Valor econômico, v.20, n.4989, 28/04/2020. Política, p. A6

 

STF pode barrar Ramagem no comando da PF

Isadora Peron

Luísa Martins

28/04/2020

 

 

Precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) apontam que há risco de a Corte barrar a nomeação, anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro, de Alexandre Ramagem para comandar a Polícia Federal (PF). O assunto é tratado com cautela por ministros ouvidos pelo Valor, mas nos bastidores do tribunal casos semelhantes são citados como exemplo.

Diferentes partidos já anunciaram que tanto a indicação de Ramagem quanto a de Jorge Oliveira, se ele for efetivado como ministro da Justiça e da Segurança Pública, serão questionadas no STF. O argumento é que há "desvio de finalidade", uma vez que o ex-ministro Sergio Moro deixou o governo acusando o presidente Jair Bolsonaro de trocar o comando da PF para poder interferir em investigações.

Até hoje, decisões que barraram nomes indicados pelo presidente da vez foram monocráticas, isto é, tomadas apenas por um ministro, sem que o caso fosse analisado pelo plenário. A mais estrondosa aconteceu em março de 2016, quando Gilmar Mendes cassou a nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para comandar a Casa Ci- vil do governo Dilma Rousseff.

Em janeiro de 2018, foi a vez da ministra Cármen Lúcia impedir a então deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), filha do ex-deputado Roberto Jefferson, de tomar posse como ministra do Trabalho após indicação de Michel Temer.

Um ano antes, no entanto, o decano Celso de Mello havia negado pedido para anular a nomeação de Moreira Franco para o cargo de ministro da Secretaria-Geral da Presidência. Quando o caso foi a julgamento no plenário, em 2019, o governo Temer já havia acabado, mas alguns ministros se manifestaram sobre o tema, defendendo que o presidente tem prerrogativa para indicar quem quiser, desde que preencha os requisitos previstos em lei. Se manifestaram nesse sentido, por exemplo, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber.

Ontem, questionado se seria possível o STF suspender a nomeação de Ramagem, o ministro Luís Roberto Barroso lembrou que "existem precedentes" na Corte, mas apontou que nenhum caso chegou a ser discutido no plenário e que, por isso, não poderia ser manifestar. "Se eu os acho bons ou maus [os precedentes], eu não posso te dizer agora, porque nenhum deles chegou a plenário", disse Barroso, em entrevista à Rádio Gaúcha.

O ministro Marco Aurélio Mello também não quis se posicionar, mas disse esperar que o caso não chegue ao plenário. "Já temos muito trabalho. Que o Supremo não fique nessa vitrine", afirmou ao Valor.

Para ele, porém, "o governo perdeu dois grandes quadros", Moro e Maurício Valeixo. "Que a substituição seja institucional, seja à altura, atendendo-se à expectativa da sofrida sociedade, considerada a crise sanitária, a econômica financeira, alfim a social, e a nefasta falta de temperança e de entendimento."

Ramagem é o atual diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e é próximo do vereador do Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho do presidente. Segundo fontes, o fato de o inquérito das "fake news" ter chegado ao chamado "gabinete do ódio" foi o motivo para Bolsonaro demitir Valeixo.

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Bolsonaro cobra de Moro apresentação de provas

Matheus Schuch

Luísa Martins

Isadora Peron

28/04/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem que o ex-ministro da Justiça Sergio Moro terá de apresentar provas sobre as acusações que fez, como a de que ele queria ter informações privilegiadas da Polícia Federal. O presidente afirmou ainda que o inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) poderá ajudar a esclarecer o caso.

Até o fechamento desta edição, o decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, ainda não havia despachado, mas a expectativa é que ele atenda o pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, para investigar as declarações feitas por Moro.

"O que acontece, o ministro [Moro] que saiu fez acusações e ele é bom que ele comprove, até para minha biografia. Agora, o processo no Supremo é o contrário, é ele quem tem que comprovar aquilo que ele falou ao meu respeito", disse Bolsonaro.

O presidente disse esperar que o STF analise o caso para esclarecer os fatos: "É uma acusação grave que foi feita a meu respeito, seria bom o Supremo decidir isso o mais rapidamente possível. E o ministro pode apresentar as provas, se ele tiver, obviamente".

Mais cedo, o presidente já havia postado uma espécie de "vacina" nas redes sociais sobre as acusações de Moro. Segundo ele a Polícia Federal "faz parte do Sistema Brasileiro de Inteligência, que alimenta com informações o Presidente da República para tomada de decisões estratégicas". "Uma coisa é pedir informações sobre inquéritos sigilosos em curso [o que nunca houve] e outra coisa ter acesso a conhecimento de inteligência produzido nos termos da Lei [o que sempre me foi dificultado]", disse.

Na sexta-feira, após pedir demissão do cargo, Moro apresentou à TV Globo uma troca de mensagens com o presidente como prova de que ele queria demitir Maurício Valeixo do cargo de diretor-geral para interferir em investigações.

Em uma delas, Bolsonaro envia o link de uma nota que diz que Polícia Federal está "na cola" de deputados bolsonaristas. Bolsonaro, então, escreveu: "Mais um motivo para a troca", referindo-se ao comando da PF.

Ontem, questionado sobre o tema, Bolsonaro reclamou da CPMI das Fake News, aberta no Congresso, e disse que o objetivo da comissão é desgastar ele e os filhos: "Gabinete do ódio, quem é o idiota que acredita?", rebateu.

Segundo fontes, a decisão de Bolsonaro de demitir Valeixo aconteceu porque as investigações do inquérito das "fake news", comandado por Moraes, chegou ao "gabinete do ódio", que seria coordenado pelo vereador Carlos Bolsonaro para atacar desafetos políticos da família.

No pedido que enviou ao STF, Aras disse que é preciso apurar a eventual ocorrência dos crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra - indicando que tanto Bolsonaro quanto Moro deveriam o investigados.

Como providência inicial, Aras pediu que Moro seja ouvido para detalhar os fatos narrados publicamente, exibindo "documentação idônea que eventualmente possua acerca dos eventos em questão".

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Escolha não deve ser pessoal nem familiar, diz Doria

Cristiane Agostine

Malu Delgado

28/04/2020

 

 

Em um novo ataque ao presidente Jair Bolsonaro, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), afirmou ontem que a Polícia Federal "deve ser respeitada" e é uma instituição "nacional", "não pessoal nem familiar". Com a demissão do ex-ministro da Justiça Sergio Moro na sexta-feira, Doria criticou a tentativa de Bolsonaro de indicar um amigo da família para comandar a PF e ter controle sobre investigações.

"O presidente deve interagir com o povo, não com o chefe da Polícia Federal", afirmou Doria, em entrevista à imprensa, na sede do governo paulista. "O Brasil rejeitou a república dos companheiros e rejeita a república dos amigos", disse, em citação às investigações da PF no período dos governos do PT e agora, sob Bolsonaro.

Doria reforçou que a interferência na atuação da Polícia Federal "é crime". "Não podemos ser condescendentes nem com companheiros nem com amigos", afirmou.

Bolsonaro tem a intenção de indicar o delegado Alexandre Ramagem para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal. Ramagem, atualmente diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), é próximo da família Bolsonaro e amigo do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), um dos filhos do presidente e alvo de investigações da PF.

A nova polêmica do governo Bolsonaro, com a tentativa de ingerência política do presidente na Polícia Federal, acontece em meio à pandemia da covid-19, com o crescimento de casos no país. Ontem, o país registrou 66.501 casos da doença e 4. 543 mortes. São Paulo concentra o maior número de contaminados (21.696, um terço do total do país) e lidera o número de óbitos (1.825 mortes, 40% do Brasil).

Ontem, na entrevista à imprensa convocada para falar sobre as ações de combate à covid-19, Doria voltou a defender a manutenção da quarentena até 10 de maio e disse que não haverá "exceção" por conta do dia das mães, no dia 9. "Não há exceção. Não houve para a Páscoa, não haverá para dia das mães", disse. "Até 10 de maio temos uma quarentena obrigatória, exceto para comércio essencial." Doria lembrou que o dia das mães foi criado por seu pai, o publicitário e ex-deputado federal João Agripino Doria, em 1949, mas afirmou que não recuará das medidas de distanciamento social.

Ao lado do governador, o prefeito da capital, Bruno Covas (PSDB), disse que não há "nenhuma chance" de todos os comércios e serviços voltarem a funcionar na cidade antes do dia 10 e incentivou a população a denunciar os comércios abertos irregularmente durante o período em vigor das regras de distanciamento social. "A gente continua com quarentena. Se perceber comércio não essencial aberto, denuncie no 156. Temos 2 mil fiscais", afirmou Covas. "Não há nenhuma possibilidade de reabertura de comércio por conta do feriado."

O secretário estadual da Saúde, José Henrique Germann, afirmou que o Estado, hoje, com o isolamento social, ainda consegue atender as pessoas que precisam de tratamento intensivo. "Nós temos leitos. Elas estarão bem atendidas", disse. Germann ressaltou, no entanto, que a epidemia ainda deve durar pelo menos cinco meses. "Foi o que aconteceu nos outros países. Aqui [o novo coronavírus] tem comportamento parecido", disse. "Temos que nos resignar para poder viver".

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Especialista mapeiam possíveis ilícitos cometidos 

Cristian Klein

28/04/2020

 

 

Especialistas consultados pelo Valor afirmam que as acusações de Sergio Moro, ao se demitir do Ministério da Justiça, configuram pelo menos dois crimes cometidos pelo presidente Jair Bolsonaro. Ex-ministro da Justiça durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o jurista e advogado criminalista José Carlos Dias entende que o relato de Moro, caso acompanhado de provas, mostra que Bolsonaro teria incorrido em falsidade ideológica e crime de responsabilidade.

O primeiro pode embasar eventual cassação de mandato por crime comum, com julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e o segundo é condição jurídica para a abertura de um processo de impeachment, pela Câmara dos Deputados, com julgamento pelo Senado.

A primeira via tornou-se mais factível desde sexta-feira, quando a fala de Moro levou o procurador-geral da República, Augusto Aras, a pedir investigação ao STF. Para Dias, o pedido "joga para os dois lados", pois também atenta para a possibilidade de o ex-ministro ser enquadrado no crime de denunciação caluniosa, caso não comprove a suposta interferência política que Bolsonaro buscou fazer na Polícia Federal, órgão sob o guarda-chuva do Ministério da Justiça. Moro contou ter recebido de Bolsonaro pressões para trocar superintendentes regionais, receber relatórios de processos sigilosos e exonerar o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, o que representou a gota d'água para a sua saída da pasta.

Dias diz que, se ficar demonstrado que o presidente teve interesse em influir em inquéritos da PF que dizem respeito ao seu entorno político e familiar, isso configuraria crime de responsabilidade, previsto na Lei 1.079, de 1950, na qual são baseados pedidos de impeachment. Há dois inquéritos da PF que preocupam Bolsonaro: o que investiga a divulgação de "fake news" pelo denominado "gabinete do ódio", supostamente comandado pelo vereador do Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos); e o que apura quem organizou e financiou as manifestações antidemocráticas pelo país, no dia 19 deste mês. Bolsonaro chegou a participar pessoalmente do ato realizado em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília, onde seus apoiadores pediram o fechamento do Congresso e do STF.

A forma como o diretor-geral da PF foi exonerado também remete a outro crime que pode ser imputado a Bolsonaro, o de falsidade ideológica, diz José Carlos Dias. Isso porque Moro afirmou que não assinou a documento de exoneração de Valeixo, embora tenha constado sua assinatura digital no "Diário Oficial da União" (DOU).

"Bolsonaro já cometeu crimes mais de uma vez e não tem condições de governar. Sua popularidade caiu, vide os panelaços. Está muito desmoralizado. A solução ideal seria a recomendada por Fernando Henrique, que fizesse como Jânio [Quadros] e renunciasse", diz o ex-ministro da Justiça.

Para o advogado em direito público e eleitoral Flávio Henrique Costa Pereira, também há indícios de que Bolsonaro tenham cometido o crime de falsidade ideológica. Moro afirmou ainda, em sua saída do ministério, que a exoneração de Valeixo não foi "a pedido", ou seja, por vontade própria, como publicado no DOU, mas por determinação de Bolsonaro. Pereira, que subscreveu o pedido de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff - cujos autores foram Janaína Paschoal, Miguel Reale Jr e Hélio Bicudo - em 2015, considera que, se provado, também há evidência de corrupção passiva.

Em sua opinião, o crime decorre da pressão de Bolsonaro para influir na investigação que envolve seu entorno. "Nesse contexto, vejo corrupção passiva. Porque eu peço que se faça um ato de ofício, que é a troca do Valeixo, para me beneficiar. Quero informação para influenciar nas ações da Polícia Federal, no meu benefício e no dos meus filhos", diz.

O advogado descarta outros supostos crimes comuns que têm sido associados à fala de Moro, como obstrução de Justiça, prevaricação ou tráfico de influência. Mas considera que há crime de responsabilidade na pressão de Bolsonaro para trocar o diretor-geral da PF, de acordo com a Lei 1.079, cujo artigo nono, inciso sete, afirma que há violação contra a probidade na administração, para quem "proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo".

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MPF quer abrir inquérito contra presidente

Murillo Camarotto

28/04/2020

 

 

O Ministério Público Federal (MPF) quer investigar se o presidente Jair Bolsonaro agiu contra a Constituição ao ter determinado ao Exército a flexibilização do rastreamento, identificação e marcação de armas e munições. No dia 17, o presidente anunciou em suas redes sociais a revogação de três portarias, editadas em março, que regulamentavam os procedimentos de controle. De acordo com ele, as determinações previstas não se adequavam "às suas diretrizes".

Na segunda-feira, 20 de abril, a procuradora regional da República, Raquel Branquinho, encaminhou uma representação solicitando a instauração de um inquérito pois, a seu ver, as medidas ordenadas por Bolsonaro poderiam favorecer ações do crime organizado. Branquinho atua no grupo de trabalho da Lava-Jato na Procuradoria-Geral da República (PGR).

"É fato público e notório que a ausência de condições de controle, rastreabilidade e identificação de armas e munições, importadas sob a finalidade de atividades esportivas e de colecionador, dentre outras finalidades, em determinadas situações, escondem verdadeiras organizações criminosas", disse ela na representação.

A procuradora argumenta que, embora a disciplina normativa regulamentadora sobre o tema seja mesmo do presidente da República, compete ao Comando Logístico do Exército a fiscalização de produtos controlados, como armas e munições.

Segundo Branquinho, a cidade do Rio de Janeiro, berço político do presidente, "é a face mais visível dessa ausência de efetivo controle no ingresso de armamento no país". A representação será analisada pelo procurador-chefe da Procuradoria da República no Distrito Federal (PR-DF), Claudio Drewes Siqueira. Ele decidirá se abre um inquérito ou se arquiva o pedido, revelado pelo jornal "O Estado de S. Paulo".

"Ao impedir a edição de normas compatíveis ao ordenamento constitucional e que são necessárias para o exercício da atividade desempenhada pelo Comando do Exército, o presidente da República viola a Constituição Federal", afirmou a procuradora. O Palácio do Planalto não havia se manifestado sobre a representação do MP até o fechamento desta edição.