Correio braziliense, n. 20819 , 23/05/2020. Política, p.6

 

Heleno reage a pedido de apreensão de celular...

Jorge Vasconcellos

23/05/2020

 

 

INTERFERÊNCIA NA PF » Celso de Mello encaminha à PGR notícias-crime que solicitam confisco de telefone de Bolsonaro, e ministro do GSI vê "consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional"

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), enviou à Procuradoria-Geral da República (PGR) três notícias-crime de partidos e parlamentares que pedem novas diligências no inquérito sobre a suposta interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal. Os autores solicitam, entre outras medidas, o depoimento do chefe do Executivo e busca e apreensão do celular dele e do filho Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), para perícia. O despacho do ministro elevou ainda mais a temperatura da crise entre o Planalto e a Corte. O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, divulgou nota afirmando que o "pedido de apreensão do celular do presidente é inconcebível" e alertando para "consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional".

O despacho de Mello, formalizado na quinta-feira, é uma praxe judicial. O decano do STF é o relator do inquérito que foi aberto, por solicitação da PGR, para apurar denúncias do ex-ministro da Justiça Sergio Moro. O ex-juiz acusou Bolsonaro de interferir politicamente na PF para ter acesso a relatórios de inteligência do órgão. A partir de agora, caberá ao procurador-geral da República, Augusto Aras, analisar as notícias-crime e se manifestar sobre os pedidos, mas não há prazo para isso. Depois, a decisão final sobre a apreensão dos celulares e outras diligências será do ministro.

No ofício à PGR, Mello ressaltou que é dever jurídico do Estado promover a apuração da "autoria e da materialidade dos fatos delituosos narrados por qualquer pessoa do povo". "A indisponibilidade da pretensão investigatória do Estado impede, pois, que os órgãos públicos competentes ignorem aquilo que se aponta na 'notitia criminis', motivo pelo qual se torna imprescindível a apuração dos fatos delatados, quaisquer que possam ser as pessoas alegadamente envolvidas, ainda que se trate de alguém investido de autoridade na hierarquia da República", escreveu.

As notícias-crime — de autoria de PDT, PSB e PV — foram protocoladas em 28 de abril.

Indignação

A reação do Planalto ao despacho do decano do STF foi dura. "O pedido de apreensão do celular do Presidente da República é inconcebível e, até certo ponto, inacreditável. Caso se efetivasse, seria uma afronta à autoridade máxima do Poder Executivo e uma interferência inadmissível de outro Poder, na privacidade do Presidente da República e na segurança institucional do país", disse trecho do comunicado divulgado pelo general Augusto Heleno, intitulado Nota à Nação Brasileira.

Horas depois, o gabinete de Celso de Mello emitiu nota: "A propósito de manifestações criticando, precipitadamente, uma suposta decisão judicial emanada do Supremo Tribunal Federal, que teria ordenado, em sede de produção antecipada de prova, diligência policial de busca e apreensão dos celulares (...), cabe esclarecer que o relator do Inquérito 4.831/DF, ministro Celso de Mello, não determinou referida medida cautelar, pois limitou-se a meramente encaminhar ao senhor procurador-geral da República, que é o órgão da acusação, a 'notitia criminis', com esse pleito de apreensão (Pet 8.813/DF), formulada por 03 (três) agremiações partidárias (PDT, PSB e PV)".

 "Que crime?"
O ato de Celso de Mello foi criticado por Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente. "Meu celular? Enquanto isso os do ex-piçóu Adélio protegidos há mais de um ano, processos contra Botafogo, Calheiros e outros sentados em cima há anos. Que crime teria cometido para tamanha velocidade e abuso? Nenhum. A narrativa do sistema continua em pleno vapor!", tuitou o vereador.

...E crítica é vista como ameaça a democracia

 

 

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), criticou o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, por ter divulgado nota contra a possibilidade de apreensão do celular do presidente Jair Bolsonaro. O pedido foi feito por partidos de oposição ao ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), que pediu a opinião da Procuradoria-Geral da República sobre o caso.

"A nota do ministro Heleno é muito ruim, ameaçando. Se achou que o encaminhamento do Celso de Mello é tão grave assim, peça uma audiência, mas essas agressões que confrontam, que ameaçam, nada disso", disse Maia em entrevista à Record News. Para o deputado, a iniciativa de Heleno cria um ambiente de insegurança para investimentos estrangeiros no Brasil. "O investidor pensa que não pode investir neste país. É a sinalização que a gente passa no exterior", argumentou ele, para quem a nota "só afasta o Supremo do governo e cria mais instabilidade".

O texto tem sido criticado pela oposição, que vê ameaça de Augusto Heleno às instituições. A nota fala em "consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional" caso haja apreensão do celular do presidente da República. "Não vamos aceitar ameaça alguma contra a democracia! O sr. Augusto Heleno não só deve explicações, mas deve desculpas por ameaçar as instituições. Os motivos para impeachment desse governo absurdo só aumentam!", escreveu no Twitter. "O sr. General Heleno infringiu a Lei de Segurança Nacional e cometeu crime de responsabilidade. Vamos apresentar representação contra Heleno. Esses ataques à nossa democracia não podem existir, muito menos se tornar rotina. Que o General responda no rigor da lei!"

O PSol informou que a legenda e 40 parlamentares de 10 siglas vão pedir a convocação de Heleno para "dar explicações na Câmara sobre as suas ameaças à democracia". 

Frase
"General Heleno, as instituições democráticas rechaçam o anacronismo de sua nota. Saia de 64 e tente contribuir com 2020, se puder. Se não puder, #ficaemcasa"
Felipe Santa Cruz, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil