Correio braziliense, n. 20818 , 22/05/2020. Política, p.4

 

STF limita MP que abona culpa de agente público

Renato Souza

22/05/2020

 

 

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votou por restringir o alcance da Medida Provisória 966, que livrava agentes públicos de punição por erros nas ações de combate à pandemia do novo coronavírus. Pelo texto do governo, poderiam ficar a salvo de processos civis e administrativos as autoridades que cometessem falhas em que não estivesse evidente a culpa grave, com elevado grau de negligência.

A MP anistiava tanto agentes públicos que atuam nas ações econômicas, quanto nas políticas sociais voltadas ao enfrentamento da proliferação da covid-19. Mas o Supremo entendeu que atitudes que possam levar à violação do direito à vida, à saúde e que são anticientíficas, sem embasamento técnico, devem, sim, ser punidas.

O julgamento ainda está em andamento, e os ministros podem mudar os votos. Na prática, a MP 966 tornaria restritas as punições de agentes públicos, mesmo que o erro estivesse evidente e pudesse levar à perda de vidas. O próprio presidente Jair Bolsonaro tem ignorado recomendações de entidades de saúde, médicos e cientistas ao adotar protocolos e procedimentos sem respaldo de estudos e especialistas.

O Ministério da Saúde autorizou o uso de medicamentos à base de cloroquina e hidroxicloroquina, mesmo em pacientes com sintomas leves da covid-19. As substâncias fazem parte de estudos em andamento, mas as pesquisas têm revelado a ineficácia de ambas no combate ao novo coronavírus.

O relator das sete ações levadas a julgamento, ministro Luís Roberto Barroso, e outros três integrantes da corte se pronunciaram no sentido de que são “erros grosseiros” –– que podem ser punidos –– medidas que contrariem critérios científicos e técnicos estabelecidos por organizações e entidades médicas e sanitárias reconhecidas, nacional e internacionalmente, ou que não observem os princípios constitucionais da precaução e da prevenção. Ou seja, nada que não seja comprovadamente seguro pode ser legitimamente feito.

“O erro grosseiro é o negacionismo científico voluntarista. Temos diversos órgãos que afirmam o que é eficiente e aquilo que não é eficiente”, disse o ministro Luiz Fux, que acompanhou o voto de Barroso. “Como a medicina não conhece essa doença, nessa área, como guardião da Constituição, garantidor do direito fundamental da saúde, da preservação da vida, todo cuidado é pouco”, acrescentou.

Os ministros Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia abriram uma nova corrente no julgamento, ao defender a suspensão de trechos da MP.

Frase

“O erro grosseiro é o negacionismo científico voluntarista. Temos diversos órgãos que afirmam o que é eficiente e aquilo que não é eficiente”

Trecho do voto do ministro Luiz Fux