O globo, n. 31690, 12/05/2020. País, p. 9

 

'Mais afinidade'

Aguirre Talento

Bela Megale

12/05/2020

 

 

Valeixo diz que Bolsonaro queria nome de confiança na PF e nega ter se demitido

PAULO LISBOA/05-03-2018Versão. O delegado Maurício Valeixo, ex-diretor-geral da Polícia Federal, prestou depoimento ontem em Curitiba no inquérito que apura denúncias de Sergio Moro contra o presidente Jair Bolsonaro

O ex-diretor-geral da Polícia Federal Maurício Valeixo afirmou em depoimento ter ouvido duas vezes o presidente Jair Bolsonaro manifestar o seu desejo de ter no comando da PF alguém com quem tivesse “mais afinidade”. Valeixo também disse nunca ter formalizado pedido para deixar o cargo, tendo sido apenas comunicado que sua exoneração sairia desta forma.

O depoimento foi realizado em Curitiba. Ele foi ouvido por investigadores da PF e da Procuradoria-Geral da República no inquérito que apura a acusação do ex-ministro Serem gio Moro de interferência indevida de Bolsonaro na corporação. É investigada a possível ocorrência de diversos crimes por parte de Bolsonaro (advocacia administrativa, obstrução de Justiça e falsidade ideológica, entre outros) e por parte de Moro (denunciação caluniosa).

Valeixo afirmou que Bolsonaro não demonstrou ter“problema” co mele ,“masque em duas oportunidades, uma presencialmente e outra por telefone, o presidente teria dito ao depoente (Valeixo) que gostaria de nomear ao cargo de diretor-geral alguém que tivesse mais afinidade”.

Segundo o ex-diretor-geral, o presidente disseque sua subtituições por Alexandre Ramagem se daria por “questão de afinidade”. Valeixo disse que cabe a Bolsonaro esclarecer o motivo. Ramagem teve a nomeação barrada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.

Valeixo também afirmou que nunca formalizou um pedido de exoneração do seu antigo cargo, ao contrário do que registrava o decreto assinado por Bolsonaro. Esse ponto pode ajudar a esclarecer se houve crime de falsidade ideológica. O ex-diretor-geral relatou ter recebido um telefonema do presidente na véspera de sua demissão avisando-o que iria constar que a exoneração foi “a pedido”. Segundo o relato de Valeixo, nesse telefonema Bolsonaro lhe indagou “se concordava que sua exoneração fosse publicada como ‘a pedido’”. Valeixo relatou que, na ocasião, concordou.

Em seguida, ele afirmou que o então ministro da Justiça Sergio Moro lhe disse que estava tentando obter um compromisso de que fosse indicado como seu substituto o delegado Disney Rosseti, seu número dois na PF, para que ele pudesse formalizar o pedido de exoneração, o que não chegou a ocorrer. “Nunca houve formalização do pedido de exoneração”.

O primeiro decreto de exoneração tinha o nome de Moro, mas o então ministro negou que tivesse assinado o documento. Com isso, o governo refezo decreto e publicou uma nova versão sema assinatura do então ministro. Em ambos os decretos constou que a exoneração de Valeixo foi“apedido” dele próprio. Caso a investigação comprove que o decreto de exoneração teve informações fraudadas, os responsáveis podem ser acusados de falsidade ideológica. 

“DESEJO”

No depoimento, Valeixo disse que, em março deste ano, em uma viagem aos Estados Unidos, Moro o comunicou novamente do“desejo” de Bolsonaro de mudar o superintendente da Polícia Federal no Rio. Disse ainda que não viu a mensagem citada por Moro que o presidente teria escrito que o ex-ministro tinha 27 superintendências e ele só queria a do Rio.

Valeixo também disse que, desde a primeira crise entre Bolsonaro e a PF, em agosto do ano passado, quando o presidente manifestou pela primeira vez o interesse em trocar o chefe do órgão no Rio, ele “teria comunicado diversas vezes o ministro Sergio Moro seu desejo de deixar o cargo de diretor-geral”. O delegado disse que no final do ano passado “se sentia desgastado” na função.

Perguntado qual era sua definição de “interferência política”, Valeixo respondeu que para ele era quando havia “uma indicação com interesse sobre uma investigação especifica” e garantiu que isso “não ocorreu em nenhum momento”, no seu ponto de vista. Ministros Braga Netto, Ramos e Augusto Heleno vão ser ouvidos hoje

O ex-diretor-geral também disse que Bolsonaro nunca tratou diretamente com ele “sobre troca de superintendentes nem nunca pediu relatórios de inteligência”. Valeixo também negou que o presidente tivesse solicitado informações sigilosas sobre inquéritos em andamento. Ele citou ter recebido pedidos para atuação da PF na investigação sobre a facada contra Bolsonaro e no inquérito do caso Marielle Franco, no qual o presidente foi citado por um porteiro.

Também ontem, prestaram depoimento em Brasília Alexandre Ramagem e Ricardo Saadi, ex-superintendente da PF no Rio que foi alvo de pressões públicas do presidente no ano passado.

Hoje, serão ouvidos os ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo). Eles prestarão suas declarações no Palácio do Planalto no mesmo horário, em uma estratégia dos investigadores para evitar combinações de versões. Os três foram citados por Moro como testemunhas da interferência de Bolsonaro na PF.

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Vídeo de reunião será exibido hoje na PF

Marcelo Ribeiro

12/05/2020

 

 

Moro, AGU e investigadores da PGR terão acesso simultâneo; presidente nega ameaça a ex-ministro 

WAGNER PIRES/FUTURA PRESSDe máscara. Jair Bolsonaro negou ontem ter ameaçado Moro em reunião

O vídeo da reunião ministerial na qual, segundo o exministro da Justiça Sergio Moro, o presidente Jair Bolsonaro cobrou mudanças na Polícia Federal (PF) e o teria ameaçado de demissão caso não concordasse, será exibido hoje para investigadores da Procuradoria-Geral da República e da PF, além da defesa de Moro, do próprio ex-ministro eder e presentantes da Advocacia-Geralda União.

As imagens do encontro do conselho de ministros realiza doem 22 de abril poderão esclarecera disputa de versões entre o presidente e seu ex-auxiliar, e é considerado peça-chave no inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) aberto após acusações do ex-ministro contra o presidente.

O acesso foi autorizado pelo ministro Celso de Mello, do STF, no último sábado. O ministro justificou a decisão com a intenção de que as partes possam, tendo conhecimento do que se passou na reunião ministerial, orientar a formulação de perguntas às testemunhas durante os depoimentos. A reunião foi gravada em vídeo pela própria Presidência da República. A gravação foi apontada por Moro como prova de suas acusações contra Bolsonaro.

Celso de Mello autorizou a PF a periciar o vídeo para garantir sua integridade e autenticidade. O presidente afirmou ontem que nunca ofendeu ou ameaçou ninguém.

—Tudo que foi falado no tocante ao ex-ministro Sergio Moro vai ser extraído. Nunca ofendi nem ameacei ninguém. Pronto,é suficiente, están afita—disse o presidente, que afirmou ter “zero” preocupação com vídeo, mas defendeu que a íntegra não seja divulgada.

— É justo expor o que falamos sobre política externa, assunto de segurança nacional? Espero que isso não aconteça — completou Bolsonaro, ressaltando o fato de o governo ter entregue a fita sem cortes ao STF.

Antes de entregar o vídeo ao STF, na sexta-feira, a Advocacia-Geral da União (AGU) pediu que a Corte reconsiderasse a entrega da gravação, argumentando que, no referido encontro, “foram tratados assuntos potencialmente sensíveis e reservados de Estado, inclusive de Relações Exteriores, entre outros”. Ao enviar o material ao Supremo, o governo pediu para que ele fique sob sigilo. Em seu despacho, Celso de Mello afirmou que decidirá “brevíssimamente, em momento oportuno, sobre a divulgação, total ou parcial, dos registros audiovisuais” da reunião de 22 de abril.

Segundo a colunista do GLOBO Bela Megale, Bolsonaro estava de mau humor no encontro e cobrou duramente os seus auxiliares.

Bolsonaro comparou a discussão entre os ministros — Paulo Guedes, da Economia, discutiu com Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional —a uma reunião de pauta entre os jornalistas.

—É a mesma que coisa que reunião de pauta. Se você responder porque falaram muita coisa com 15, 20 pessoas, não tem cabimento. Não é um depoimento público, é reservado. Podia falar que não tem mais o vídeo. Não tem obrigação de ter o vídeo. — disse Bolsonaro.