Valor econômico, v.20, n.4990, 29/04/2020. Especial, p. A12

 

Empresários apoiam Guedes, mas pedem mudança de rumos

Gabriel Vasconcelos

André Guilherme Vieira

Marcos de Moura e Souza

Marina Falcão

29/04/2020

 

 

O ministro da Economia Paulo Guedes deu uma sinalização forte para o mundo empresarial ontem, em uma teleconferência organizada pelo presidente da Federação da Indústria do Rio de Janeiro, Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, que vai abrir um espaço adicional de R$ 4 bilhões no orçamento deste ano nos investimentos em infraestrutura.

Guedes afirmou aos empresários que há espaço nas contas nacionais para um repasse neste valor ao Ministério da Infraestrutura para investimentos em obras públicas. O valor seria adicionado ao orçamento da pasta este ano, elevando sua capacidade de investimentos em infraestrutura para R$ 12 bilhões. Segundo Guedes, o montante seria complementado por aportes da iniciativa privada via concessões.

Além de Guedes, participaram do o próprio presidente Bolsonaro e outros três ministros: o titular da Casa Civil, Walter Braga Netto, da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, e de Minas e Energia, Bento Albuquerque. Em nenhum momento teria sido mencionado o plano Pró-Brasil, apresentado na semana passada por Braga Netto.

Sob condição de anonimato, dois grandes empresários - um representante da indústria, em São Paulo, e outro do setor de serviços em Minas Gerais - convergiram no mesmo diagnóstico: não veem enfraquecimento do presidente Jair Bolsonaro depois do início da pandemia de coronavírus e da demissão do ministro da Justiça, Sergio Moro, mas sentem ser necessário uma correção de rumos na economia para garantir tranquilidade no "front" político.

Neste sentido, consideram crucial que Guedes permaneça à frente do Ministério da Economia, mas com ajustes na estratégia, até agora marcada por grande fiscalismo e relutância em atuar de forma mais proativa na atividade econômica.

Uma das demandas é que se adote medidas para tornar efetiva a disponibilidade de capital de giro para pequenas empresas. "Está faltando jogar dinheiro, algumas empresas têm caixa para uma semana. Paulo Guedes tinha que abrir a torneira", comentou o representante do setor industrial.

Na opinião deste empresário paulista, "Guedes tem razão em não querer soltar as rédeas e isso é ótimo, mas uma coisa é largar as rédeas e a outra é só dar uma folga a elas".

Integrantes do Diálogo Pelo Brasil, grupo integrado pelos maiores 50 grupos empresariais do país, avaliam que o esforço deve ser concentrado em um arranjo entre órgãos de governo e controle, para superar entraves burocráticos e permitir que o governo libere recursos de modo a permitir que a iniciativa privada faça fluir investimentos.

O empresário mineiro relata que escuta de eleitores de Bolsonaro em conversas privadas um sentimento de decepção com o comportamento e declarações do presidente e que a permanência de Paulo Guedes no governo é um fator de esperança. Enquanto Bolsonaro se apresenta como porta-voz incansável de controvérsias, Guedes é encarado como uma fonte de racionalidade no governo, alguém que tem uma agenda clara para reduzir o peso do Estado na economia, para melhorar as contas públicas, simplificar impostos, dar mais liberdade de ação à iniciativa privada e melhorar o ambiente de negócios no país.

A aposta era que essa agenda liberal começasse a produzir frutos este ano e que em 2022 a economia estaria crescendo de forma vigorosa. Mas a pandemia acabou com essa esperança. Depois da forte retração esperada para este ano, a expectativa que parece hoje mais realista é que a retomada econômica seja percebida mais claramente apenas no último ano de mandato do Bolsonaro.

Na avaliação do empresário mineiro ouvido pelo Valor, a equipe econômica comandada por Guedes terá de adaptar sua cartilha. Ou seja, abrir mais as torneiras para ativar a economia e reforçar as políticas que ajudem as famílias mais pobres a manterem algum poder de compra.

Para que o governo não perca o que lhe resta de credibilidade junto a empresários e investidores, o único que poderia fazer esta guinada de rumo seria o próprio Paulo Guedes.

O risco de limitar a ação estatal neste momento, sob o argumento de que não se pode deteriorar ainda mais as contas públicas, é o de expor no curto prazo milhões brasileiros a terem uma vida pior do que tinham antes da pandemia, diz o empresário de Minas.

Para ele, se esse fantasma for afastado, Jair Bolsonaro chegará a 2022 como um nome forte nas urnas. Uma das razões é o fato de não haver no horizonte adversários a altura, acredita o mineiro.

O que pode ser outro fantasma para Bolsonaro - o avanço de um dos pedidos de impeachment que estão na gaveta do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) - é algo que está fora de cogitação pelos empresários, avalia a fonte do Valor. A menos que surja algo muito contundente, concreto e comprometedor que envolva Bolsonaro, ninguém está fazendo cálculos que levem em conta um processo de afastamento.

De forma aberta, um simpatizante do governo do presidente Jair Bolsonaro, o empresário Sebastião Bomfim, fundador da varejista Centauro, também disse que a permanência do ministro Paulo Guedes no governo "é de fundamental importância" para a economia do país.

Para Bomfim, Paulo Guedes representou "finalmente" um ministro liberal na economia. "A gente como empresário tem que estar pensando em formas de como retomar as atividades, dentro, naturalmente do que as autoridades definirem", afirmou o empresário.

Para Bomfim, o governo acertou ao iniciar o pacote de medidas para reduzir os impactos da crise causada pela pandemia com foco nos mais pobres, com destaque para o "coronavoucher" e o auxílio-emergencial para folha de pagamento das pequenas empresas. No entanto, o governo está "muito lento" nas ações para ajudar empresas maiores, segundo o empresário. "Se não tiver algumas medidas, seja através do BNDES ou bancos estatais, de linhas que gerem liquidez vamos ter grandes problemas no varejo e na indústria", afirmou.

Bonfim deve ser recebido hoje em Brasília por Bolsonaro, junto com outros empresários próximos ao Planalto, como Luciano Hang e Flávio Rocha. (Colaborou Fabio Murakawa, de Brasília)