Valor econômico, v.20, n.4987, 24/04/2020. Finanças, p. C1
Risco de saída de Moro pesa sobre mercados
Marcelo Osakabe
Lucas Hirata
Victor Rezende
24/04/2020
A possibilidade de queda do ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, azedou, de vez, o humor do investidor no pregão de ontem. A ameaça de maior instabilidade política, combinada com preocupações sobre a dinâmica fiscal do país, se traduziu em um dia de queda na bolsa e de alta dos juros futuros e do dólar, que renovou a máxima histórica.
O Ibovespa fechou em baixa de 1,26%, aos 79.673 pontos, enquanto a moeda americana subiu 2,21%, a R$ 5,5285. Até as taxas de juros futuros de curto prazo, que vinham caindo dia após dia, sofreram com a tensão e fecharam em alta. Já os mais longos - bastante sensíveis a questões estruturais - dispararam. A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2021 saiu de 2,69% para 2,81%, enquanto a do DI para janeiro de 2025 saiu de 5,96% para 6,39%.
Pelo segundo dia, a moeda brasileira teve o pior desempenho entre as 33 divisas mais líquidas do planeta. Já o spread do contrato de 5 anos do Credit Default Swap (CDS) brasileiro, uma medida de risco-país, subiu a 330 pontos, patamar não visto desde 6 de abril.
Segundo apurou o Valor, Moro teria informado ao presidente Jair Bolsonaro que não se sentiria "confortável" em permanecer no cargo caso o diretor da Polícia Federal, Maurício Valeixo, fosse retirado do cargo. A ameaça levou a ala militar do plano a iniciar uma ofensiva sobre o presidente para dissuadi-lo da iniciativa.
Para a economista-chefe da ARX Investimentos, Solange Srour, caso confirmada a saída de Moro, Bolsonaro tende a perder mais popularidade, algo já esperado por causa da queda da economia. Com isso, o risco é que ele abra mão, de vez, da agenda de reformas e recorra a medidas mais populistas. "Assim, aumenta o risco de termos um afrouxamento fiscal como aquele que ocorreu no governo Dilma", diz. "Sem Moro, Bolsonaro perderá seu maior trunfo: o distintivo da honestidade e da luta contra a corrupção. Não é um sinal bom principalmente quando começa a distribuir cargos ao Centrão", explica Solange, acrescentando que o movimento parece ser o de alguém que quer demonstrar quem é que manda no governo, como já fez com outros ministros.
O desgaste de uma demissão guarda relação, em geral, com quem é nomeado para substituir o demissionário, explica um profissional que preferiu não ser identificado. A questão é que, ainda que existam pessoas gabaritadas para assumir a função de ministro, "Moro tem um simbolismo muito grande, não tem como substituir", diz.
O avanço do dólar ocorreu apesar de o Banco Central ter colocado o equivalente a US$ 1,5 bilhão por meio de três leilões de swap cambial - um deles, inclusive, depois do fechamento dos mercados à vista, o que ajudou a amenizar a pressão nos contratos futuros. Além da polêmica envolvendo o ex-juiz, símbolo da Operação Lava Jato, o dólar continuou se ajustando à expectativa de reduções adicionais da Selic este ano, atualmente em 3,75%, o que comprime o diferencial de juros com o exterior e, consequentemente, a atratividade da moeda brasileira.
"Até semana passada, a maioria do mercado acreditava em uma queda de algo como 0,50 ponto da Selic e só. Mas declarações recentes do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, foram interpretadas de forma mais 'dovish' [favorável a estímulos]. Isso fez a curva de juros precificar uma Selic perto de 2,5% no fim do ano", diz Carlos Pedroso, economista sênior do banco MUFG no Brasil.
Segundo participantes de um evento fechado promovido ontem pelo Morgan Stanley, Campos voltou a indicar que a Selic deve cair em breve. Apesar do salto do dólar, ele também manteve o discurso de que o câmbio tem se comportado em linha com os pares emergentes e que o BC atua em casos de disfuncionalidade do mercado. Ele reiterou que não vê necessidade de vender reservas para diminuir a dívida.
Outro fator de atenção dos investidores foi os desenvolvimentos do plano de investimento em infraestrutura, que recebeu o nome de Pró-Brasil e que é encabeçado pela ala militar do governo, mas não conta com a simpatia da área econômica.
"Temos há muito dito que o maior gasto fiscal neste ano terá impacto limitado sobre o preço dos ativos enquanto as âncoras de médio e longo prazo forem preservadas. Dessa forma, ainda que não pelo tamanho [R$ 30 bilhões, ou 0,5% o PIB], mas pelas consequências legislativas que pode trazer, o plano embute um risco de enfraquecer o teto de gastos", alertam economistas do Citi em relatório.
A preocupação começa a se mostrar no mercado de juros, diz Cássio Andrade Xavier, gestor de renda fixa da Sicredi Asset. "A curva coloca uma queda muito forte da parte curta e, quando isso acontece, o miolo e a ponta longa começam a ganhar mais prêmio de risco. A questão é que estamos vendo alta significativa nesses trechos, o que indica um ambiente de maior desconfiança com o fiscal no momento", diz.
Já Marcelo Giufrida, gestor da Garde, argumenta que, pelo tamanho diminuto do que foi anunciado até agora, o plano parece mais um reempacotamento do que já existe. "Se somar tudo, não vai ser nada drástico. Além disso, existe um aspecto marqueteiro dele, de tirar o foco das brigas do Executivo e outras polêmicas", minimiza.