Valor econômico, v.20, n.4987, 24/04/2020. Brasil, p. A4

 

Vírus devasta mercado de trabalho, diz Ibre

Arícia Martins

Anai's Fernandes

24/04/2020

 

 

A crise provocada pela pandemia do novo coronavírus deixará uma herança negativa mesmo após a doença ter sido controlada, sobretudo no mercado de trabalho. Segundo o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), a taxa de desemprego, a massa salarial e a massa total de renda terão em 2020 o pior desempenho de suas séries históricas, mesmo com as medidas do governo para amenizar a perda de vagas e salários.

Na edição de abril do Boletim Macro, antecipado ao Valor, o Ibre estima que, sem as políticas governamentais, a massa de rendimentos ampliada cairia 10,3% no ano. Incluindo as transferências de auxílio emergencial para informais, os benefícios do Bolsa Família e compensação de parte da renda para trabalhadores formais que entrarem na Medida Provisória 936, a redução será de 5,2% - queda mais forte da série elaborada pela entidade, iniciada em 2003.

Nessa conta, além da renda do trabalho, são considerados benefícios previdenciários e de assistência social. Já a massa de renda real dos ocupados deve encolher 14,4% em 2020, com recuo de 6,6% da população ocupada e de 8,6% do rendimento médio efetivo. Assim, calcula o pesquisador Daniel Duque, a massa de renda do trabalho terminará o ano 3,2% abaixo do nível do começo da série do IBGE, em 2012.

Já a taxa de desemprego do país, medida pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, deve alcançar 17,8% na média anual, vindo de 11,9% em 2019. Este também seria o pico da série retropolada do Ibre para a Pnad, que tem dados desde 1981.

Coordenadora técnica do Boletim Macro, Silvia Matos afirma que as medidas do governo são mais efetivas para sustentar a renda do que a ocupação. Isso porque, diferentemente da crise financeira de 2008 e 2009, o choque atual atingirá em cheio o setor de serviços, que concentra 70% da mão de obra e 60% dos trabalhadores informais. "Esta crise é muito diferente e, potencialmente, pode gerar mais destruição de empregos", disse Silvia, que participou ontem da "Live do Valor " com o tema Conjuntura em tempos de pandemia. Na transmissão, Silvia falou dos impactos da covid-19 já detectados sobre a economia brasileira e sobre os que estão por vir.

O coronavírus atinge o Brasil num momento em que o mercado de trabalho já estava mais frágil, observou ela. O contingente de trabalhadores informais e conta própria com CNPJ subiu, em média, 3% ao ano de 2017 a 2019, destacou, bem acima do ritmo do PIB e do setor formal. "Era um setor que podia ofertar trabalho, a despeito da fraqueza da economia. Agora, a crise bate diretamente nesses segmentos e por isso é difícil que o governo consiga preservar mais empregos."

Por isso, comentou a pesquisadora, as políticas governamentais para atenuar a redução da renda são importantes, já que manter o nível de ocupação é mais complicado. "Provavelmente, não vamos salvar tantos empregos formais [quanto seria possível]", afirmou.

Isso porque, em sua visão, dificuldades para normalizar o processo de implementação das medidas e para garantir segurança jurídica a empresas e trabalhadores fizeram com que o governo "perdesse um pouco de tempo".

De acordo com Duque, os dados de março já começaram a refletir os efeitos econômicos da pandemia. Em seus cálculos, os desempregados representaram 12,7% da força de trabalho no primeiro trimestre, percentual que foi de 11,6% nos três meses terminados em fevereiro. Já o rendimento médio real efetivo ainda deve ter alta de janeiro a março, de 1% ante igual período de 2019, mas terminará 2020 em nível 8,6% menor do que o do ano passado, aponta o pesquisador.

"O cenário é de grande perda de empregos e renda. A composição das perdas também dificilmente será homogênea, e será dependente das políticas públicas adotadas", diz Duque. No mercado formal, ele destaca o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, que possibilita a suspensão do contrato ou redução dos salários, com compensação parcial do governo pelo seguro-desemprego.

O governo, menciona o economista, prevê que 70% dos ocupados no setor privado estarão sob esse acordo nos próximos meses, o que corresponde a cerca de 25 dos 35 milhões de empregados nesta categoria. "No entanto, até 15 de abril, apenas 1,7 milhão de trabalhadores estavam sob esse novo regime, colocando em dúvida a escala efetiva que tal política terá", pondera Duque.

No mercado informal, o custo de manutenção das atividades é menor em relação ao setor formal, mas, enquanto a circulação de pessoas estiver restrita, grande parte dos empregos será afetada, comentou ele, ainda que esses postos de trabalho possam ser recuperados após a crise.

Para Silvia, é possível pensar em início de normalização do mercado de trabalho brasileiro em 2021, mas esse processo não vai mudar o elevado nível de informalidade na economia. "Infelizmente, em 2021 acho que a gente volta para um patamar nesse sentido, com informalidade ainda mais alta do que quando começou a crise."

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Sudeste, Norte e Nordeste devem liderar queda do PIB neste ano

Bruno Villas Bôas 

Arícia Martins

24/04/2020

 

 

Com a abrupta paralisação da atividade desde meados de março devido ao novo coronavírus, o Produto Interno Bruto (PIB) deve recuar em todos os Estados brasileiros em 2020, especialmente no Sudeste e no Nordeste, segundo cálculos da consultoria Tendências. Já a 4E Consultoria projeta que a região Centro-Oeste escape de um PIB negativo em 2020, graças ao desempenho do agronegócio.

No cenário da Tendências, o PIB deve recuar 4,1% neste ano na média nacional. Já a 4E trabalha com redução de 2,3% da economia brasileira em 2020.

Região mais rica do país, o Sudeste deve ver o PIB encolher 4,3% no ano, afetado por setores considerados pró-cíclicos, como o automotivo e o de metalurgia, além da atividade de mineração, calcula a Tendências. O PIB de São Paulo deve ter um dos piores desempenhos do país no ano, com contração de 5,1%.

O economista Lucas Assis explica que, além de serviços e comércio, setores industriais sensíveis à dinâmica econômica devem mostrar retração no Estado. A consultoria cita paralisação de montadoras como Ford, GM, Honda e Volkswagen, além da interrupção de plantas industriais de máquinas e equipamentos da JCB e da John Deere.

Também no Sudeste, as economias de Minas Gerais e do Espírito Santo devem recuar 4,8% e 4,3% neste ano, respectivamente. Os fracos desempenhos são explicados, em parte, pela menor produção de minério de ferro nos Sistemas Sudeste e Sul da Vale, além da redução das operações da metalurgia em fábricas da Gerdau, Usiminas e Arcelor.

Apesar do grande peso da atividade de serviços na economia fluminense, a Tendências acredita que o PIB do Estado do Rio de Janeiro terá, possivelmente, uma queda relativamente amena em 2020, de 2,3%. Por trás do resultado estaria o avanço da produção de petróleo e gás natural.

"A redução das cotações do petróleo está impactando a oferta doméstica, mas o Estado deve contar com o 'ramp-up' das plataformas inauguradas na Bacia de Campos, incluindo a P-68, e a entrada em operação de duas novas plataformas neste ano", diz Assis, admitindo, porém, que o desempenho do PIB do Rio tem viés de revisão para baixo.

Já Luca Klein, analista da 4E, espera que a economia do Sudeste caia 2,2% este ano. "A região representa 60% do PIB nacional. Por isso deve ter desempenho parecido à média", observa Klein. São Paulo concentra o maior número de casos de covid-19 (16,7 mil, mais de um terço do total do país), mas ao mesmo tempo serviços que continuam ativos, como os financeiros, de comunicação e informação, têm participação relevante na economia paulista, o que ajuda a amenizar a queda do PIB estadual, explica ele.

No entanto, a reação distinta de cada governo para conter o avanço da pandemia deve acentuar as disparidades no desempenho econômico de cada região, avalia Klein.

Camila Saito e Lucas Assis, da Tendências, lembram que todas as unidades da federação decretaram estado de calamidade pública, adotando medidas semelhantes de isolamento social. Em geral, serviços de saúde, supermercados, farmácias e postos de combustíveis ficaram abertos.

Na área industrial, as medidas de restrições adotadas foram diferentes entre os Estados. A maioria não limitou a atuação das fábricas, enquanto Minas Gerais, Piauí, Santa Catarina e Sergipe reduziram o pleno funcionamento. Ceará e Goiás paralisaram os segmentos industriais considerados de "necessidades não imediatas".

"Apesar de a maioria dos Estados não ter uma restrição oficial, por parte do governo estadual, diversas fábricas decidiram espontaneamente interromper sua produção parcial ou integralmente, especialmente nos setores de veículos, máquinas e equipamentos, metalurgia, bebidas e vestuário", acrescenta Assis.

Para a Tendências, o Nordeste deve ter o maior recuo do país, com queda de 4,6% do PIB em 2020. A consultoria lembra que a região é dependente do investimento público e da transferência de renda governamental, além de ser impactada pela produção industrial nos setores de transporte e de metalurgia.

Maiores economias nordestinas, Bahia (queda de 4,8%) e Pernambuco (contração de 4,7%) serão destaques negativos no período. Os Estados sofreram com a paralisação no segmento de transporte, como na fábrica da Ford na Bahia e na da Fiat em Pernambuco.

"A região tem elevado grau de informalidade no emprego e seus Estados devem sofrer fortemente os efeitos das paralisações no comércio e serviços, que ocupam mão de obra de menor qualificação. Por outro lado, a região deve ser a principal beneficiada pelo auxílio emergencial do governo", explica Assis.

Já para Klein, da 4E, a retração econômica em 2020 será mais expressiva no Norte (-4,1%) do que no Nordeste (-3,4%). Isso porque a indústria de transformação, fortemente atingida pela crise, representa 26% do PIB do Amazonas, maior economia da região. Na média do país, esse peso é de 12,4%.

Para a Tendências, nas demais regiões do país, a queda do PIB deve ser menos intensa do que o previsto para a média nacional: Norte (-3,8%), Sul (-3,7%) e Centro-Oeste (-3,1%). Neste último caso, a consultoria espera que o crescimento de 5% do PIB agropecuário compense parte das perdas da paralisação parcial de cadeias produtivas e da demanda das famílias, afetadas pelos receios do coronavírus.

Já Klein, da 4E, prevê que o PIB do Centro-Oeste terá expansão de 0,6% na média anual, impulsionado por avanço de 8,3% da parte agropecuária. "A região tem dinâmica diferente das demais, porque a parte agrícola vai puxar o setor industrial e o de serviços", avalia ele.

Na região Sul, a economia deve diminuir 3,7% no ano pelas estimativas da Tendências Consultoria, ou 2,8% nos cálculos da 4E Consultores.