O globo, n. 31683, 05/05/2020. País, p. 4

 

Inquérito avança

Aguirre Talento

Bela Megale

05/05/2020

 

 

PGR pede para ouvir ministros e quer gravaçao Citada por Moro em depoimento

 

JORGE WILLIAM/3-2-2020Depoimento. Oitiva de Moro no sábado foi o primeiro passo do inquérito que investiga o presidente Bolsonaro e também o ex-ministro

 O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para obter uma cópia de vídeo da reunião ministerial no Palácio do Planalto em que o presidente Jair Bolsonaro teria ameaçado o ex-ministro Sergio Moro de demissão caso não concordasse com mudanças na Polícia Federal. Aras solicitou ainda a tomada de depoimentos de três ministros do Planalto que teriam presenciado tentativas de interferência na corporação, segundo o relato de Moro.

O PGR pediu perícia em dados extraídos do telefone celular do ex-ministro durante depoimento prestado no sábado passado. Em seu depoimento, Moro apontou aos investigadores pelo menos sete possíveis provas para corroborar suas acusações de que Bolsonaro interferiu na PF. Caberá ao ministro Celso de Mello definir os próximos passos do inquérito.

As diligências pedidas pelo procurador se baseiam no depoimento de Moro, único ato da investigação até agora. A defesa do ex-ministro protocolou na noite de ontem petição abrindo mão do sigilo das suas declarações. No domingo, o GLOBO revelou que Moro citou a existência da gravação da reunião de Bolsonaro com ministros, no ultimo dia 22, como prova da interferência do presidente.

Aras pede que a Secretaria-Geral da Presidência seja intimada a entregar cópia da gravação. Moro afirmou aos investigadores que nesta reunião Bolsonaro teria cobrado dele a troca do então diretor-geral, Maurício Valeixo, do superintendente da PF no Rio, Carlos Henrique Oliveira, além da obtenção de “relatórios de inteligência e informação da Policia Federal”.

Três ministros da ala militar —Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) —foram citados por Moro no depoimento como testemunhas das tentativas de interferência de Bolsonaro na PF e deveriam ser ouvidos pelos investigadores. Aras solicita que a PF tome depoimento de Heleno, Braga Netto, Ramos e que após a decisão o prazo para a oitiva seja de cinco dias úteis.

Também há pedido para ouvir o ex-diretor Valeixo e o diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência, Alexandre Ramagem, que teve a nomeação para o comando da PF barrada na semana passada por decisão do ministro Alexandre de Moraes. Aras quer que a PF analise a autoria e integridade da assinatura digital do então ministro Sergio Moro no decreto de demissão de Maurício Valeixo, que o exministro declarou não ter assinado. Pede ainda registros de um eventual “pedido” de demissão de Valeixo.

O procurador-geral também solicitou a elaboração de um laudo pericial a partir do conteúdo do telefone celular do ex-ministro Sergio Moro, entregue no sábado à PF durante seu depoimento. A deputada

Carla Zambelli (PSL-SP), que em uma troca de mensagens com Moro afirma que ele poderia aceitar a demissão de Valeixo para ser indicado ao STF, é outra que o procurador-geral deseja ouvir.

As diligências continuarão sob responsabilidade do Serviço de Inquéritos Especiais (Sinq) da PF, órgão responsável pelas investigações de políticos com foro privilegiado. O depoimento de Moro foi colhido pela chefe do Sinq, Christiane Correa Machado, mas as novas diligências devem ficar a cargo de algum delegado integrante do grupo.

Moro deixou o governo no dia 24 de abril. Nesta data foi publicada no Diário Oficial a exoneração de Valeixo. O ex-ministro concedeu uma entrevista coletiva ainda pela manhã dizendo que deixava a função e acusando Bolsonaro de desejar interferir na Polícia Federal. Ele mencionou que o presidente teria interesse em inquéritos em andamento no STF.

MENSAGENS NO CELULAR

No mesmo dia, o ex-ministro encaminhou ao Jornal Nacional uma mensagem enviada a ele por Bolsonaro na véspera. O presidente encaminhava uma nota que fazia referência a uma informação publicada pelo colunista do GLOBO Merval Pereira de que de dez a doze deputados bolsonaristas estariam sob investigação da Polícia Federal no caso que trata de ataques virtuais a ministro da Corte, conhecido como inquérito das fake news. Bolsonaro afirmava que isso era “mais um motivo” para a troca de Valeixo.

O presidente já tinha tentado interferir na PF no ano passado. Ele defendeu publicamente que Ricardo Saad deixasse a superintendência do Rio alegando “questão de produtividade”. Como o próprio delegado desejava deixar a função, a troca foi realizada mas o nome sugerido por Bolsonaro, Alexandre Saraiva, foi preterido por Carlos Henrique Oliveira. Na ocasião, Bolsonaro chegou a afirmar que a lei lhe dava poder inclusive para trocar o diretor-geral sem consultar o ministro Moro.

— Quem manda sou eu — afirmou, na ocasião.

Após a saída de Moro, o presidente confirmou o desejo de mudanças na PF e comparou o órgão ao Inmetro, onde disse ter feito interferência, comunicando o ministro Paulo Guedes (Economia), após ser informado de normas que obrigavam a troca de tacógrafos.

Em seu depoimento, Moro citou que mensagens em seu celular, testemunhas na PF e no governo, a reunião ministerial gravada, a pressão pública feita pelo presidente no ano passado, documentos na Abin, relatórios da Polícia Federal e mesmo o pronunciamento do presidente após seu pedido de demissão serviriam para corroborar a acusação.

Braga Netto, Ramos e Heleno tiveram seus depoimentos pedidos pelo procurador-geral

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Ex-ministro citou sete possíveis provas da interferência do presidente na PF

05/05/2020

 

 

Em depoimento prestado no sábado, o ex-ministro da Justiça Sergio Moro indicou aos investigadores da Polícia Federal (PF) um conjunto de pelo menos sete possíveis provas para corroborar as acusações de que o presidente Jair Bolsonaro tentou realizar interferências políticas indevidas na corporação. Moro entregou parte dessas provas e, em relação à outra parte, ele indicou os caminhos para obter os documentos e registros apontados por ele.

Telefone celular

Moro entregou seu aparelho celular durante o depoimento para que a PF extraísse cópia dos diálogos dele com Bolsonaro e com a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP). No material, os peritos da PF localizaram diálogos nos quais Bolsonaro manifesta vontade de trocar o superintendente da PF em Pernambuco, cita preocupação com inquéritos em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) e verbaliza seu desejo de demitir o então diretor-geral da corporação, Maurício Valeixo.

Testemunhas na PF e no governo

Moro avisou aos investigadores que a pressão de Bolsonaro na PF foi acompanhada por Valeixo e que os três ministros do núcleo militar do governo, que despacham no Palácio do Planalto, também podem servir como testemunhas de que está falando a verdade. São eles: Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo).

Reunião de governo

O ex-ministro relatou que existe gravação em vídeo de uma reunião do conselho de ministros do governo federal realizada no dia 22 de abril na qual Bolsonaro teria afirmado diante de todos os presentes, incluindo o próprio Moro, que gostaria de trocar o superintendente da PF no Rio de Janeiro ou, caso não pudesse fazê-lo, demitiria o próprio ministro da Justiça. A reunião seria mais uma prova das tentativas de interferência política.

Pressão pública

No depoimento, Moro lembrou que a pressão de Bolsonaro para mudar o comando da Superintendência da PF no Rio ocorria desde agosto e foi objeto de declarações públicas do próprio presidente.

Documentos na Abin

Os relatórios de inteligência aos quais Bolsonaro se referiu foram enviados diversas vezes pela PF à Agência Brasileira de Inteligência (Abin), de acordo com Moro. O ex-ministro apontou que a agência mantém registros desses relatórios, o que comprovaria que Bolsonaro estava recebendo regularmente essas informações.

Documentos na PF

Moro citou também que a própria PF mantém registros dos relatórios de inteligência que foram enviados ao Palácio do Planalto sobre assuntos sensíveis de interesse do governo federal.

Pronunciamento do presidente

Moro afirma que o pronunciamento de Bolsonaro logo após seu pedido de demissão confirmou sua intenção de mexer em cargos na PF e que o presidente tinha interesse em obter relatórios de inteligência da corporação produzidos durante as investigações em andamento.