Valor econômico, v.20, n.4990, 29/04/2020. Brasil, p. A6

 

52% das famílias atrasarão contas nos próximos meses

Ana Conceição 

29/04/2020

 

 

Com a deterioração das finanças das famílias causada pela pandemia de covid-19, pouco mais da metade - 52% - dos consumidores prevê que não conseguirá pagar as contas ou poderá arcar com apenas parte delas nos próximos meses, segundo pesquisa feita pela Boa Vista SCPC entre 7 e 13 de abril.

De acordo com o levantamento, a maioria - 56% - só tem fôlego financeiro para até dois meses. Outros 24% dos entrevistados têm capacidade para segurar as contas por mais de três meses. E 20% não sabem dizer até quando conseguem pagar os boletos.

A pesquisa ouviu 600 pessoas de todas as regiões do país e apontou que 80% já fizeram uma revisão no orçamento doméstico a fim de reduzir despesas.

O fato de mais de 40% dos trabalhadores estarem no mercado informal pode explicar o alto percentual de pessoas que preveem um orçamento mais apertado nos próximos meses. "Eles são deixaram de ter renda suficiente para os gastos do dia a dia", diz Flavio Calife, economista da Boa Vista. Isso apesar do auxílio emergencial concedido pelo governo, de R$ 600 a R$ 1.200, dependendo do caso.

Desde que obrigou os governos a adotar medidas de isolamento social, a pandemia tem provocado desemprego e queda de renda, aumentando a dificuldade das famílias para manter as contas em dia. Não por acaso, o pessimismo do consumidor medida por diferentes instituições tem registrado níveis históricos. O índice calculado pela Fundação Getulio Vargas (FGV) caiu 22 pontos em abril, para 58,2, menor nível desde 2005.

O principal compromisso financeiro dos consumidores são as compras parceladas, como cartão de crédito, carnê de loja e cheques pré-datados. Segundo a pesquisa, 49% têm esse tipo de dívida. Em seguida, com 27%, estão financiamentos, como crédito para veículo, imóvel, crédito pessoal ou consignado.

Num futuro próximo, 59% dos entrevistados acreditam que vão precisar de novos empréstimos para pagar as contas. Entre aqueles que não conseguirão manter as os pagamentos em dia, 83% vão precisar de crédito. E, se o atual cenário se prolongar, 34% dos que esperam manter as contas em dia precisarão recorrer a empréstimos, diz a pesquisa.

A principal modalidade citada pelos que preveem a necessidade de tomar crédito foi o empréstimo pessoal em bancos (21%), seguida do cartão de crédito (14%) e do empréstimo consignado (12%). Empréstimo cedidos por familiares e amigos foi mencionado por 16%.

A situação pode agravar o endividamento e o comprometimento de renda das famílias, que já vinha crescendo mesmo antes da pandemia.

De acordo com dados do Banco Central, o endividamento aumentou para o equivalente 45,5% da renda em fevereiro, dado mais recente disponível, ante 43,1% no mesmo período do ano passado. E cerca de 20% da renda era comprometida com o pagamento de dívidas, 0,6 ponto acima do índice de fevereiro de 2019.

Mas, ao menos em março, o efeito da pandemia foi de retração nas concessões de crédito para as famílias. Elas caíram 11,4% na comparação com fevereiro, considerando o dado com ajuste sazonal, de acordo com o BC. A autoridade monetária informou que houve redução nas concessões de crédito para compra de carro e menor uso do cartão de crédito à vista porque as pessoas podem estar adiando a compra de bens por causa da incerteza causada pela pandemia.

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Novas revisões apontam queda de 5% no PIB em 2020

Arícia Martins

Lucas Hirata

Marta Watanabe

29/04/2020

 

 

Em mais uma rodada de revisões, realizada após a divulgação de alguns indicadores econômicos, uma série de instituições financeiras passou a esperar uma retração mais acentuada no Produto Interno Bruto (PIB) neste ano. As estimativas giram em torno de uma retração de 5%. Cenários pessimistas apontam que o tombo pode chegar a 10%, caso as medidas de isolamento social se estendem por vários meses.

O Morgan Stanley revisou a queda do PIB de 2020 de 3,7% para 5,1%. A projeção para 2021 passou de crescimento de 1,7% para apenas 1%. As projeções ficaram mais pessimistas devido aos indicadores econômicos já disponíveis e à perspectiva de que as medidas de quarentena para conter o avanço da pandemia de covid-19 terão duração maior.

"O Brasil enfrenta uma crise sem precedentes, assim como o resto do mundo, mas sua falta de espaço fiscal o colocou em uma posição ainda mais desafiadora", apontam os economistas Arthur Carvalho e Thiago Machado, em relatório do banco. O país não conseguirá fazer um pacote fiscal proporcional ao tamanho do choque negativo sofrido na economia, afirmam.

O próximo ano também deve ser de crescimento econômico fraco, comprometido pela profundidade da recessão deste ano e pela turbulência política. "Esperamos que o ruído político continue elevado no Brasil nos próximos meses, o que levará a menos clareza e menos demanda doméstica", dizem eles. Segundo os economistas, o principal risco de baixa nas projeções atuais do banco não vem do coronavírus, mas da política.

O Bradesco projeta contração de 1% do no primeiro trimestre e não descarta uma baixa de quase dois dígitos no segundo trimestre do ano, na série com ajuste sazonal. Com essa trajetória em mente, o banco estima que o PIB encolherá 4% em 2020. Antes a expectativa era de queda de 1%. Para 2021 o banco espera expansão de 3,5%.

"A julgar pelos dados já conhecidos de vendas de automóveis, gastos de cartões de crédito e sondagens de confiança, a indústria e o setor de serviços devem ter quedas de cerca de 20% em abril, enquanto o comércio e o setor imobiliário, recuos da ordem de 15%", explicam os analistas do Bradesco. Por ora, a expectativa no banco é que as quarentenas comecem a ser flexibilizadas nos Estados na segunda quinzena de maio. "A curva de contaminação no Brasil, em nossas simulações, segue um padrão intermediário entre os "melhores" e os "piores" casos observados no mundo até o momento, o que gera essa perspectiva de reabertura gradual em algumas semanas", dizem.

Já o UBS projeta queda de 5,5% no PIB, de uma estimativa anterior de recuo de 2% e diz que em um cenário mais pessimista a retração pode chegar a 10,1%.

Os economistas Tony Volpon e Fabio Ramos traçam três cenários para os efeitos da pandemia, conforme a duração das medidas de isolamento social e a retomada das atividades. No primeiro cenário as restrições de distanciamento social permanecem em vigor até meados de maio, com atividades voltando ao normal em grande parte até o final de junho. No cenário dois as restrições começam a ser retiradas até o final de junho, com normalização até o fim de agosto. No cenário três a pandemia de coronavírus não é efetivamente controlada até meados de 2021 e, portanto, as restrições são apenas parcialmente removidas. Com base nessas premissas, a retração da economia para 2020 seria de 5,5% no cenário um, de 7,2% no cenário dois e de 10,1% no cenário três.

A agência de classificação de risco Moody's também revisou o PIB brasileiro ontem e agora espera queda de 5,2%, de uma previsão de recuo de 1,6% feita no fim de março. E os riscos para as previsões, aqui e no mundo, são de baixa. "Existem riscos negativos significativos, caso a pandemia não seja contida e bloqueios tenham que ser restabelecidos", diz a agência em nota. Uma dinâmica de perenidade da doença também poderia ocorrer, resultando em destruição em larga escala de empresas e de setores inteiros, bem como em uma taxa de desemprego estruturalmente alta, com uma perda permanente de capital humano, consumo e investimento.