Valor econômico, v.21, n.5015, 04/06/2020. Brasil, p. A4

 

Queda de emprego e renda deve fazer rombo da Previdência superar previsão de R$ 277 bi

Edna Simão

04/06/2020

 

 

Com a pandemia de covid-19, a equipe econômica elevou recentemente em R$ 35,182 bilhões, para R$ 276,495 bilhões, a projeção do déficit da Previdência Social dos trabalhadores da iniciativa privada para este ano. Mesmo com o ajuste, segundo economistas ouvidos pelo Valor, o rombo poderá ser ainda maior do que o esperado pelo governo devido à incerteza quanto a retração da economia, o aumento do desemprego e a queda da renda da população e seu impacto na despesa e receita.

A equipe econômica subiu a previsão de déficit por causa, principalmente, da redução da receita previdenciária de quase R$ 34 bilhões. No caso das despesas, foi mantido o patamar projetado com benefícios previdenciários.

"Não houve atualização na projeção de benefícios previdenciários tendo em vista o cenário de incerteza associado a essa despesa. A esse respeito, destacam-se alguns fatores que impactam a projeção deste ano: o programa de revisão de benefícios por incapacidade (PRBI); a reforma da previdência; o represamento da concessão de benefícios; a suspensão temporária de prova de vida; e a antecipação do pagamento de auxílio-doença", o relatório de receitas e despesas primárias do segundo bimestre.

O Ministério da Economia explicou que o maior impacto da pandemia no Regime Geral de Previdência Social ocorrerá nas receitas e não nas despesas. "A revisão se deu quase exclusivamente do lado da receita, cuja projeção foi reduzida de R$ 436 bilhões para R$ 402 bilhões. A projeção da despesa para 2020 ficou em R$ 678,9 bilhões, um pouco acima da projeção anterior (R$ 677,7 bilhões) com pequenos ajustes com gastos judiciais", informou o ministério por meio da assessoria de imprensa.

O economista Manoel Pires, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e pesquisador do Ibre/FGV, afirma que, pelo lado da despesa, três fatores podem impactar a estimativa: a antecipação de pedidos de aposentadoria porque algumas pessoas não devem querer correr riscos de continuar trabalhando, aumento de auxílios doenças com as pessoas ficando mais doentes e aumento do benefício de prestação continuada (BPC, voltado para idosos de baixa renda e pessoas com deficiência), por aumento de pobreza que amplia base do benefício.

"Me parece que um eventual aumento do BPC tende a ser mais relevante dentre esses três", destacou. "Muita gente que recebe o benefício extraordinário não se habilitaria para receber o BPC agora e ainda por cima as agências não estariam atendendo essa demanda reprimida por agora", argumentou Pires.

Para ele, os efeitos da covid-19 sobre a previdência possuem elementos permanentes e outros temporários. "O aumento do auxílio doença é temporário. Mas o desemprego mais elevado e o aumento da pobreza tendem a ter efeitos mais permanentes", explicou. Na avaliação dele, o cenário de previdência piora um pouco, apesar da reforma ter tido efeito grande.

Pires acredita que a perda de receita previdenciária deve ser maior do que o projetado pela equipe econômica, mesmo que seja considerado que houve um adiamento de pagamento de contribuição previdenciária para dar um alívio de caixa às empresas nesse período de crise.

"Acho improvável que tudo volte este ano. Isso vai virar Refis. Mas nos relatórios deve constar assumindo que o dinheiro volta no ano porque essa é a regra", explicou o ex-secretário de Política Econômica. O governo estuda a possibilidade de criar um parcelamento especial, mais conhecido como Refis, para ajudar as empresas a quitarem seus devidos após a pandemia.

O especialista em Previdência Luis Eduardo Afonso, professor associado da Faculdade de Economia e Administração da USP (FEA/USP), concorda que a frustração de receitas previdenciária deverá ser maior que o esperado pelo governo. Ele afirmou que de março para abril a arrecadação líquida caiu R$ 8,7 bilhões.

"O governo está prevendo que vão recuperar [essas receitas] ao longo do ano. Se for usar o parâmetro de março para abril, não me parece que isso vá acontecer", comentou.

Para Afonso, está realmente difícil de fazer uma estimativa de despesa diante de tanta incerteza. "Muitas variáveis estão andando ao mesmo tempo", frisou ele, dando como exemplo as filas para liberação de benefícios do INSS e o impacto da reforma da previdência afetando a despesa do ano. Ele ressaltou ainda que a covid-19 deve ter um impacto conjuntural de curto prazo na Previdência que vai afetar o longo prazo. "Mas não dá para saber a magnitude desse processo", explicou o economista.