Valor econômico, v.21, n.5015, 04/06/2020. Brasil, p. A9

 

Extrema pobreza alcança 4,4 milhões de crianças no país

Bruno Villas Bôas

04/06/2020

 

 

O país tinha 4,4 milhões de crianças em situação de extrema pobreza no ano passado. Isso significa que 11,5% das pessoas de zero e 13 anos de idade viviam com renda domiciliar per capita inferior a US$ 1,90 por dia, o correspondente a cerca de R$ 150 mensais. Essa proporção chega a 21,5% nas região Nordeste do país.

Os dados fazer parte de levantamento inédito do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) a partir da base de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Segundo Daniel Duque, economista do Ibre/FGV, o número de crianças pobres pode ficar ainda pior com a pandemia de covid-19, que tende a empurrar mais famílias para a pobreza, sobretudo sem uma extensão da distribuição do auxílio emergencial de R$ 600 pelo governo federal por mais meses.

“O benefício tem mais do que compensando a queda da renda do trabalho da parcela mais pobre dos trabalhadores, o que seria um fator de redução de pobreza. A questão é que dificilmente ele será estendido pelo mesmo valor ou prazo”, explica o pesquisador do Ibre/FGV.

Ele lembra que as mães solteiras, inclusive adolescentes, têm direito a receber duas cotas do auxílio emergencial, ou seja, R$ 1.200 por mês, o que também pode contribuir para atenuar o indicador. “São as famílias com maior vulnerabilidade social e maior taxa de pobreza”, acrescenta o pesquisador.

A pobreza extrema tem implicações preocupantes. Além de flertar com a fome e problemas de saúde, a miséria aumenta a probabilidade de uma criança ser colocada para trabalhar. O acesso à educação de qualidade tende a ser menor, assim como as chances de se conseguir um trabalho digno no futuro.

Segundo Heloisa Oliveira, diretora de Relações Institucionais da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, que atua na primeira infância, a pobreza extrema tem um fator intergeracional, ou seja, passada de pais para filhos.

“O adulto tem a autonomia que possibilita sair da situação de pobreza, mas a criança, não. Ela tem maior dificuldade de lidar e sair da pobreza. Por isso, uma criança pobre tem maior probabilidade de chegar na fase adulta ainda pobre”, diz a especialista em infância.

Heloisa lembra que a pobreza é medido pela renda, mas tem múltiplas dimensões. Uma família de baixa renda tende a ter moradia inadequada, sem acesso à água potável, tratamento de esgoto. O Brasil também tem estatísticas bastante negativas nessas outras dimensões.

“A transferência de renda é importante neste momento de crise, mas os estudos sugerem mais caminhos para cortar esse ciclo intergeracional de pobreza. Um dos mais importante é investir na educação desde a primeira infância. Conseguir interromper isso é muito importante porque o país é historicamente muito desigual”, diz Heloisa.

A proporção de crianças vivendo na extrema pobreza em 2019 repete a taxa registrada no ano anterior (11,5%), mantendo o indicador em sua máxima da atual série histórica, iniciada em 2012. Outras pesquisas, com metodologias diferentes, mostraram que a pobreza extrema caiu pela metade no país no período de 2004-2014.

O levantamento do Ibre/FGV mostra que o número de crianças em pobreza extrema começou a crescer em 2015, ano de forte recessão e inflação de dois dígitos, fatores de redução e corrosão na renda. Naquele ano, 9,1% das crianças viviam em lares com renda per capita de US$ 1,90 por dia.

Regionalmente, os piores indicadores estão no Nordeste, onde 21,5% da crianças viviam na miséria. Sozinho, o Nordeste concentrava 55% do total nacional de crianças nessa condição.

O Norte tinha 18,2% das crianças em vivendo com menos de US$ 1,90 por dia. Os menores percentuais estavam nas regiões Sul (4%), Centro-Oeste (5%) e Sudeste (6%). Em geral, a pobreza extrema também está concentrada nas áreas rurais.