Correio braziliense, n. 20818 , 22/05/2020. Brasil, p.7

 

Saúde se militariza e dá vaga a radicais

22/05/2020

 

 

No time dos escolhidos pelo general Eduardo Pazuello para reforçarem a equipe do Ministério da Saúde, quase não há médicos e alguns estão envolvidos em polêmicas. Em comum, manifestações pelas redes sociais contrárias ao isolamento social, a favor do uso da cloroquina e com duras críticas a políticos e autoridades que questionam o governo Bolsonaro.

Dos poucos civis trazidos para o time de Pazuello, chama a atenção Zoser Plata Bondim Hardman de Araújo, que assumiu o cargo de assessor especial do ministro interno. Entre os clientes do advogado estão ex-militares e ex-políticos envolvidos e condenados por integrar e chefiar milícias no Rio de Janeiro. Inclusive, foi ele quem fez a defesa do tenente Daniel Benitez, condenado por assassinar a juíza Patrícia Acioli, com 21 tiros, na porta de casa, em Niterói (RJ). Ela ficou conhecida pela forte atuação no combate às milícias do Rio.

Na época do assassinato da magistrada, o hoje senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) fez o seguinte comentário numa rede social: “Que Deus tenha essa juíza, mas a forma absurda e gratuita com que ela humilhava policiais nas sessões contribuiu para ter muitos inimigos”.

Nomeado para coordenar as finanças do Fundo Nacional de Saúde, o militar Giovani Camarão, não apenas contesta as medidas de restrição de circulação, como chegou a postar um descumprimento da medida. Numa foto datada do último 3 de abril, ele aparece comemorando um aniversário e reunido com outras 16 pessoas. Um internauta chegou a alertar sobre a conduta: “Olha a aglomeração”, escreveu. Camarão apagou a postagem e bloqueou o Instagram horas depois.

Notícias falsas

Já o futuro diretor do Departamento de Monitoramento e Avaliação do SUS, Angelo Martins Denicoli, é defensor ferrenho do uso da cloroquina e chegou a disseminar uma fake news, em 8 de abril, dizendo que “O CEO da Novartis anunciou que já tem em mãos os resultados de pesquisas que comprovam que a hidroxicloroquina mata o vírus”. A publicação, que veio depois de os Estados Unidos emitirem uma autorização do uso do medicamento de maneira emergencial, foi retirada de circulação.

Na última segunda-feira, um dia antes de ser nomeado, Denicoli também postou um conteúdo informando que Donald Trump admitiu fazer o uso da hidroxicloroquina, com o objetivo de se prevenir contra o vírus. Agora, o presidente americano informou que suspenderá a auto-medicação. O militar também vincula discurso extremista às suas postagens e é constantemente marcado em publicações que atacam políticos e autoridades, sugerindo reações antidemocráticas, como a defesa do AI-5.

Nas páginas pessoais do novo assessor técnico da Subsecretaria de Planejamento e Orçamento, Mario Luiz Ricette Costa, o tom dos comentários é de oposição ao isolamento social e defesa da abertura da economia, contrariando as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Os conteúdos recentemente replicados não têm caráter ofensivo, mas problematizam o agravamento das crises financeiras em famílias mais vulneráveis, principal argumento usado por aqueles que questionam as restrições.

Após a oficialização dos nomes e a repercussão das posições que defendem, vários militares decidiram excluir publicações e restringir o acesso às páginas, já que começaram a virar canais de ataques pessoais de internautas. O Correio solicitou um posicionamento do Ministério da Saúde a respeito da conduta dos novos integrantes da pasta, que se justificou afirmando que “todas as nomeações são conferidas antes de sua publicação. Não há infrações relacionadas à sua atividade profissional ou pessoal”.

A colocação de militares na Saúde foi priorizada pelo presidente Jair Bolsonaro após a saída de Luiz Henrique Mandetta do Ministério. Desde então, nada menos que 20 militares foram nomeados para atuar na linha de frente da pasta. Essa militarização é interpretada por técnicos da pasta como uma demonstração clara das intenções de Bolsonaro impor suas interpretações a respeito da pandemia, cujo número de mortos passou ontem dos 20 mil.

O ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, fez questão de explicar a preferência por militares, ontem, em reunião com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). Conforme justificou, a equipe da Saúde conta com um “apoio temporário” do Ministério da Defesa, e terá que substituir os militares nomeados ao longo dos 90 dias.

“(O Ministério da Saúde) Tem uma equipe, para deixar claro, que tem o apoio do Ministério da Defesa, um apoio temporário, que em princípio será só 90 dias. São militares da ativa, são pessoas preparadas para lidar com esse tipo de crise. Neste momento, precisamos desse tipo de preparo para somar as especialidades médicas”, saiu-se Pazuello.