O globo, n. 31683, 05/05/2020. País, p. 6

 

Apoio a constituição

05/05/2020

 

 

Para defesa, forcas armadas sao ‘organismos de estado’

No dia seguinte ao presidente Jair Bolsonaro dizer durante um protesto contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso que tem as Forças Armadas ao seu lado, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, afirmou que Marinha, Exército e Força Aérea cumprem sua “missão constitucional” e que “são organismos de Estado, que consideram a independência e a harmonia entre os poderes imprescindíveis para a governabilidade do país”. A nota da Defesa também condenou a agressão de apoiadores de Bolsonaro a jornalistas.

A declaração de Bolsonaro no domingo se baseou em manifestações de comandantes das corporações com quem se reuniu no sábado, no Palácio da Alvorada. Também participaram do encontro os três ministros militares com cadeira no Palácio do Planalto, além do ministro da Defesa. O presidente recebeu guarida dos militares a seu incômodo com decisões recentes de ministros do STF que suspenderam atos do Executivo. Para os generais presentes, porém, a preocupação era mostrar apoio para manter o equilíbrio entre os Poderes, e não houve qualquer endosso a ataques a instituições, como ocorreu nas manifestações a que o presidente aderiu no dia seguinte.

A preocupação de integrantes das Forças Armadas e ministros militares está em como o presidente interpreta esse apoio. Em conversas reservadas, eles esclarecem que não participarão de qualquer tipo de ruptura institucional e que não é esse o tipo de sustentação que dão ao presidente. Segundo interlocutores da cúpula militar, um dos problemas está apenas na forma como o presidente manifesta publicamente o apoio que recebe das Forças Armadas. Há uma avaliação de que Bolsonaro se expressa mal na forma como se comunica.

No sábado, estiveram com Bolsonaro por mais de uma hora no Alvorada os ministros Braga Netto (Casa Civil); Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo); Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional); e Fernando Azevedo (Defesa). E os comandantes do Exército, Edson Pujol; da Aeronáutica, Antonio Carlos Bermudez; e da Marinha, Ilques Barbosa Júnior.

Incomodaram ao grupo as últimas ações dos ministros do Supremo Celso de Mello, nas investigações das acusações feitas pelo ex-ministro Sérgio Moro, e Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso nas questões sobre a nomeação de Alexandre Ramagem para a Polícia Federal e a expulsão de funcionários da embaixada da Venezuela.

Na nota de ontem, o ministro da Defesa afirmou que “as Forças Armadas estarão sempre ao lado da lei, da ordem, da democracia e da liberdade”. “Este é o nosso compromisso”, ressaltou.

O vice-presidente, Hamilton Mourão, afirmou que o governo tem “total compromisso com a democracia”. Ele avaliou que cada Poder deve navegar “dentro dos limites de sua responsabilidade”.

STF PODE MUDAR REGIMENTO

No STF, pode haver uma mudança na forma em que atos de outros Poderes são avaliados na Corte. O ministro Marco Aurélio Mello encaminhou ontem ao presidente do Supremo, Dias Toffoli, uma proposta para que pedidos de suspensão de atos do Legislativo ou do Executivo sejam julgados em plenário,e não sejam mais submetidos a decisões individuais de ministros.

Como é uma proposta de mudança no Regimento Interno do STF, o assunto precisa ser discutido em uma sessão administrativa. Toffoli encaminhou a proposta à Comissão de Regimento, presidida pelo ministro Luiz Fux, com um pedido para que a tramitação ocorra com “a maior celeridade possível.

PGR INVESTIGA AGRESSÕES

O ministro Gilmar Mendes defendeu que as decisões monocráticas questionadas pelo Executivo não podem ser vistas como um “complô” do STF:

— Foram decisões (de Moraes e de Barroso) em contexto muito específico. Portanto, não há esse complô e nem há qualquer tentativa de qualquer dos Poderes para frustrar a legítima competência e os poderes que o presidente tem exercendo a chefia do Executivo.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, determinou ontem que o Ministério Público Federal do Distrito Federal investigue as agressões a jornalistas no protesto de domingo. Ministros do governo também criticaram essas atitudes.

Em entrevista coletiva, o ministro Braga Netto afirmou que o governo não concorda com agressões à imprensa. Mais cedo, o presidente disse que “se houve agressão” elas se deviam a infiltrados.

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Ex-presidentes alertam para futuro institucional do país

Gustavo Schmitt

05/05/2020

 

 

Sarney: ‘Não há hipótese de qualquer ameaça à democracia’. Para ele, Forças Armadas têm o dever de garantir a Constituição

 Ao analisar a crise política atual, em meio à pandemia da Covid-19, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou ontem que teme pelo futuro institucional do país caso o presidente Jair Bolsonaro não mude a forma de conduzir o governo e chamou a atenção para a responsabilidade dos militares com a Constituição. Já José Sarney, primeiro presidente após a redemocratização do país, disse “não considerar que haja hipótese de risco contra a democracia”.

“Como Presidente da República que fez a transição democrática, coordenei com os líderes da Assembleia Constituinte e os comandantes militares o texto em que a Constituição dá às Forças Armadas a incumbência de ‘garantia dos Poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem’. Sob a égide desses princípios, como tenho dito várias vezes, não há hipótese de qualquer ameaça à democracia”, disse Sarney em nota.

Durante debate promovido ontem pelo site Consultor Jurídico, mediado pelo ex-ministro Nelson Jobim, Fernando Henrique e os também ex presidentes Michel Temer e Fernando Collor analisaram as declarações de Bolsonaro feitas no domingo ao participar de um ato antidemocrático em Brasília.

As falas do presidente foram reprovadas por FH, que pediu que o Exército, a Marinha e a Aeronáutica garantam o respeito à Constituição:

— É inegável que estamos próximos de uma crise institucional. As Forças Armadas têm um papel importante, de fazer valer a Constituição. Não há outro modo. Pode até se interpretar a constituição, mas quanto menos melhor. As Forças Armadas têm papel enorme de entender a sua função dentro da Constituição.

Já Temer descartou a possibilidade de que as Forças Armadas apoiem movimentos contrários à Constituição.

—Eu convivi com as Forças Armadas e sei que elas têm muita responsabilidade. Tenho convicção de que os militares jamais viriam a público para dizer: “Olha, nós vamos patrocinar um rompimento do texto constitucional” — afirmou Temer.

Collor classificou as declarações de Bolsonaro como “extremamente perturbadoras”:

— As declarações do presidente são extremamente perturbadoras e sérias porque não são sabemos o que quer dizer com isso. Se formos levar na ponta do lápis, o que ele quer dizer “estou com minha paciência esgotada, não vou mais admitir isso, tenho o apoio das Forças Armadas”, o que ele deseja com isso? —indagou Collor, que destacou o diálogo como Legislativo para a estabilidade do governo.

Outro ex-presidente, que não participou do debate, mas que tem feito críticas aos ataques de Bolsonaro às instituições é Lula. “É preciso começar o ‘Fora!, Bolsonaro!’ porque não é possível a gente permitir que ele destrua a democracia. As instituições já deveriam ter reagido”, disse Lula no dia 23 a uma rádio do Ceará.

A ex-presidente Dilma Rousseff também tem criticado Bolsonaro. Em mensagem no Dia do Trabalho, ela citou o comportamento do presidente: “No Palácio do Planalto, hoje está um líder político que não se envergonha de promover a desordem e a destruição da ordem democrática, apoiando protestos contra as instituições da República”.

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Um ato ‘espontâneo’ impulsionado pela tropa de Bolsonaro

Sérgio Roxo

05/05/2020

 

 

Manifestação contra STF e Congresso contou com presença de ministro e deputados e teve apoio do presidente da República 

Postagem. Parlamentar José Medeiros reproduz foto de Bolsonaro e filha

 Exaltado pelo presidente Jair Bolsonaro como um movimento “espontâneo”, o ato antidemocrático de domingo em Brasília foi impulsionado nas redes e teve a presença de aliados próximos do presidente.

Um dos presentes foi o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni. Entre os alvos do protesto estavam o Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso e o exministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública).

—Eu vim agradecer o carinho dos brasilienses, das pessoas de fora que vieram aqui, trazendo seu apoio, sua fé, a certeza de que o Brasil vai continuar no rumo certo. O rumo certo do Brasil é o presidente Jair Bolsonaro. Obrigado a todos, em nome de Jesus —disse Onyx, em um vídeo de um dos manifestantes.

Diversos parlamentares apoiadores de Bolsonaro também referendaram o ato de domingo nas redes sociais. “#TodoPoderEmanaDoPovo e o dia de hoje foi inesquecível!”, escreveu a deputada Bia Kicis (PSL-DF), ao publicar uma foto da manifestação. A também deputada Carla Zambelli (PSL-SP) chamou os manifestantes de “patriotas” e, entre outras postagens, publicou um vídeo de Bolsonaro dizendo que “faremos cumprir a competição e ela será cumprida a qualquer preço” com hasthag “#TodoPoderEmanaDoPovo”.

Os parlamentares José Medeiros (Pode-MT), Daniel Silveira (PSL-RJ), Otoni de Paula (PSC-RJ) e Caroline de Toni (PSL-SC) também apoiaram o ato em postagens.

Segundo uma das participantes e impulsionadores do ato nas redes, a ativista Sara Winter, o ato foi organizado a pedido do ideólogo Olavo de Carvalho.

Em uma postagem no Twitter, Sara, que teve uma rápida passagem em uma secretaria do Ministério das Mulheres comandado por Damares Alves, disse: “Quem me pediu pra fazer tudo isso foi o prof. Olavo”. Ela organiza um acampamento na Esplanada dos Ministérios batizado “300 do Brasil”, que visa “combater a corrupção e a esquerda”.

Sara foi candidata a deputada em 2018 pelo Democratas, mas não se elegeu. Fundadora da versão brasileira do grupo feminista internacional Femen, ela, a partir de 2015, passou a atacar as pautas que defendia e hoje se diz uma ativista pró-vida e pró-família.