O Estado de São Paulo, n.46208, 22/04/2020. Política, p.A4

 

Supremo abre inquérito sobre ato antidemocrático

Rafael Moraes Moura

22/04/2020

 

 

Apuração mira organizadores e financiadores dos protestos que ocorreram domingo com a participação de Bolsonaro; Moraes deve compartilhar provas com ação das fake news

Sorteio. Alexandre de Moraes é relator das investigações sobre fake news e manifestações

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), atendeu ao pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, e decidiu abrir um inquérito para apurar “fatos em tese delituosos” envolvendo a organização de atos antidemocráticos. No domingo, o presidente Jair Bolsonaro participou de protesto em Brasília marcado por faixas e palavras de ordem contra o Congresso e o STF e a favor de “uma intervenção militar”. Bolsonaro, no entanto, não é alvo do inquérito sigiloso, que investiga a autoria e o financiamento das manifestações.

Segundo o Estado apurou, Aras mencionou indícios de que a organização dos atos em todo o País contou com a atuação de dois deputados federais, que entraram agora na mira do inquérito – os nomes não foram divulgados. O envolvimento de parlamentares com prerrogativa de foro foi um argumento usado para acionar o STF.

Para Moraes, é imprescindível a verificação da existência de grupos e esquemas de financiamento de manifestações “contra a democracia e a divulgação em massa de mensagens atentatórias ao regime republicano, bem como as suas formas de gerenciamento, liderança, organização e propagação que visam lesar ou expor a perigo de lesão os direitos fundamentais, a independência dos poderes instituídos e o Estado Democrático de Direito”.

O ministro também já autorizou diligências para colher provas. Na última segunda-feira, o ministro Gilmar Mendes defendeu a quebra do sigilo telefônico e bancário de pessoas que participaram das manifestações contra a democracia.

A nova apuração deve dar fôlego ao inquérito das fake news, que também investiga ataques contra instituições democráticas e está sob a relatoria de Moraes. Aberto por determinação do presidente da Corte, Dias Toffoli, o inquérito das fake news investiga ameaças, ofensas e falsas notícias espalhadas contra integrantes do Supremo e seus familiares. De acordo com Toffoli, os ataques ao tribunal despencaram 80% após o início da apuração.

Prevista para ser concluída em junho, a investigação das fake news deverá ser prorrogada mais uma vez, segundo o Estado apurou. A ideia é que as provas colhidas nesse inquérito subsidiem a análise sobre a organização dos protestos de domingo e vice-versa. De acordo com um integrante da Corte, a investigação sobre os atos contra a democracia “já terá meio caminho andado”.

Como Moraes quer examinar o financiamento das manifestações de domingo, é provável que empresários bolsonaristas – que já está entraram no radar do inquérito das fake news – também virem alvo da nova apuração, avaliam fontes que acompanham os trabalhos.

“Vai ser bonito de se ver os patrocinadores de atos que pregam a ruptura da democracia atrás das grades. Já dou uma ideia ao MPF (Ministério Público Federal): uma ação civil pública bilionária exigindo reparação de dano moral coletivo, com pedido cautelar de indisponibilidade de bens”, escreveu o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas em seu perfil no Twitter.

Ao atender ao pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) e determinar a abertura da investigação, Moraes considerou “gravíssima” a realização de protestos com mensagens contra o Congresso Nacional e o STF. Para o ministro, a Constituição “não permite o financiamento e a propagação de ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático, nem tampouco a realização de manifestações visando ao rompimento do Estado de Direito”.

O pedido de Aras foi sorteado entre dez ministros do STF – Toffoli ficou de fora por não receber esse tipo de caso enquanto comanda o tribunal. O algoritmo do Supremo deixou a nova investigação com Moraes. “Como diria Maradona: a mão de Deus”, resumiu um ministro.