam redução média da ordem de 8,5% em 2020 e nova redução de 0,5% em 2021, o que implica em perda de cerca de US$ 20 bilhões no valor das vendas externas do país no biênio.

No estudo, os pesquisadores do Ipea lançam mão de dois modelos. O primeiro, econométrico, é chamado de "gravitacional", porque se baseia na ideia de que, assim como corpos físicos, a intensidade das trocas comerciais entre dois países é diretamente proporcional ao tamanho de sua economia (PIB), mas inversamente proporcional à distância - não só geográfica, mas cultural e institucional - entre eles.

O segundo modelo aplicado, menos sofisticado, parte da premissa de que a fatia de mercado do Brasil nas importações de cada país vai se manter constante no biênio 2020-2021. Considerada a variação estimada pelos organismos internacionais para a demanda de cada país, chega-se ao valor das exportações brasileiras para cada país comprador nos dois próximos anos. Essas duas metodologias levam a projeções diferentes. Mas, segundo os pesquisadores, têm o mérito de estabelecer limites mínimos e máximos para o comportamento do comércio exterior brasileiro em momento de incerteza sobre a amplitude e duração da crise econômica.