O globo, n. 31688, 10/05/2020. Especial Coronavírus, p. 4

 

USP faz alerta

Cleide Carvalho

10/05/2020

 

 

Sem isolamento sério, mortes dobrarão em 20 dias

Setenta e quatro dias depois da confirmação do primeiro caso de coronavírus no Brasil, o país chegou a 10.627 mortos pela doença ontem. Em média, 196 pessoas perderam avida por dia desde que o primeiro óbito foi registrado por aqui, no dia 16 de março. O crescimento de casos foi geométrico e simulações feitas por um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) —voltado a analisar o comportamento da doença no país —apontam que o número de mortes pode dobrar nos próximos 20 dias. Já a quantidade de infectados pode triplicar, chegando acerca de 400 mil até o dia 5 de junho, caso o isolamento social não seja recrudescido. O cálculo utilizou como base os dados divulgados pelo Ministério da Saúde até quinta-feira.

O cálculo da estimativa é do estatístico Carlos Alberto Bragança Pereira, especialista na área de aplicações médicas e biológicas do grupo da USP, que também inclui professores da Faculdade de Economia e Administração (FEA) e da Faculdade de SaúdePública. Coordenados pelo diretor do Instituto de Matemática e Estatística da USP, Junior Barreira, Pereira se debruça sobre os números da pandemia para avaliar quando o país atingirá o pico de infecções, a partir do qual as curvas de casos e óbitos entrarão em declínio, sinalizando para um possível afrouxamento das regras de isolamento social.

Os outros pesquisadores estudam formas de mitigar o impacto econômico e social da doença. Pereira, que também é professor visitante da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), utiliza um modelo de cálculo de análise de sobrevivência, batizado de Weibull, que leva em conta o número de infecções e, nos casos em que há mortes, o período de sobrevida ao vírus. É como um painel de lâmpadas acesas, explica ele. A observação começa quando a lâmpada falha (no caso, quando o indivíduo contrai a infecção). Os parâmetros são os números oficiais de infectados e de mortos no país, que mudam diariamente. Com base neles, o cenário futuro é desenhado diariamente.

CHINA COMO MODELO

Pereira testou o modelo de cálculo com os dados da China, onde a pandemia começou, e os resultados confirmaram o que tem ocorrido no Brasil. Modelos estatísticos como este da equipe da USP são usados para medir desde a confiabilidade de sistemas, na área industrial, até na avaliação de remédios mais eficazes para determinadas doenças, por exemplo. O comportamento da Covid-19 varia em cada estado. Segundo a estimativa de Pereira, no Rio o pico da doença pode acontecer em data tão distante quanto em meados de agosto, com cerca de 100 mil contaminações. Até o início de junho, as mortes na cidade, de acordo com o cálculo, podem somar entre 3mile5mil.

Já em São Paulo, epicentro da Covid-19 no país, o pico deve ocorrer no fim deste mês, com o número de casos variando entre 135 mil e 160 mil. As mortes podem chegar a cerca de 6 mil em vinte dias. Até este sábado, o Estado registrava 3.608 mortes. Justamente por conta destes números e projeções é que o médico sanitarista Oswaldo Yoshimi Tanaka, diretor da Faculdade de Saúde Pública da USP, defende o isolamento social no Brasil como única forma de evitar que mais pessoas morram à espera de uma vaga em UTI e de um respirador, como já tem ocorrido em capitais como Manaus. Tanaka lembra que somos um país desigual e que a parcela da população mais desfavorecida, com menos acesso a saneamento básico e que só pode contar com a rede pública de saúde, é a que vai morrer mais rapidamente:

— Se todos pegarem de uma vez, vão morrer sem chegar a uma UTI. O isolamento é uma questão ética, moral e de humanidade. A preocupação com o avanço da doença é ainda maior diante da realidade dura que o país já vive no momento em que bate a marca de dez mil

mortes. Em sete estados o sistema de saúde está estrangulado pelafalt ad eleitos, o número de profissionais de saúde infectados e impedidos de trabalhar é alto e o país ainda não conseguiu reduzira taxa de contágio, segundo apontam estudos.

A epidemia, que foi trazida ao país pelas classes média e alta, agora avança nas periferias das grandes cidades. Num país de extrema desigualdade social, os números mostram que as chances de morte entre pretos é 62% maior que a dos brancos. A escalada do número de mortos e infectados aumentou apressão sobre a necessidade de um isolamento mais rígido, o lockdown. Pelo menos três estados já adotaram a medida na região metropolitana das capitais (Ceará, Maranhão e Pará). Rio e São Paulo não descartam seguira iniciativa.

ISOLAMENTO

O grupo de pesquisadores da USP negocia com o governo de São Paulo a abertura de um novo flanco de análise de dados. Para o professor José Afonso Mazzon, da FEA, o cruzamento de dados de saúde e de mobilidade com indicadores econômicos permitirá ao governo e à prefeitura saber onde e como alocar recursos para o período posterior à pandemia, além de poder decidir com mais segurança onde afrouxar primeiro as regras de isolamento social. A ideia é mostrar quais os municípios precisam concentrar os investimentos em suporte de saúde e de recuperação econômica. Isso poderá ser feito com dados econômicos, extraídos das notas fiscais eletrônicas, que poderão indicar quais municípios e distritos tiveram atividades econômicas mais impactadas e quais são elas, por região geográfica.

— Esses dados econômicos vão indicar onde será preciso concentrar os investimentos sociais. Os locais mais impactados terão necessidade de mais apoio à população,como distribuição de cestas básicas e programas de emprego — diz Mazzon.

“Se todos pegarem de uma vez, vão morrer sem chegar a uma UTI. O isolamento é uma questão ética, moral e de humanidade 

Oswaldo Tanaka, diretor da Faculdade de Saúde Pública da USP

“Locais mais impactados terão necessidade de mais apoio, como distribuição de cestas básicas e programas de emprego 

José Afonso Mazzon, professor da FEA