Título: Desolação, morte e fé
Autor: Lobato, Paulo Henrique
Fonte: Correio Braziliense, 09/12/2012, Economia, p. 16

O olhar do vaqueiro Heleno Coelho, da fazenda Barro Vermelho, em Serrita, é tão desolador quanto o do gado na fila do matadouro: "Nunca, mas nunca vi, por Deus, seca como a de 2012. Aqui, tombaram 210 graúdos (bois grandes) e 183 bezerros". No chamado Grande Norte de Minas Gerais, que inclui os vales do Jequitinhonha e do Mucuri, a estiagem desse ano também exterminou muitas cabeças. Em algumas cidades, a produção de leite despencou 60%, enquanto 70% das lavouras de milho, feijão e arroz não vingaram. Pelas contas de técnicos da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), esses percentuais somam R$ 220 milhões em prejuízo.

A estiagem de 2012 é a pior dos últimos 30 anos no país. A escassez de chuva atingiu 10 milhões de pessoas em mais de 1,3 mil municípios brasileiros. Mas há quem lucre — e muito — com a indústria da seca. Em Espinosa, no Norte mineiro, o saco de milho de 50 quilos subiu de R$ 20 para R$ 36 (alta de 80%) entre janeiro e outubro. Longe de lá, na área rural de Ouricuri, no sertão pernambucano, o frete da carrada d"água, como os moradores se referem ao caminhão-pipa, saltou 44%, em cinco meses, de R$ 180, em junho, para R$ 260 em novembro.

O drama de quem vive no semiárido é o mesmo cantado pelo rei do baião em Asa Branca, composta em parceria com Humberto Teixeira, em 1947. De lá para cá, pouca coisa mudou em muitas cidades do Norte de Minas e do Nordeste brasileiro. Tanto que a canção se transformou no hino dos flagelados da seca. O jovem Yuri Nunes, de 13 anos, aprendeu os versos de Asa Branca ainda "miudinho". Diariamente, ele arreia seu jegue, Pé de Pano, para buscar água numa fonte distante uma hora de caminhada. "A gente a usa para o banho, para dar de beber à criação, para lavar as louças...", conta o menino, que sonha se formar em medicina "para ajudar o povo".

Durante o percurso, na companhia de Pé de Pano, Yuri avista longo trecho em que mandacarus são a única vegetação exuberante. A mesma paisagem tomou conta da fazenda Barro Vermelho, onde Heleno, o vaqueiro, ganha a vida. Ele passa os dias no comando de um trator, que antes era usado para o plantio. Agora, a máquina serve como guindaste: levanta o gado que, por fraqueza, desaba no solo rachado. "Se não for colocado rapidamente em pé, o graúdo se rende à seca. Morre mesmo", lamenta o homem enquanto socorre um garrote.

O nono e o décimo versos de Asa branca retratam bem o clima de velório na fazenda: "Por farta d"água perdi meu gado, morreu de sede meu alazão". "O patrão tenta um empréstimo no banco para comprar ração", conta Heleno. Já Francisco Ferreira Lopes, outro fazendeiro da região, preferiu negociar 15 vacas, com "deságio" de 25%, para levantar rapidamente o dinheiro da ração. "Cada rês valia R$ 1,2 mil. Vendi cada uma por R$ 900. Custeio R$ 4 mil mensais com ração, contudo, o leite que retiro não me rende R$ 2 mil." Pelas contas de sindicatos de Pernambuco, a produção de leite na região foi afetada em 50%.

Mário Barbosa de Souza, fazendeiro em Espinosa, no Norte de Minas, perdeu 36 de suas 90 cabeças de gado. Ele recorre à religião para encontrar forças: "É preciso ter fé em Deus". Para piorar, o preço da ração — tanto no Nordeste do país quanto no Norte mineiro — subiu mais de dois dígitos nas últimas semanas. "Há três meses, comprava o saco de farelo, de 50 quilos, por R$ 45. Agora por R$ 55", conta João Alves de Lima, 73 anos, morador da área rural de Flores. Ele precisou vender 10 vacas, ao custo de R$ 800 cada, para alimentar a outra parte do rebanho. "Havia comprado cada uma por R$ 1,5 mil", lamentou.

Lucro A estiagem também tem o lado do lucro. Em Espinosa, onde a seca durou 10 meses, o comerciante Celso Baleeiro revelou que o preço do caroço de algodão, insumo para alimentação do gado, subiu 120% em 10 meses, de R$ 0,50, no início do ano, para R$ 1,10 no fim de outubro. O preço de outra ração, a torta de algodão, passou R$ 28 para R$ 50 (aumento de 78%). "Nunca pensei em ganhar mais dinheiro com a seca".

Em Ouricuri, o preço da carrada com sete mil litros de água subiu 44%. O valor só não é maior porque o Exército e prefeituras socorrem os flagelados com caminhões-pipa. Mas a água, muitas vezes, acaba antes da próxima visita do veículo do poder público. Quando isso ocorre, e quase sempre ocorre, Damiana Alves de Macedo, de 30 anos, precisa recorrer a vizinhos. "Minha renda fixa é o Bolsa Família. Os R$ 180 que recebo não dão para comprar uma carrada." O dono dos caminhões, por outro lado, não têm do que reclamar.