Valor econômico, v.20, n.4987, 24/04/2020. Política, p. A6

 

Bolsonaro tenta mudar direção da PF e Moro ameaça pedir demissão

Isadora Peron

Fabio Murakawa 

Andrea Jubé 

Raphael Di Cunto

André Guilherme Vieira

24/04/2020

 

 

Após ameaçar pedir demissão, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, conseguiu adiar a nova tentativa do presidente Jair Bolsonaro de exonerar o delegado Maurício Valeixo da diretoria-geral da Polícia Federal (PF). Por ora, ambos permanecem no cargo. Hoje, segundo interlocutores do ministro, o ponto central do embate entre Moro e Bolsonaro não é mais garantir a permanência de Valeixo no cargo, mas sim escolher quem vai substituí-lo.

O nome preferido do ex-juiz da Operação Lava-Jato é o delegado Fabiano Bordignon, atual diretor do Departamento Penitenciário (Depen), mas o presidente analisa outras opções.

Ontem, aos ser avisado por Bolsonaro que o atual diretor-geral da PF seria demitido, Moro deu um ultimato ao presidente e disse que não se sentiria "confortável" em permanecer cargo se isso acontecesse.

No encontro, que ocorreu pela manhã no Palácio do Planalto, Moro afirmou que isso poderia interferir na "autonomia" da instituição e que teria que pedir demissão caso o presidente realmente levasse adiante essa decisão. Procurada, a assessoria da pasta afirmou que não iria confirmar o pedido de demissão.

Após o episódio vir à tona, ministros palacianos conseguiram convencer o presidente a manter Valeixo na função. Ao menos três generais ligaram para Moro, que também recebeu diversas mensagens de WhatsApp de parlamentares bolsonaristas.

A principal preocupação de Moro é que o Bolsonaro nomeie um delegado de perfil político, e não técnico, para assumir o comando da PF, o que poderia aprofundar o esvaziamento de estruturas de controle e combate à corrupção iniciadas no governo Bolsonaro e que até então tinham sido robustecidas em decorrência de resultados obtidos com a Lava-Jato.

O preferido por Bolsonaro para assumir a PF é o delegado Anderson Torres, secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, que tem o apoio do governador Ibaneis Rocha e do MDB. Torres também é amigo do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e do ex-deputado Alberto Fraga, um dos conselheiros mais próximos do presidente.

Anteontem, Ibaneis e o presidente conversaram sobre a troca de comando em reunião ocorrida no Planalto. Torres participou do fim da conversa. Moro só soube do encontro depois, por intermédio de um assessor.

Em janeiro, Torres havia articulado uma reunião com secretários de Segurança Pública de todo o país sem a presença de Moro. Na mesma época, veio a público a intenção de Bolsonaro de desmembrar o Ministério da Justiça para recriar a pasta da Segurança Pública. Torres era cotado para o comando da PF, e o nome de Fraga circulou como possível ministro da Segurança Pública. Com a repercussão negativa, a articulação foi engavetada.

Outro nome cotado é o do atual diretor da Agência Brasileira de Informação (Abin), Alexandre Ramagem. Ele conta com o apoio do vereador carioca Carlos Bolsonaro e a simpatia do ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno.

A briga pelo controle do comando da PF começou no ano passado, quando Bolsonaro ameaçou interferir pela primeira vez na independência da corporação, ao tentar emplacar um nome de sua confiança na Superintendência do Rio.

Ontem, durante uma videoconferência com superintendentes regionais, Valeixo afirmou não era "apegado ao cargo" e que não iria defender com "unhas e dentes" a sua permanência no comando da corporação apenas por "vaidade".

Segundo uma fonte, Valeixo avisou em janeiro a Moro que gostaria de deixar o cargo devido aos sucessivos embates com o presidente.

O deputado federal Ubiratan Sanderson (PSL-RS), que é policial federal licenciado, afirmou ao Valor que conversou com Valeixo, e que recebeu a informação de que tanto ele como Moro permaneceriam no cargo.

Sanderson não quis dar detalhes da conversa, mas fez o relatos ao demais deputados federais do PSL ligados a Bolsonaro, que passaram, então, a divulgar nas redes sociais que a imprensa errou sobre a possível saída do ministro. "Falei com o Valeixo, diretor-geral da PF. Muita boataria. Moro e Valeixo ficam", disse o deputado à reportagem.

Uma possível saída de Moro do governo fez com que aliados do presidente se mobilizassem nas redes sociais. A deputada Carla Zambelli (PSL-SP) chegou a fazer um pedido, no Twitter, para que Moro ficasse na pasta. No fim do dia, escreveu que "a mídia" estava "pregando uma peça mais uma vez" e que Moro não iria sair do governo. "Parabéns, imprensa. Vocês sempre conseguindo gerar uma crise após a outra", disse.

Após o pico da crise passar, fontes do Planalto avaliaram que Bolsonaro operou neste caso do mesmo modo que costuma agir: lançando um balão de ensaio para ver a repercussão e tomar uma decisão. Moro, por sua vez, também agiu da maneira usual: usou a mídia para marcar posição e medir forças com o presidente.

Segundo uma fonte do governo, porém, o vazamento de que Moro estava demissionário irritou Bolsonaro a tal ponto que ele não estava disposto a pacificar o assunto. Mais uma vez, entraram em cena os ministros palacianos para fazer o papel de bombeiro e dissuadir o presidente de realizar a troca do comando da PF agora.

O plano dessa ala do governo é achar um nome de consenso entre Moro e Bolsonaro para acalmar a situação. (Colaborou Marcelo Ribeiro)