Valor econômico, v.20, n.4986, 23/04/2020. Política, p. A6

 

Bolsonaristas mostram incredulidade em relação à negociação com Centrão

Raphael Di Cunto

Marcelo Ribeiro

23/04/2020

 

 

Deputados aliados ao presidente Jair Bolsonaro se dividiram sobre os movimentos dele de aproximação com o Centrão, com oferta de cargos do segundo e terceiro escalões do governo em troca de apoio na Câmara dos Deputados. Enquanto um grupo defende que o presidente ficou sem alternativa e precisou ceder para governar, outro ainda não acredita que as nomeações ocorram e critica a possibilidade de adesão ao "toma lá dá cá".

Vice-líder do governo na Câmara, o deputado Sanderson (PSL-RS) afirmou que, no grupo de WhatsApp com os 25 deputados do PSL que pretendem fundar o Aliança pelo Brasil junto com Bolsonaro, o tom foi de incredulidade e desconfiança e ninguém confirmou as tratativas. "Acho muito difícil o presidente Bolsonaro, o conhecendo como eu o conheço, se aliar a Roberto Jefferson ou a Valdemar Costa Neto. Acho pouco provável, não acredito", disse.

Sanderson disse que Bolsonaro está atento às redes sociais e que não fará um movimento contrário a sua militância. "Uma coisa é o Roberto Jefferson fazer manifestações de apoio. Outra é ele ser chamado para dentro do governo. Eu dificilmente apoiaria e acho que os deputados do Aliança também que não vão apoiar", opinou.

Já o deputado general Girão (PSL-RN) disse que não há nada oficial e não quis comentar. "Desconheço o que você está falando, não posso opinar", disse. O silêncio também impera nas redes sociais da maioria dos parlamentares bolsonaristas, enquanto ex-aliados na direita, como Joice Hasselmann (PSL-SP) e Alexandre Frota (PSDB-SP), exploram a contradição e afirmam que Bolsonaro está cada vez mais próximo do PT, fazendo o que condenava.

O deputado Junior Bozzella (SP), vice-presidente do PSL, fiz que Bolsonaro atacou o Centrão na campanha e agora recorre a ele. "Além de contrariar todas as atitudes, ele traz para sua base a receita do fracasso da campanha presidencial. Quando ele reedita o toma lá dá cá, ele se junta a tudo que dizia que era pior da política brasileira", acusou.

O presidente foi eleito com um discurso de acabar com a "velha política" e contra o toma lá dá cá. Contudo, após derrotas e ser isolado politicamente pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), Bolsonaro começou há negociar com os partidos do Centrão, como PP, PL, PSD e Republicanos, nomeações nos ministérios, autarquias e estatais, como o Banco do Nordeste.

O deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP), que chegou a ser cotado para vice de Bolsonaro, é outro que está "muito cético ao que pode se construir disso". "Esses partidos têm problemas graves de posicionamento, fazem o jogo contrário as reformas, achaques, para obter benefícios para si próprios e sobreviver politicamente", disse.

Ele, contudo, vê o presidente encurralado por não ter buscado alternativas ao presidencialismo de coalizão, como propor o parlamentarismo para 2023. "Não estou nem criticando porque sei que ele tem que fazer a coalizão, ele percebeu que não tem uma proposta para romper com isso. O sistema ganhou", lamenta, comentando que Bolsonaro já está sendo questionado nas redes sociais e perderá popularidade e apoiadores por essa decisão.

Já o deputado federal Carlos Jordy (PSL-RJ) defendeu que as conversas de Bolsonaro com o Centrão não são o "toma lá dá cá" feito pelos governos do PT e MDB. "Não acredito que esteja sendo uma questão de lotear, como era feito por outros governos. Estão adotando critérios técnicos. Se eles têm pessoas competentes e estejam gabaritadas para exercer determinado cargo por que não podem fazer indicações?", questionou.

As críticas dentro da direita as negociações entre Bolsonaro e esses partidos estão restritas aos ex-aliados de Bolsonaro "que estão ressentidos" ou pessoas de fora "que não entendem como é o processo de negociação política", afirmou Jordy. "Já rompemos com o presidencialismo de coalizão, um pouco de diálogo não faz mal pra ninguém", sustentou.