O Estado de São Paulo, n.46211, 25/04/2020. Política, p.A4

 

Moro sai e Bolsonaro fica sob ameaça de afastamento

25/04/2020

 

 

Ministro da Justiça deixa o cargo e acusa presidente de tentar interferir em investigações da Polícia Federal; procurador-geral da República pede ao STF que investigue possíveis crimes

O ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro, deixou ontem o cargo e o governo de Jair Bolsonaro acusando o presidente de tentar interferir no comando da Polícia Federal para obter acesso a informações sigilosas e relatórios de inteligência de investigações em curso. Moro, ex-juiz federal da Lava Jato, anunciou a saída em um longo pronunciamento no fim da manhã. Ao Estado, Moro disse ter provas das acusações que fazia e, à noite, apresentou cópias de diálogos em que Bolsonaro demonstrou preocupação com inquérito no Supremo Tribunal Federal. O ex-juiz deixou o cargo após o Diário Oficial da União confirmar a exoneração de Maurício Valeixo da direção-geral da PF.

Horas depois, o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu ao STF investigação para apurar se foram cometidos pelo presidente os crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução da Justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra.

A reação de Bolsonaro foi feita em um pronunciamento no fim da tarde. Cercado por ministros, o presidente disse que não quis interferir na autonomia da PF e acusou Moro de traição e de mentir e negociar a troca no comando da corporação por uma cadeira no Supremo. As declarações do ex-ministro, contudo, repercutiram imediatamente no meio político. Representantes de diferentes partidos e alas ideológicas cobraram publicamente o impeachment ou a renúncia de Bolsonaro. “Que renuncie antes de ser renunciado. Poupe-nos”, disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Como na crise que envolve a pandemia do novo coronavírus, o pronunciamento de Bolsonaro foi acompanhado por panelaços nas principais capitais do País. Moro deixou mais de duas décadas de carreira na magistratura e entrou na política como uma espécie de suporte do discurso contra a corrupção que ajudou a eleger o atual presidente da República. Ao deixar a gestão Bolsonaro, passa a ser encarado como um potencial candidato à Presidência em 2022.