Título: O olho do SNI no líder da floresta
Autor: Luiz, Edson
Fonte: Correio Braziliense, 22/12/2012, Brasil, p. 9

Documentos oficiais revelam que o seringueiro Chico Mendes era monitorado pelos serviços de inteligência uma década antes de sua execução

Nos sete meses que antecederam o assassinato do sindicalista Chico Mendes, há exatos 24 anos, o governo monitorou a tensa situação na região de Xapuri, no Acre, onde ocorreu a execução. O Serviço Nacional de Informações (SNI) classificava o líder seringueiro como um dos responsáveis pelos conflitos agrários na região. Um dos documentos pesquisados pelo Correio, por exemplo, narra os problemas ocorridos na Fazenda Cachoeira, na fronteira com a Bolívia, cujo proprietário era Darli Alves da Silva, mandante da execução do sindicalista.

Relatórios do SNI que fazem parte do acervo do Arquivo Nacional revelam que, mesmo depois de morto, Francisco Alves Mendes Filho — nome completo de Chico Mendes — representava uma preocupação para as autoridades. O problema era a repercussão internacional do assassinato, ocorrido em 22 de dezembro de 1988. O sindicalista, à época, era mais conhecido fora do Brasil do que em seu próprio país. Um exemplo disso foi um relato do SNI de 21 junho de 1988 — seis meses antes do crime —, revelando que o líder seringueiro tinha a simpatia da igreja da Inglaterra, que inclusive mandou alguns de seus integrantes visitá-lo em Xapuri, onde ele morreu.

A vigilância estatal sobre Chico Mendes começou no fim da década de 1970, quando ele se tornou integrante do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri e, depois, vereador. Seus movimentos, fossem eles sindicais, políticos ou relacionados à atuação em favor da floresta, eram constantemente difundidos pelos órgãos de informação. O Exército, por exemplo, fez umas análise da derrota do grupo de Chico Mendes — do qual fazia parte Marina Silva — na direção do PT do Acre. “Ficou caracterizado que a atitude do atual presidente gerou uma certa divergência entre os militantes do PRC (Partido Revolucionário Comunista, ala ligada ao sindicalista) e membros do partido ligado à igreja”, relata um documento de 12 de dezembro de 1987.

Os órgãos de informação sabiam dos conflitos causados pela questão agrária, que faziam uma série de vítimas na Amazônia no fim dos anos 1970 e se prolongaram pelas décadas seguintes. Um deles aconteceu no Seringal Mucuripe, situado dentro da Fazenda Cachoeira, na fronteira com a Bolívia. Documentos do SNI relatam que, em 18 de março de 1988, 120 seringueiros acamparam na área para impedir o desmatamento. “O clima da região é tenso”, observa o relatório, citando que a região era de Darly Alves da Silva. Os conflitos na fazenda duraram mais sete meses depois do relato. Foi quando o fazendeiro mandou seu filho Darci Alves Pereira matar Chico Mendes. Depois do assassinato, a região foi desapropriada.

Os relatórios de informação citavam Chico Mendes entre as principais lideranças ligadas ao PCdoB e à Organização Socialista Internacional (OSI), enquanto que Xapuri, cidade onde o sindicalista viveu por 44 anos, era destacada como o município “mais visado pelos elementos de tendência esquerdista”. “Os sindicatos e a igreja são os principais causadores dos conflitos entre proprietários e posseiros naquele estado”, analisaram os técnicos do SNI em Brasília.

Memória Relação com Lula

A serenidade foi sempre uma marca no perfil de Chico Mendes, um homem que gostava de ficar com a família, a mulher, Ilzamar, e os filhos, Elenira e Sandino, mas não abandonava os seringueiros. Mas isso não impediu que ele fosse enquadrado na Lei de Segurança Nacional (LSN), com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros três sindicalistas.

Chico Mendes e Lula participaram de uma manifestação ocorrida em Brasileia, na fronteira do Acre com a Bolívia. Os cinco foram acusados de incitar a morte de um capataz de fazenda. O caso aconteceu em 1980, pouco depois do assassinato de Wilson Pinheiro, presidente do sindicato dos trabalhadores rurais da cidade.