O globo, n. 31690, 12/05/2020. País, p. 12

 

Enem: mais de 6 milhões de alunos não têm acesso a internet

Bruno Alfano

Paula Ferreira

12/05/2020

 

 

Número expõe desigualdade no exame, com inscrição aberta desde ontem; parecer técnico do TCU defende adiamento

 Apesar da pressão de estudantes e de universidades pelo adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) por causa da pandemia da Covid-19, as inscrições para aprova foram abertas ontem e vão até 22 de maio no site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Pela primeira vez, o exame oferecerá duas modalidades: uma presencial (1º e 8 de novembro) e outra digital (22 e 29 do mesmo mês), com adesão opcional, que contemplará 100 mil candidatos.

Um levantamento exclusivo feito pela consultaria IDados para o GLOBO aponta que 6,6 milhões de estudantes não têm acessoà internet— a ampla maioria deles na rede pública —, oque faz aumentara preocupação sobre desigualdades no teste de 2020, ano atípico por causa da Covid-19.

Boa par tedas instituições interromper amatividades de forma parcial ou integral. Embora algumas escolas tenham aderido ao ensino à distância, a ferramenta não é acessível para muitos estudantes.

Na sexta-feira, dez universidades públicas do Rio assinaram um documento pedindo o adiamento do Enem, entre elas, a UFRJ.

O ministro da Educação, Abraham Weintraub,é a favor da manutenção da prova presencial na data prevista. O MEC lançou campanha nacional defendendo que “a vida não pode parar”.

Weintraub, no entanto, não apresentou medidas para assegurar a isonomia do processo, a despeito das desigualdades na educação brasileira.

Ontem, a Secretaria de Controle Externo da Educação do Tribunal de Contas da União (TCU) deu parecer favorável ao adiamento do Enem. Diante da posição técnica do órgão, o relator do tema, ministro Augusto Nardes, pediu que o Inep, que é responsável pela prova, se manifeste.

Como o Inep é uma autarquia federal, caso o TCU decida pelo adiamento da prova, o órgão terá que respeitar. No documento, a secretaria aceitou os argumentos da representação dos parlamentares Idilvan Alencar (PDT-CE) e Tulio Gadêlha (PDT-PE) pelo adiamento, afirmando que “os efeitos da pandemia acentuam as desigualdades na educação”.

Internamente, segundo fontes do Inep, o órgão já trabalha na resposta ao TCU, que deve ocorrer até quinta-feira. A equipe técnica do instituto analisa qual a data limite para o adiamento de modo que não haja prejuízos para programas que dependem do exame, como o Sistema de Seleção Unificada e o ProUni.

O Inep também analisa a possibilidade de manter a prova com implementação de medidas sanitárias. Em entrevista ao GLOBO na semana passada, o presidente da autarquia, Alexandre Lopes, afirmou que o cronograma do Enem seria mantido. No entanto, em entrevista ontem à CNN Brasil, mudou o tom e afirmou que a data da prova pode mudar.

DÚVIDAS NÃO ESCLARECIDAS

A agonia de Luara Santos, de 18 anos, está aumentando. Até 23 de abril, ela acompanhou como pôde as aulas remotas. Desde então, um problema na operadora de celular a deixou sem acesso à internet.

— Só recebemos atividades, não há aulas. Surgem muitas dúvidas que não são esclarecidas. Nem mesmo professores sabem como funciona a plataforma. É quase impossível conseguirmos aprender dessa forma — diz a moradora do Catumbi, Zona Norte do Rio, que estuda no Colégio Estadual Júlia Kubitschek. —Com certeza vou ser prejudicada no Enem.

De acordo com a pesquisadora Thaís Barcellos, da consultoria IDados, 17% dos alunos de escolas públicas (cerca de 6,5 milhões de estudantes) não têm acesso à internet. Na rede privada, apenas 1,7% das crianças e adolescentes matriculados (155 mil) não possuem conectividade. Os dados são da Pnad 2019.

Na rede pública do Maranhão, apenas 62,4% dos alunos têm acesso à internet —é o pior estado brasileiro. Dos que estão conectados, praticamente todos (99,7%) são pelo celular, e apenas 12% também pelo computador.

No Rio, 9,3% do total da rede pública fluminense não têm acesso, enquanto o número em São Paulo é 7,3% — ante, respectivamente, 2,1% e 0,4% da rede privada.

— Enquanto a maior parte dos alunos das escolas privadas tem tido aulas remotas, que são precárias, mas com mais condições, os da pública estão isolados das condições de estudo —aponta Maria Beatriz Luce, diretora da Associação Nacional de Pesquisadores da Educação.

A dificuldade é encarada de frente pelos pré-vestibulares comunitários.

— Só tivemos uma aula presencial, com 35 alunos. Com 15 deles não conseguimos contato virtual porque não têm celular. Dos 20 que sobraram, muitos não estão conseguindo acompanhar porque ficaram doentes, inclusive com coronavírus, ou não têm um lugar para estudar com silêncio em casa — conta Bianca Peçanha, de 21 anos, coordenadora do Núcleo Independente Comunitário de Aprendizagem (Nica), que atua no Jacarezinho.