O globo, n. 31689, 11/05/2020. Especial Coronavírus, p. 10

 

Em reunião, Araújo culpou a China pelo ‘comunavírus’

Bela Megale

11/05/2020

 

 

Vídeo do encontro no Planalto foi entregue ao STF e faz parte do inquérito sobre acusações de Moro contra Bolsonaro

MARCOS CORREA/PRA portas fechadas. Ministro Ernesto Araújo, à direita, com Moro na reunião

 A reunião apontada pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro como uma das provas de tentativa de interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal (PF) não se restringiu a palavrões e pressões. Segundo interlocutores de Bolsonaro, um dos temas mais sensíveis foram as falas do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, sobre a China. Araújo culpou o país asiático pela pandemia e apelidou a Covid-19 de “comunavírus”.

Participantes do encontro de 22 de abril relataram que o chanceler declarou, em alto e bom som, que o novo coronavírus é uma “coisa da China”, com o propósito de dominar outras nações. Ao dar o apelido de “comunavírus” à Covid-19, o ministro deu uma gargalhada que, segundo presentes, foi acompanhada por Bolsonaro, dando sinais de que concorda com o ministro. Procurado, o ministro disse, por meio da assessoria de imprensa do Itamaraty, que “não tem nada a declarar”.

Antes da Advocacia-Geral da União (AGU) entregar o vídeo ao Supremo Tribunal Federal (STF), na sexta-feira passada, o órgão pediu que a Corte reconsiderasse a entrega da gravação, argumentando que, no referido encontro, “foram tratados assuntos potencialmente sensíveis e reservados de Estado, inclusive de Relações Exteriores, entre outros”.

Outro momento tenso do encontro, desta vez protagonizado por Bolsonaro e Moro, foi quando o presidente reclamou de uma nota de pesar divulgada pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), instituição vinculada à pasta da Justiça. No comunicado, a PRF lamentou a morte de um funcionário por Covid-19. O presidente se queixou e disse, conforme relatos de quem estava no local, que a corporação deveria ter relacionado a causa da morte a “comorbidades” (como problemas cardíacos, imunidade baixa e pressão alta, por exemplo) e não ao novo coronavírus.

Autoridades que participaram do encontro relataram que Bolsonaro disse, aos gritos, que se não pudesse trocar o superintendente da PF no Rio, trocaria o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, e, se não pudesse substituí-lo, demitiria o então ministro da Justiça, Sergio Moro. A ameaça de demissão foi revelada pelo GLOBO.

 DEPOIMENTO

O diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, visitou ontem Bolsonaro no Palácio da Alvorada, segundo o G1. O depoimento de Ramagem sobre as supostas tentativas de interferência de Bolsonaro na PF está marcado para hoje. Ele foi o nome escolhido para comandar a corporação no lugar de Valeixo, mas sua nomeação foi barrada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF.