O Estado de São Paulo, n.46208, 22/04/2020. Metrópole, p.A10

 

Índios enfrentam fantasma do vírus

Felipe Resk

22/04/2020

 

 

Casos de covid-19 têm aumentado nas aldeias e líderes relatam invasões, falta de equipamentos de proteção e até risco de passar fome

Advertência. Alerta para não indígenas não entrarem nas terras nem sempre é respeitado

A disseminação acelerada do novo coronavírus tem provocado temor em aldeias do Brasil. Boletins epidemiológicos da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão vinculado ao Ministério da Saúde, indicam aumento de 68,7% de diagnósticos confirmados da covid-19 entre índios, o que preocupa infectologistas e desafia estratégias de prevenção dos governos.

O número de infecções em indígenas, grupo considerado mais vulnerável à doença, aumentou de 16 para 27 casos desde a última segunda-feira. Oficialmente, o País também registrou três mortes – duas em Manaus e outra em Roraima.

De acordo com o Censo IBGE 2010, existem ao menos 305 etnias e 896,9 mil indígenas no Brasil. O Estado procurou tribos das cinco regiões do País, com realidades distintas, para abordar medidas preventivas e os efeitos da pandemia nas aldeias. Em comum, os povos relataram que tentam seguir o isolamento social. Mesmo aqueles que vivem em contexto urbano.

“Se um vírus desse entra na comunidade, é o extermínio de um povo”, afirma Sonia Ara Mirim, líder Guarani e moradora da Terra Indígena Jaraguá, na cidade de São Paulo. A aldeia tem sobrevivido à base de cestas básicas doadas para se manter longe de aglomerações.

Desde 17 de março, portaria da Fundação Nacional do Índio (Funai) proíbe não índios de entrar nas aldeias. Pelo Brasil, caciques e lideranças mandaram fechar acessos e espalharam faixas de alerta. Os povos, no entanto, relatam dificuldades diversas: desde escassez de equipamentos de proteção, falta de testes e ausência de rede hospitalar, ao risco de passar fome por desabastecimento.

Boletins da Sesai apontam que os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) Alto Solimões e Manaus, na região amazônica, são responsáveis por 22 dos 27 casos de covid-19 – ou 81,5% dos diagnósticos entre indígenas. Com histórico de invasão de garimpeiros, essas áreas abrigam aldeias isoladas, cujo acesso só é possível por aeronaves ou embarcações.

O Instituto Socioambiental desenvolveu um índice para medir o grau de exposição de tribos ao coronavírus. Nas dez primeiras posições de mais risco, cinco ficam na região Norte, quatro em São Paulo e uma no Rio Grande do Sul. Coordenador do Programa de Monitoramento do ISA, Antonio Oviedo avalia que, em geral, o sistema de saúde em terras indígenas não está à altura da pandemia – para alguns povoados, o socorro a hospitais pode demorar dias só no deslocamento.

“Existem municípios que não dispõem de leito hospitalar e respirador, mas lá têm duas ou três terras indígenas com 5 mil, 6 mil habitantes”, diz. “Esses dados mostram o quão vulnerável e em risco essas populações estão no território nacional.”

Os Guarani Kaiowá da comunidade Laranjeira Nhanderu, em Rio Brilhante (MS), enfrentam, além da violência de invasores, o perigo do coronavírus. “Os rezadores têm rezado todas as noites, invocando os espíritos de proteção”, relata a liderança Clara Almeida, que reclama de falta de equipamentos de proteção e de orientação por parte de equipes da Sesai.

Em março, a Sesai elaborou plano de contingência para o vírus em povos indígenas, com três níveis de resposta: “alerta”, “perigo iminente” e “emergência em saúde pública”.

Por nota, o Ministério da Saúde diz orientar tribos, gestores e colaboradores desde janeiro. Cada Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) elaborou um plano de ação específico à realidade do local, diz a pasta.

A Funai afirma ter distribuído 4,2 mil cestas básicas para tribos em situação de vulnerabilidade em várias regiões.