O Estado de São Paulo, n.46210, 24/04/2020. Política, p.A4

 

Presidente quer fazer 'seu' governo, mas há entraves

Vera Magalhães

24/04/2020

 

 

O novo PAC mal-ajambrado que não agradou Paulo Guedes, a demissão de Luiz Mandetta e a consequente intervenção no Ministério da Saúde, o namoro com o Centrão e o anúncio de corte da cabeça do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, fazem parte do mesmo movimento: Jair Bolsonaro viu na pandemia do novo coronavírus uma chance para fazer o “seu” governo, sem postos Ipiranga, sem concessões a superministros e sem levar desaforo (mesmo os imaginários) para casa.

Será que tem cacife para isso? O presidente, como sempre, escolhe as piores horas para brigar com tudo e todos. Decide voltar a mexer com Sérgio Moro quando está altamente impopular, as mortes por covid-19 bateram recordes num só dia e o Supremo Tribunal Federal avança dia a dia para lhe impor derrotas e mostrar que vai conter seu ímpeto autoritário.

Já são quatro os ministros que deram decisões recentes contra o presidente. Ontem foi a vez de o decano Celso de Mello pedir à Câmara informações sobre um dos vários pedidos de impeachment contra Bolsonaro – o mesmo que embasa mandado de segurança relatado pelo ministro.

Se Bolsonaro achar que pode empurrar goela abaixo dos ministros, sobretudo de Moro, um prato feito de intervenções nos órgãos, colherá demissões em massa. Afinal, uma coisa é engolir sapo num governo popular, com a economia crescendo. Outra é manter essa dieta enquanto o presidente compra briga com os Poderes, se alia à velha política e dá um cavalo de pau no discurso da moralidade e do liberalismo econômico.

Moro não é doido nem rasga dinheiro. Mas agora que ameaçou, uma vez mais, pedir demissão, é bom que esteja preparado para sair de fato, sob pena de ver queimar rapidamente o cacife que acumulou na Lava Jato na fogueira de reputações e bom senso do bolsonarismo.