O Estado de São Paulo, n.46210, 24/04/2020. Metrópole, p.A13

 

CFM libera cloroquina em paciente leve

Mateus Vargas

Emilly Behnke

24/04/2020

 

 

Medida foi anunciada após reunião do conselho com o presidente Bolsonaro, defensor da substância; entidade alegou excepcionalidade

Liberação. Com a decisão, o CFM livra de infração ética os médicos que prescrevam cloroquina e hidroxicloroquina

Após reunião, ontem, com o presidente Jair Bolsonaro, entusiasta do tratamento contra a covid-19 com cloroquina e hidroxicloroquina, o Conselho Federal de Medicina (CFM) anunciou permissão para uso de medicamentos com estas substâncias a pacientes com casos leves. Apesar de reconhecer que não há ainda comprovação de segurança e eficácia do tratamento, a entidade afirma que a liberação ocorre pela excepcionalidade da pandemia.

O CFM passou a livrar de infração ética médicos que prescrevem a droga em três situações. A primeira é para caso de paciente com sintomas leves, em início de quadro clínico, em que tenham sido descartadas outras viroses (como influenza, H1N1 e dengue) e exista diagnóstico confirmado da covid19. Também é autorizado o uso para pessoas com “sintomas importantes”, mas que ainda não está sob cuidados intensivos ou internado.

No último cenário possível, o paciente pode receber a droga se estiver em estado crítico, recebendo cuidados intensivos, incluindo ventilação mecânica. O parecer do CFM, porém, ressalta que é “difícil imaginar que em pacientes com lesão pulmonar grave estabelecida e, na maioria das vezes, com resposta inflamatória sistêmica e outras insuficiências orgânicas, a hidroxicloroquina ou a cloroquina possam ter um efeito clinicamente importante”.

Efeitos colaterais. Em todos os casos, o médico deve explicar ao paciente que não há, até o momento, nenhuma comprovação de benefícios do uso da droga contra o novo coronavírus. Também deve orientar sobre efeitos colaterais. Para liberar a prescrição, será assinado pelo paciente ou familiares, se for o caso, um termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Na prática, os médicos já receitavam, se julgassem necessário, estes medicamentos para casos leves da doença. O que muda, agora, é que existe respaldo do CFM de que, nestas circunstâncias, não será cometida uma infração ética pelo médico prescritor. A entidade médica, porém, não autoriza a aplicação da droga como forma preventiva, para pessoas sem sintomas ou sem confirmação da covid-19.

“O posicionamento é que não existe nenhuma evidência científica forte que sustente o uso da hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19. É uma droga amplamente utilizada para outra doenças, já há 70 anos, mas em relação ao tratamento da covid-19 não existe nenhum estudo, nenhum ensaio clínico prospectivo randomizado feito por grupos de pesquisadores de respeito com trabalhos publicados em revista de ponta”, disse o presidente do CFM, Mauro Ribeiro, ao deixar a reunião com Bolsonaro.

Estudos sobre cloroquina viraram alvo de debate e violência política. Um dos estudos que vinha sendo conduzido com a cloroquina em Manaus – que foi modificado após observação de aumento de risco de complicações cardíacas – virou alvo em redes bolsonaristas, com os cientistas sendo chamados de irresponsáveis.

O Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos contra indica o uso dos medicamentos. Em documento de 21 de abril, a entidade aponta que a droga leva a efeitos colaterais como arritmia cardíaca, além de ter alta toxicidade.