Valor econômico, v.20, n.4990, 29/04/2020. Política, p. A8

 

STF tenta impedir influência de Bolsonaro em investigações na Corte

Luísa Martins

29/04/2020

 

 

Auxiliares de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) avaliam haver formas de impedir que o ministro a ser indicado em novembro pelo presidente Jair Bolsonaro herde o inquérito que apura a sua tentativa de interferir indevidamente em investigações da Polícia Federal (PF).

O relator do caso é o ministro Celso de Mello, que se aposenta em 1º de novembro ao completar 75 anos, abrindo uma nova vaga no tribunal. Foi ele quem autorizou, anteontem, a abertura do inquérito contra Bolsonaro, após as declarações feitas pelo ex-juiz Sergio Moro ao demitir-se do Ministério da Justiça.

O decano deu 60 dias para o cumprimento de diligências no inquérito - como a tomada de depoimento de Moro - e pediu parecer à Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre a apreensão de aparelhos celulares cujos conteúdos possam auxiliar no processo.

Como o prazo para as investigações pode ser prorrogado e a PGR não tem uma data limite para decidir se arquiva o caso ou oferece denúncia ao Supremo, há chances de que, em novembro, o inquérito ainda esteja em curso.

Em geral, o novo ministro herda o acervo de seu antecessor na cadeira, mas o STF tem previsões regimentais e precedentes de experiências anteriores para que isso não aconteça.

Uma das hipóteses é a de que o ministro Luiz Fux, que assume em setembro a presidência da Corte, considere que o caso é muito urgente para ficar sem um relator, já que, a depender do contexto político, o período entre a indicação e a posse pode se alongar. Sendo assim, ele poderia determinar a realização de um novo sorteio.

Nesse cenário, a única condição seria a de que o inquérito permanecesse sob a relatoria de um ministro da Segunda Turma, hoje composta por Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Edson Fachin, além do próprio decano.

Com a saída de Celso de Mello, fica aberta a possibilidade de um ministro da Primeira Turma pedir para migrar para a Segunda antes que o "novato" seja nomeado. O ministro Dias Toffoli - hoje presidente do tribunal e, a partir de setembro, integrante da Primeira Turma - tende a fazer esse movimento. Dessa forma, ele também poderia ser sorteado.

Essa foi a lógica da redistribuição da relatoria da Operação Lava-Jato após a morte do ministro Teori Zavascki, em 2017. Na época, a situação era semelhante - alvo de investigações, o presidente Michel Temer indicaria o ministro que herdaria seus processos.

Porém, antes mesmo de isso acontecer, Fachin pediu para mudar de colegiado e acabou sendo o sorteado, encerrando um movimento costurado nos bastidores do Supremo para preservar a condução da Lava-Jato. Depois, Temer indicou o ministro Alexandre de Moraes para ocupar a cadeira.

Se nada disso ocorrer e o indicado de fato ficar com o acervo do ministro Celso, ele ainda pode se declarar suspeito para atuar no processo de Bolsonaro, mas isso não costuma ser hábito entre os membros da Corte. Toffoli, por exemplo, participou normalmente de julgamentos envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ainda que o petista tenha sido o responsável pela sua nomeação.

"A suspeição, se não for declarada pelo ministro por livre iniciativa, poderá ser arguida junto ao Supremo em até cinco dias após a distribuição. É difícil que isso não aconteça, diante da polarização do país", afirma a advogada constitucionalista Vera Chemim, mestre em direito público administrativo.

Admitida a arguição, o presidente do STF ouve o ministro em questão, colhe o depoimento das testemunhas indicadas e, depois, submete o caso à avaliação do plenário em sessão secreta, conforme prevê o regimento. Se a decisão for pela suspeição, todos os seus atos no processo serão anulados e é feito um novo sorteio.