O globo, n. 31680, 02/05/2020. Especial Coronavírus, p. 7

 

Cloroquina está longe de cumprir expectativa contra a Covid-19

Thiago Herdy

02/05/2020

 

 

Droga não mostrou efeito comprovável; Teich diz que 'não vai ser divisor de águas'
Celebrada há um mês por Jair Bolsonaro como solução para o fim da pandemia do coronavírus no país, a cloroquina entrou na rotina de hospitais públicos e privados como parte do tratamento da Covid-19, mas está longe de cumprir a expectativa depositada pelo presidente. Ainda que o uso tenha sido regulamentado pelo Ministério da Saúde para casos graves, nos últimos 40 dias os registros de contágio e de mortes confirmadas pela doença aumentaram no país, médicos denunciaram reações adversas ao medicamento, seu uso preventivo foi descartado e até mesmo o ministro da Saúde, Nelson Teich, já considera que a droga não pode mais ser tratada como um "divisor de águas". —Cloroquina hoje ainda é uma incerteza. Os dados preliminares da China mostram que teve mortalidade alta e que o remédio não vai ser divisor de águas em relação à doença — disse o ministro, na quarta-feira. Bolsonaro passou a defender a medicação — usada contra malária, lúpus e artrite reumatoide —depois de voltar de viagem aos Estados Unidos, em março. Donald Trump citava o fármaco como resposta ao risco de uma tragédia ocasionada pela pandemia no país. A agência reguladora de alimentos e drogas dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) alertou na última semana para "anormalidades perigosas no ritmo cardíaco de pacientes" tratados com o medicamento e determinou que ele fosse usado apenas em testes clínicos ou em hospitais com doentes sob monitoramento. No Brasil, o Conselho Federal de Medicina (CFM) liberou a prescrição a pacientes, ainda que em parecer tenha lembrado que não existem pesquisas que comprovem a eficácia contra a Covid-19. A autarquia justificou a medida devido à falta de alternativas para tratamento. Pelo menos 15 pesquisas sobre o uso foram aprovadas pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e estavam em curso, mas, na última semana, uma delas

foi suspensa: conduzida pelo grupo Prevent Senior, seus dados preliminares apontaram eficácia do medicamento no uso combinado com o antibiótico azitromicina. O suposto sucesso do estudo foi alardeado por Bolsonaro. Dias depois, o Conep encontrou indícios de que o trabalho tenha sido conduzido antes do período autorizado. A pesquisa também considerou, em nível estatístico, pacientes que sequer foram testados. — Aparentemente, o que fizeram foi apresentar uma não-pesquisa como pesquisa, o que pode configurar uma fraude científica — diz o coordenador do órgão regulador, Jorge Venâncio, que afirma aguardar o envio de documentação complementar, antes que o órgão decida sobre enviar ou não o caso ao Ministério Público. Em meio ao debate, médicos de São Paulo têm receitado a cloroquina para pacientes graves em alguns dos principais hospitais. Há também exemplo de veto, pela falta de estudos conclusivos.

 TRATAMENTO NOS HOSPITAIS

Os hospitais Albert Einstein, Sírio-Libanês e Hcor participam da pesquisa Coalizão Covid Brasil, que reúne cerca de 60 hospitais e conta com o apoio da indústria farmacêutica, para avaliar os efeitos da cloroquina em pacientes com menor e maior gravidade. Os primeiros resultados estão previstos para junho. No Einstein e no hospital de campanha do Pacaembu, a cloroquina é administrada apenas em pacientes graves. No Sírio-Libanês, "o uso não é proibido, mas também não é recomendado", informou o hospital.

O Hospital das Clínicas de São Paulo disse seguir o protocolo do Ministério da Saúde, que prevê o uso apenas em casos graves. Ainda assim, "o uso da cloroquina não é uma recomendação institucional", segundo a direção. A Unicamp, que administra o Hospital das Clínicas em Campinas, divulgou texto em que afirma que, baseada em manifestações de especialistas, "corrobora as recomendações dos órgãos sanitários e da comunidade médico-científica mundial de que não há, até o momento, evidência científica suficiente baseada em ensaios clínicos com humanos sobre a eficácia desses medicamentos para o tratamento da doença causada pelo novo coronavírus". Por isso, a instituição não recomenda administrar a medicação.