O globo, n. 31690, 12/05/2020. Especial Coronavírus, p. 4

 

Mais sinais trocados

Paula Ferreira

Leandro Prazeres

Marcelo Ribeiro

12/05/2020

 

 

HERMES DE PAULAControle rígido. Guarda municipal tira a temperatura de motorista num dos acessos de Niterói, na Região Metropolitana do Rio, onde só pode circular quem trabalha em atividades essenciais ou está indo a supermercado e farmácia

Enquanto estados e municípios de todo o país anunciavam ontem novas medidas de restrição à circulação de pessoas nas ruas para conter o avanço do coronavírus, inclusive discutindo um lockdown,o presidente Jair Bolsonaro ampliou alista de atividades essenciais que ficam liberadas para funcionar normalmente, como academias de ginástica, salões de beleza e barbearias. O anúncio pegou de surpresa o ministro da Saúde, Nelson Teich, que, durante entrevista coletiva, afirmou que a decisão de liberar alguns setores da quarentena não passou pelo crivo da pasta. Ele mostrou-se desinformado sobre o alcance da medida.

—Saiu hoje isso? Falou agora? — afirmou Teich, ao ser perguntado sobre o assunto. —Não é atribuição nossa. Isso é uma decisão do presidente.

No Rio, a prefeitura proíbe, a partir de hoje, o estacionamento em toda a orla, exceto para moradores. Além disso, haverá bloqueios para carros e pedestres em 11 bairros, onde o isolamento vem sendo desrespeitado. Nas favelas, o rigor será ainda maior: por uma semana, apenas supermercados e farmácias poderão funcionar. Todo o comércio restante terá que fechar, sob pena de ação da PM. Já São Paulo implantou o rodízio de veículos para reduzir o fluxo à metade. Belo Horizonte e cidades de Pernambuco também vão adotar ações mais rigorosas.

Bolsonaro negou que os decretos sobre atividades essenciais — que também incluíram setores da construção civil e atividades industriais — sejam uma tentativa de contrariar as decisões de governadores e prefeitos sobre o distanciamento social. Em alusão ao fato de ter liberado academias de ginástica, Bolsonaro respondeu:

— Eu não burlo nada, saúde é vida —disse o presidente, acrescentando também que “desemprego mata”.

Já na noite de ontem, governadores deram sinais de que pretendem ignorar o decreto de Bolsonaro e manter atividades como academias de ginástica e salões de beleza fechadas. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), publicou à noite no Twitter a lista de atividades “que podem funcionar” na quarentena paulista, sem citar as áreas incluídas no decreto.

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, previu que a questão será levada à Corte:

— Sobre casos específicos como o do decreto de hoje, eu não vou analisar porque deve ter uma judicialização — declarou, em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura.

Ontem, o Ministério da Saúde informou que o novo coronavírus já matou 11.519 pessoas no país desde março.O número de infectados chegou a 168.331. Nas últimas 24 horas, foram 396 óbitos e 5.632 casos. São Paulo e Rio são os estados com mais mortes: 3.743 e 1.770, respectivamente. Com a maior letalidade do país (de acordo com dados da última sexta-feira) e com mais de mil pessoas na fila à espera de um leito hospital, a capital fluminense terá que encarar regras mais rígidas para evitar o colapso de sua rede de saúde: além de tentar reduzir as aglomerações na orla da cidade, que foram vistas no fim de semana, também proibiu o funcionamento de bares e até mesmo de lotéricas.

CERCO MAIOR NAS FAVELAS

A partir de hoje, com exceção de moradores que comprovarem morar nos bairros e de veículos de entrega a domicílio, carros serão proibidos de entrar em regiões da Tijuca (trecho da Praça Saens Pena), Grajaú, Méier, Santa Cruz, Madureira, Freguesia, Taquara, Cascadura, Realengo, Pavuna e Guaratiba. As restrições valem por sete dias.

— Sem dúvida, essas medidas ajudam a controlar o avanço do coronavírus. Dados da UFRJ sobre mobilidade mostram que a adesão ao isolamento social nos últimos dias tem sido em torno de 44%, 45%. Muita gente tem saído de casa para atividades nada essenciais.

Com essas novas medidas na cidade, acredito que a taxa de isolamento possa aumentar para cerca de 70% — diz o epidemiologista da UFRJ, Roberto Medronho.

Na opinião dele, o ideal neste momento de escalada da doença seria o lockdown (fechamento total), iniciativa também defendida pela Fiocruz. Especialista em direito administrativo e constitucional, Manoel Peixinho explica que as determinações da prefeitura estão dentro da lei:

—O decreto está em consonância com o STF, que deu poder a estados e municípios para tomarem as medidas restritivas. Só me causa estranheza não ter sido estipulada uma sanção, como multa.

Em Niterói, multas começaram a ser aplicadas. Pelo menos três pessoas vão ter pagar R$ 180 porque ontem estavam nas ruas sem justificativa. Até sexta-feira, os moradores só poderão sair de casa se trabalharem em atividades essenciais ou se forem a mercados e farmácias. Foram montadas barreiras nos acessos ao município, onde motoristas e passageiros terão a temperatura verificada. Em Búzios, na Região dos Lagos, foi determinado toque de recolher, das 23h às 6h.

Na capital paulista, anova medida foi para reduzir o fluxo de veículos. Com o rodízio, o pico de engarrafamentos ontem foi de quatro quilômetros às 8h, bem abaixo dos 21 quilômetros da última segunda. A prefeitura estuda uma forma de aumentara oferta de transporte público porque foi constatado um aumento na utilização de ônibus e do metrô.

O lockdown já foi adotado em Fortaleza e em cidades do Maranhão e do Pará. Entre as medidas, estão restrição de circulação de pessoas, rodízio de veículos, uso obrigatório de máscaras e a sanitização de ruas.

Ontem, o jornal “O Estado de S. Paulo” recorreu ao STF para obrigar Bolsonaro a divulgar o exame que fez para Covid-19. Segundo o presidente, o resultado foi negativo, mas ele nunca apresentou o teste. Na última sexta-feira, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio Noronha, suspendeu uma decisão judicial que garantia ao jornal o acesso ao documento.