Valor econômico, v.20, n.4988, 27/04/2020. Política, p. A8

 

Bolsonaro escolhe amigos para justiça e PF

Andrea Jubé

Fabio Murakawa

27/04/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro decidiu nomear o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, para suceder ao ex-juiz da Lava-Jato Sergio Moro no Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Com essa decisão, Bolsonaro contrariou recomendação do núcleo militar do governo.

O atual secretário de Assuntos Estratégicos, vice-almirante Flávio Augusto Viana Rocha, deverá assumir a vaga de Oliveira na pasta, tornando-se o quarto militar a ocupar um ministério no Palácio do Planalto.

O novo diretor-geral da Polícia Federal - vinculada ao MJ - será mesmo o atual chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem. Ligado ao vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), Ramagem responderá a Oliveira.

As nomeações ainda aguardam publicação no "Diário Oficial da União" (DOU), mas ontem eram confirmadas por assessores palacianos. A maioria da equipe de Moro colocou os cargos à disposição, como o secretário-executivo Luiz Pontel de Souza.

Pontel foi sondado para permanecer na equipe de Oliveira, mas recusou, assegurando que contribuirá para uma transição republicana e transparente. Também saem o diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Fabiano Bordignon e o titular da Secretaria Nacional do Consumidor, Luciano Timm.

No sábado, Bolsonaro reuniu-se no Palácio da Alvorada com Oliveira, Ramagem e o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, a quem a Abin é subordinada. Por recomendação dos ministros da ala militar, e com a concordância do próprio Oliveira, o grupo considerou outros nomes para a pasta da Justiça.

Entre eles, o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), André Luiz Mendonça; o ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo Ivan Sartori; o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Yves Gandra Martins Filho.

Como adiantou o Valor, o próprio Oliveira resistiu à nomeação por causa de sua proximidade da família Bolsonaro. O receio era endossar as acusações de Moro de que o presidente quer controlar a Polícia Federal para ter acesso a relatórios de inteligência sigilosos.

"Jorginho"- como o presidente se dirige ao auxiliar - começou a trabalhar com Bolsonaro em seu gabinete de deputado federal há 17 anos, e deu continuidade a uma amizade iniciada pelo seu pai, que foi assessor e conselheiro de Bolsonaro por 29 anos.

Na sexta-feira, o Valor revelou que o ato de nomeação de Oliveira para o MJ já estava pronto, aguardando a publicação no "DOU". Mas pelo menos duas razões adiaram a confirmação da escolha: o receio de desgaste político e o perfil de Oliveira, que evita holofotes.

Oliveira estava confortável na Secretaria Geral, onde se consolidou como habilidoso articulador de bastidores e abriu canais de diálogo estratégicos. Por exemplo, ele é o interlocutor do Planalto com o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, que há poucos dias foi sondado sobre a escolha de seu nome para a sucessão de Moro.

O ex-ministro revelou que desde o ano passado, Bolsonaro tentava trocar o comando da PF. O presidente teria voltado à carga neste momento porque seus filhos seriam alvos de inquéritos. Segundo o jornal Folha de S. Paulo, Carlos seria investigado no inquérito das Fake News, em tramitação no STF.

Ramagem aproximou-se dos filhos de Bolsonaro durante a campanha eleitoral. Ele chefiou a segurança pessoal de Bolsonaro, após o atentado a faca de que o então candidato foi vítima em 2018. No ano passado, foi assessor na Secretaria de Governo e, em julho, assumiu o comando da Abin, por indicação de Carlos.

Questionado ontem nas redes sociais sobre a relação estreita de sua família com Ramagem, Bolsonaro respondeu: "E daí?"

O almirante Rocha está na SAE, vinculada à Secretaria-Geral, desde fevereiro. Ele chegou à Presidência juntamente com Walter Souza Braga Netto, que assumiu a Casa Civil - as nomeações de ambos ocorreram no mesmo dia.

Rocha será o quarto titular da SG em 16 meses de governo. A pasta já foi comandada por Gustavo Bebianno (morto há um mês), pelo general Floriano Peixoto e por Jorge Oliveira.

No fim de semana, Moro e Bolsonaro trocaram farpas nas redes sociais. Ontem Moro reagiu aos ataques que vem sofrendo de bolsonaristas nas redes, afirmando que já enfrentou outras campanhas de notícias inventadas. Em resposta, ele parodiou o lema da campanha de Bolsonaro: "Verdade acima de tudo. Fazer a coisa certa acima de todos", disse, pelo Twitter.

Também ontem, Bolsonaro acusou Moro de mentir sobre sua tentativa de interferir na PF. "Nenhum superintendente foi trocado por mim. Todos foram indicados pelo próprio ministro ou diretor-geral", retrucou.

No sábado, Bolsonaro lembrou que apoiou Moro no episódio do vazamento de supostas mensagens do então ministro pelo site "The Intercept". O presidente não contestou a reprodução de conversa privada dele com Moro, que foi levada a público, sobre troca no comando da PF.

Pouco tempo depois, Moro respondeu que respaldou Bolsonaro quando este foi "injustamente" atacado.

Acrescentou que preservar a PF de interferência política é "uma questão institucional, de estado de direito, e não de relacionamento pessoal". (Colaborou Isadora Peron)

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Nova crise política eleva instabilidade

Fabio Graner

Edna Simão

27/04/2020

 

 

Ainda que seja cedo para fazer prognósticos econômicos, a forte instabilidade política gerada pelo bombástico pedido de demissão do agora ex-ministro Sergio Moro é mais um golpe na economia brasileira e adiciona volatilidade em um quadro já bastante frágil, reconhecem fontes do governo.

O cenário que já apontava uma queda intensa do PIB neste ano torna-se ainda mais desfavorável, principalmente se essa nova crise durar muito tempo sem um desfecho. Uma fonte oficial já cita projeções novas de mercado apontando queda de 6% a 8% para o PIB. Outro interlocutor ressalta que o momento demandava ações para gerar um clima de estabilidade e esse movimento do agora ex-ministro vai exatamente na direção contrária.

Nesse meio tempo, a central de boatos coloca o ministro Paulo Guedes na linha de tiro, depois do episódio envolvendo o plano Pro Brasil, apelidado de "Plano Marshall". Duas fontes próximas ao ministro Paulo Guedes, contudo, negam enfaticamente que ele pretenda deixar o governo.

Para um desses interlocutores, Guedes continua determinado a cumprir seu papel de defender o Tesouro, adaptado obviamente às circunstâncias decorrentes do combate aos efeitos econômicos do coronavírus. "Só se saírem com ele. Guedes não é de pedir demissão", afirmou essa fonte.

Essa fonte também avalia que há um problema envolvendo uma suposta ânsia de setores do governo em gastarem mais. "Tem uma turma que quer se aproveitar do momento para colocar seus projetos de grana por conta da pandemia", disse.

O plano PRO Brasil, que ganhou o apelido de "Plano Marshall", em uma referência ao plano de reconstrução da Europa após a Segunda Guerra Mundial, trabalha com propostas de aumento do investimento público, vindas de pastas como o ministério do Desenvolvimento Regional e da Infraestrutura, principalmente. Há sugestões, inclusive, para que esses investimentos públicos a serem feitos no pós pandemia fiquem de fora do teto, o que é amplamente rejeitado no Ministério da Economia.

Outro interlocutor da área econômica aponta que no momento não há exatamente uma preocupação com o destino do ministro Paulo Guedes. "A preocupação é essa crise política, que é muito grave, piorar ainda mais o quadro econômico que é gravíssimo. Ninguém sabe o que vai acontecer amanhã", disse. "Uma crise política dessa já seria algo complicadíssimo em condições normais de temperatura e pressão. Imagina em meio a uma pandemia com o país parado?", apontou a fonte.

Nas conversas de bastidores, em geral se aponta a necessidade de se aguardar os desdobramentos, ainda que se reconheça a gravidade da crise. Uma fonte destaca que é preciso, pro exemplo, ver como vai agir o Congresso, porque Moro seria rejeitado por muito parlamentares, em especial do Centrão, que agora se aproxima de Bolsonaro.

De qualquer forma, o interlocutor reconhece que a ação do ex-ministro da Justiça, atraiu para o governo uma oposição que não tinha, daqueles seguidores de Moro que estavam com o Bolsonaro. E certamente isso adicionará volatilidade à política e, consequentemente, à economia.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Proximidade com presidente é marca dos escolhidos 

27/04/2020

 

 

A proximidade com o presidente Jair Bolsonaro é o principal traço de Jorge Oliveira Francisco e do almirante Flávio Rocha, que devem ser confirmados como os novos titulares das pastas da Justiça e da Secretaria Geral da Presidência.

Jorge Antônio de Oliveira Francisco é o atual secretário-geral da Presidência. Ele foi chefe s de gabinete do filho deputado do presidente, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), de quem é padrinho de casamento.

Oliveira é policial militar da reserva do Distrito Federal, onde chegou à patente de major e deu baixa em 2013, e advogado de formação recente. No início do governo, foi Secretário de Assuntos Jurídicos da Casa Civil.

Seu pai, o capitão do Exército Jorge Francisco, foi chefe de gabinete de Bolsonaro na Câmara dos Deputados por muitos anos. Ele morreu em 2018, de enfarte, durante a campanha eleitoral, suspensa pelo hoje presidente da República, que compareceu às cerimônias fúnebres.

Flávio Augusto Viana Rocha, cearense, é vice-almirante. Era comandante do primeiro distrito naval até assumir a Secretaria de Assuntos Estratégicos, em fevereiro deste ano.

Sua nomeação significou uma elevação de prestígio da SAE, que deixou de ser vinculada à Secretaria-Geral para ficar subordinada diretamente à Presidência. Rocha foi assessor parlamentar da Marinha por quatro anos, ocasião em que conheceu Bolsonaro.