Valor econômico, v.20, n.496, 23/04/2020. Política, p. A6

 

Ministro do STF cobra explicações de Bolsonaro

Isadora Peron

Luísa Martins

23/04/2020

 

 

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), mandou o presidente Jair Bolsonaro se explicar, em até cinco dias, sobre uma suposta omissão do governo federal no combate à pandemia de coronavírus no país. O despacho foi no âmbito de uma ação ajuizada pelo PT. A decisão representa um novo revés para Bolsonaro no STF. Anteontem, Moraes autorizou a abertura de um inquérito para apurar a organização de atos contra a democracia. O do domingo, que pediu o fechamento do Congresso e a volta do regime militar, contou com a participação do presidente.

Na ação movida pelo PT, o partido argumenta que o governo não atua para evitar a subnotificação dos casos de covid-19, não divulga dados fidedignos sobre a doença no Brasil e promove o uso da cloroquina, um medicamento cuja eficácia ainda não foi cientificamente demonstrada.

A legenda pede para que o STF proíba o presidente de fazer propaganda da cloroquina ou de adotar políticas que estimulem o fim do distanciamento social, medida defendida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), além de obrigar o governo a adotar providências para aumentar a testagem da covid-19.

Já o inquérito aberto para saber quem organizou e patrocinou os atos antidemocrático pelo país não tem como alvo direto Bolsonaro, mas não se descarta que as apurações cheguem ao Palácio do Planalto. Segundo o Valor apurou, apenas dois deputados foram citados na peça inicial enviada pelo PGR ao Supremo, mas a expectativa é que esse escopo aumente - apesar de o discurso oficial ser de que o inquérito investiga fatos e não pessoas.

Uma fonte diz que o objetivo do procurador-geral da República, Augusto Aras, ao apresentar o pedido de abertura de inquérito foi mandar um recado para que esse tipo de manifestação não se repita. A mensagem contida seria clara: "Não façam mais isso".

A avaliação, por parte de procuradores, é que, apesar de Bolsonaro já ter participado de outros atos semelhantes, as manifestações de domingo "subiram de tom", e que era preciso tomar uma atitude. Chamou a atenção, por exemplo, o uso de cartazes padronizados, com uso de fontes iguais, o que indica "indícios de organização", isto é, que não se tratou de uma produção manual e espontânea.

Na peça, Aras citou que os envolvidos na organização dos atos podem ter violado a Lei de Segurança Nacional. Ele elenca o artigo 16, que fala em "integrar ou manter associação, partido, comitê, entidade de classe ou grupamento que tenha por objetivo a mudança do regime vigente ou do Estado de Direito, por meios violentos ou com o emprego de grave ameaça"; o 22, que é sobre fazer propaganda "de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social"; e o 23, que aponta como crime incitar "à subversão da ordem política ou social" e "à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições".

Uma subprocurador diz que a investigação aberta esta semana guarda semelhanças com o "inquérito das fake news", instaurado ano passado para apurar ameaças contra ministros da Corte. A diferença, segundo ela, é que esse foi "feito da maneira certa", já que o primeiro foi aberto de ofício, sem qualquer pedido da PGR, o que não é comum e gerou críticas da instituição.

Entre as semelhanças, os dois processos têm o mesmo relator, Alexandre de Moraes, correm sob sigilo, e têm o que alguns costuman chamar de "de "efeito edagógico". O presidente do STF, Dias Toffoli, afirma, por exemplo, que a simples instauração do inquérito das fake news fez os ataques a ministros caírem 80%.

Ontem, em uma "live" do UOL, o ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto afirmou que Bolsonaro, ao participar do ato de domingo, pode ter cometido crime de responsabilidade e "se expõe a um processo de abertura de impeachment". Também presente no debate, o ministro Gilmar Mendes disse que a postura do presidente merecia críticas, mas que não iria "criminalizar condutas".