Título: Onda de saques leva o caos a Argentina
Autor: Walker, Gabriela
Fonte: Correio Braziliense, 22/12/2012, Mundo, p. 20

Invasões a estabelecimentos comerciais, que começaram na cidade turística de Bariloche, multiplicam-se por todo o país. Confrontos com a polícia causaram a morte de duas pessoas e a prisão de 300 manifestantes. Governo responsabiliza sindicatos pelos ataques

Uma nova onda de saques a comércios de diversas cidades argentinas preocupa o país. Ontem duas pessoas morreram na cidade de Rosário, a 310 km de Buenos Aires, e cerca de 300 saqueadores foram presos em confrontos com policiais. Mercados e lojas de pelo menos sete cidades foram alvo de saques. Os manifestantes levaram alimentos, bebidas, produtos de uso pessoal e equipamentos eletrônicos. Os ataques tiveram início na cidade turística de Bariloche, na quinta-feira de manhã, e se espalharam rapidamente por várias províncias. Os saques são uma demonstração da insatisfação com o governo e a economia, assim como a passeata organizada no meio desta semana e o panelaço do mês passado.

Estabelecimentos comerciais em diversas partes do país fecharam as portas ontem, temendo os saqueadores. Um reforço policial de 400 homens foi enviado a Bariloche, após o governo local pedir ajuda federal e, nas demais províncias, batalhões policiais também tentaram controlar os grupos insurgentes. Em San Fernando, a 20 km da capital, 300 pessoas saquearam um supermercado. As cidades de Beccar, Virreyes, José Clemente Paz, Resistencia, Zárate e Campana também registraram saques. Centenas de pessoas ficaram feridas e, de acordo com autoridades, pelo menos duas estão em estado grave.

As manifestações marcam mais um episódio de queda de braço entre governo e centrais. Ontem, membros do gabinete culparam líderes sindicalistas de manipular a população. “Há um setor que quer o caos e mancha de sangue as festas na Argentina”, declarou o secretário de Segurança, Sergio Berni. Ele afirmou, ainda, que os atos de violência “respondem a intenções políticas” e demonstrou suspeitas sobre a participação do caminhoneiro Hugo Moyano, líder da Confederação Geral do Trabalho (CGT), e de Pablo Micheli, da Central de Trabalhadores da Argentina (CTA), nas ações de baderna social.

“Há setores interessados em que isso ocorra, como as associações de caminhoneiros, de gastronomia e da Associação dos Trabalhadores do Estado (ATE)”, afirmou o chefe do gabinete da Presidência argentina, Juan Manuel Abal Medina. A resposta foi rápida. “Se alguém incentivou os saques, foi o próprio governo”, disse Moyano, em entrevista a uma emissora de rádio local. No começo da noite, os sindicalistas se reuniram para uma entrevista coletiva e contaram ter acionado a Justiça contra os dirigentes que os acusaram de participar dos saques. “O governo não tem resposta para nada e tenta se vitimizar”, alfinetou Moyano. “Essas pessoas terão que calar a boca, porque não podem acusar gratuitamente”, completou.

Pressão O governo de Cristina Kirchner, à frente da Argentina desde 2007, tem sofrido duras em relação aos altos impostos, o descontrole da inflação. “Existe uma insatisfação grande em relação à carestia, há casos de falta de emprego em alguns setores, divergências com proprietários rurais e falta de canais de discussão política também”, explica o professor de História das Américas da Universidade de Brasília (UnB), Carlos Eduardo Vidigal. O professor salienta que, no caso dos saques, é razoável indicar que houve uma “manipulação política local contra o governo, aproveitando a situação de insatisfação geral” já existente.

A proximidade com as eleições legislativas, no próximo ano, são um ponto relevante para explicar a maior frequência de protestos e a tentativa de desestabilizar o governo de Kirchner. Mas a crise enfrentada hoje no país ainda não pode ser comparada com a de 2001, que afundou o país no pior momento econômico da história e levou à renúncia do presidente Fernando de la Rúa. “O governo Cristina Kirchner ainda conta com forte base parlamentar e o de la Rúa não tinha o apoio do Congresso, o que foi determinante”, observa Vidigal.