Título: Livres por tempo indeterminado
Autor: Abreu, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 22/12/2012, Política, p. 2

Com a negativa da prisão imediata, advogados aguardam o acórdão do julgamento, que tem 60 dias para ser publicado após o fim do recesso, para apresentar os recursos

Nenhum ministro do Supremo Tribunal Federal, advogado no processo do mensalão ou especialista em direito criminal se arrisca a definir quando serão presos os condenados na Ação Penal 470. Ainda há dúvidas até mesmo com relação à quantidade de recursos que poderão ser apresentados pelos réus para tentar se livrar do cumprimento da pena. A decisão do presidente da Corte, Joaquim Barbosa, de só determinar a detenção quando houver o trânsito em julgado da condenação deixará os condenados livres por tempo indeterminado. O plenário do Supremo ainda terá que avaliar se os réus poderão apresentar os chamados embargos infringentes — recursos com poder de mudar a decisão proferida anteriormente. Em outras ações penais que tramitam na Corte, os condenados protelam o cumprimento da pena há mais de dois (leia Memória).

Na última segunda-feira, Joaquim Barbosa estimou que o acórdão da decisão será publicado em até 60 dias depois da conclusão do julgamento, como prevê o regimento. O prazo não leva em conta o recesso do Judiciário e, portanto, não sairá antes do fim de março. Como a Ação Penal 470 é um processo longo e que envolve número recorde de réus, especialistas estimam que esse prazo dificilmente será cumprido. E depois, a Corte ainda terá que se posicionar sobre os recursos, que podem ser apresentados sucessivamente para questionar a negativa a embargos anteriores.

Na petição apresentada ao Supremo na última quarta-feira pedindo a prisão imediata dos réus, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, afirmou que não são cabíveis os embargos infringentes, apesar de o Regimento Interno do STF prever a apresentação desses recursos quando houver pelo menos quatro votos absolvitórios. "A única espécie recursal cabível no caso seria o recurso de embargo de declaração, o qual não se presta para alterar a decisão embargada", argumentou Gurgel. Na decisão proferida ontem em que negou o pedido de prisão, Joaquim Barbosa reconheceu que a possibilidade de apresentação dos recursos modificatórios é um assunto controverso. "A questão relativa ao cabimento ou não de embargos infringentes ainda vai ser enfrentada pelo pleno desta Corte", explicou Barbosa.

Para basear seu argumento de que esses recursos não são cabíveis no julgamento do mensalão, o PGR citou a Lei nº 8.038/1990, que define as normas procedimentais para os processos perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. O advogado Alberto Toron, que representa o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), diz que o STF nunca declarou que os embargos infringentes são incabíveis. "Seria estranho que, neste momento, esses recursos fossem revogados. A questão terá que ser enfrentada pelo pleno, mas tenho certeza de que os embargos infringentes devem ser admitidos sem grande dificuldade", explicou Toron.

Na avaliação do advogado constitucionalista Erick Wilson Pereira, não cabem embargos infringentes contra as condenações aplicadas no julgamento do mensalão. Ele alerta que a Lei Federal nº 8.038/1990, que regulamenta os recursos cabíveis perante os tribunais superiores, não estabelece a possibilidade desses embargos. "O recurso cabível é apenas o embargo de declaração", observou Pereira.

Histórico O jurista destaca, porém, que o Regimento Interno do Supremo prevê que, nas hipóteses em que houver divergência de quatro votos, é possível iniciar-se novamente a discussão do tema. Ele defende que prevaleça o que está estabelecido na legislação. "Nessa lei federal não existe a previsão do embargo infringente, mas os ministros do Supremo têm a soberania de fazerem a admissibilidade do que avaliarem correto", ponderou.

O advogado do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, Marthius Sávio, lembra que os réus vão brigar para apresentar os embargos infringentes em situações ainda mais amplas do que o previsto no Regimento Interno do Supremo. Para ele, um único voto em prol da absolvição já é suficiente para a apresentação do recurso modificatório. "O Supremo terá que enfrentar esse debate para definir se serão necessários os quatro votos absolvitórios ou se apenas com uma divergência é possível apresentar os embargos infringentes. Nos tribunais inferiores e até mesmo no STJ, um voto divergente já é possível para apresentar esse recurso", argumentou Marthius.

Os casos anteriores julgados pelo Supremo são uma amostra de como leva tempo até que o processo transite em julgado. Primeiro deputado condenado pela Corte em sua história, José Fuscaldi Cesílio, o Tatico, foi considerado culpado em setembro de 2010. Deveria cumprir a pena em regime semiaberto, mas nunca sofreu a punição porque até hoje o processo não está concluído. O deputado federal Natan Donadon (PMDB-RO) recebeu a pena mais alta já imposta a um parlamentar pelo Supremo: 13 anos e quatro meses. Dois anos e dois meses depois do julgamento, os recursos foram negados, mas ainda não houve o trânsito em julgado. Ele ainda permanece com o mandato.

Casos semelhantes Confira quando saíram os acórdãos de outras condenações do Supremo

Natan Donadon (PMDB-RO) O deputado federal foi condenado pelo STF em 28 de outubro de 2010 por peculato e formação de quadrilha. Ao todo, recebeu pena de 13 anos e 4 meses, a ser cumprida em regime fechado. O acórdão saiu seis meses depois do julgamento, em abril de 2011, e a defesa apresentou embargo de declaração. O STF só julgou esse recurso este mês, quando os ministros negaram o pedido de embargo. O parlamentar continua em liberdado porque é preciso aguardar a publicação do novo acórdão com o resultado do julgamento do embargo.

Abelardo Camarinha (PSB-SP) O Supremo condenou o parlamentar do PSB por crime de responsabilidade. Abelardo recebeu uma pena de quatro meses de prisão em março deste ano, por conta da acusação de ter usado dinheiro público para pagar despesas pessoais. A Suprema Corte reconheceu a prescrição do crime por conta da pena pequena. Mas, ainda assim, o acórdão demorou mais tempo do que os 60 dias previstos no regimento do STF: a publicação só ocorreu três meses depois da condenação em plenário.

Asdrúbal Bentes(PMDB-PA) O acórdão da condenação do parlamentar demorou quase 10 meses para ser publicado e, até hoje, a decisão não transitou em julgado. Em 8 de setembro do ano passado, o Supremo o considerou culpado pelo crime previsto na Lei nº 9.263/96 e o condenou a uma pena de 3 anos, um mês e 10 dias de prisão em regime aberto. Ele foi acusado de oferecer cirurgias de esterilização a mulheres em troca de votos nas eleições municipais de 2004, quando concorreu à prefeitura de Marabá (PA). O acórdão só saiu no fim de junho de 2012. Em 1º de agosto deste ano, a defesa do deputado apresentou embargo infringente, mas o recurso até agora não foi apreciado.

Tatico O ex-deputado federal José Fuscaldi Cesílio, o Tatico, foi condenado em setembro de 2010 a 7 anos de prisão em regime semiaberto. Considerado culpado pelos crimes de apropriação indébita previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária, o então parlamentar recorreu da decisão. O acórdão só saiu três meses depois do julgamento e, até hoje, os recursos não foram julgados. A defesa de Tatico briga no STF para fazer sustentação oral antes da análise do recurso, mas a Corte entendeu que não cabe dar a palavra ao advogado no plenário na fase de julgamento do embargo de declaração.

Prazo Na esfera penal, conforme o parágrafo único do artigo 609 do Código de Processo Penal, os embargos infringentes poderão ser opostos dentro de 10 dias, a contar da publicação de acórdão.