O Estado de São Paulo, n.46209, 23/04/2020. Política, p.A4

 

Bolsonaro tenta diminuir tensão com o Judiciário

Vinícius Valfré

23/04/2020

 

 

Presidente envia mensagem em tom conciliador ao presidente do STF, Dias Toffoli, que horas depois abre sessão plenária da Corte com um discurso em defesa da democracia

STF. Dias Toffolli, presidente da Corte, ontem, durante sessão; para ministro, ‘não há soluções para crises fora da democracia’

Nem 24 horas depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizar a abertura de inquérito para investigar quem organizou e financiou atos em defesa da ditadura, no domingo, o presidente Jair Bolsonaro fez um gesto em busca de pacificação com a Corte. Logo pela manhã, Bolsonaro repassou ao presidente do STF, Dias Toffoli, uma mensagem pelo WhatsApp, em tom conciliador. Horas mais tarde, Toffoli abriu a sessão plenária do Supremo com um discurso em defesa do tribunal e da democracia.

“Não há solução para as crises fora da legalidade constitucional e da democracia, ambas salvaguardadas pelo Supremo Tribunal Federal. Devemos, portanto, reafirmar nosso compromisso com os valores republicanos e democráticos, com os valores da liberdade, da igualdade e da justiça social, historicamente consolidados”, afirmou o presidente da Corte.

O texto encaminhado por Bolsonaro a Toffoli defende a liberdade de expressão, mas sem atacar o Supremo e o Congresso. “Aqueles que pedem intervenção militar (art. 142) ANTES devem decidir qual general ocupará a cadeira do Capitão Jair Bolsonaro”, diz a mensagem, sem assinatura, antecipada pelo site BR Político.

“Aqueles que pedem AI-5 ANTES devem mostrar onde está na Constituição tal dispositivo”, prossegue o texto, que cita artigos da Carta. O AI-5 foi o mais duro ato da ditadura (1964 a 1985): revogou direitos fundamentais, instalou a censura nos meios de comunicação e delegou ao presidente o poder de cassar mandatos de parlamentares.

Escalada. O Estado apurou que Bolsonaro decidiu enviar a mensagem – mesmo não tendo sido escrita por ele – ao saber que Toffoli continuava perplexo com a sua participação nas manifestações do Dia do Exército. O magistrado chegou a telefonar no domingo para o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, mostrando preocupação com uma escalada autoritária no País.

Naquele dia, diante do QG do Exército, Bolsonaro atacou a “velha política” e gritou palavras de ordem como “não queremos negociar nada” e “acabou a época da patifaria”. Para Toffoli, a simples presença de Bolsonaro em um ato com aquele conteúdo passava um sinal ruim. Havia ali faixas e cartazes pregando o fechamento do Congresso e do Supremo. Além disso, apoiadores de Bolsonaro pediam a reabertura do comércio e o fim do isolamento social em meio à pandemia do coronavírus.

O inquérito para apurar “fatos em tese delituosos” envolvendo as manifestações foi aberto pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras.

Ao acionar a Corte, Aras não citou especificamente Bolsonaro. O Ministério Público Federal identificou indícios de participação de pelo menos dois deputados federais bolsonaristas na organização dos atos de domingo. Eles estão na mira da investigação e há também suspeitas de que empresários aliados de Bolsonaro estejam bancando manifestações, assim como ataques ao Congresso e ao Supremo nas redes sociais.

Ao determinar a abertura de investigação sobre os atos, Moraes concluiu que o episódio é “gravíssimo”, pois atenta contra o Estado Democrático de Direito e suas instituições republicanas. O ministro destacou, ainda, que a Constituição “não permite o financiamento e a propagação de ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático, nem tampouco a realização de manifestações visando o rompimento do Estado de Direito”.

Ontem, Moraes abriu prazo de cinco dias para Bolsonaro informar à Corte sobre medidas adotadas pelo governo no combate ao novo coronavírus. A decisão foi tomada em ação movida pelo PT .