O Estado de São Paulo, n.46211, 25/04/2020. Política, p.A10

 

Bolsonaro diz que Moro barganhou indicação no STF

Rosa Vera

Julia Lindner

Daniel Weterman

25/04/2020

 

 

Presidente se apresentou como vítima do sistema e tentou mostrar que o ex-ministro tinha outros interesses, agindo como um ‘traidor’

Em pronunciamento feito num tom emotivo, o presidente Jair Bolsonaro se apresentou ontem como vítima do sistema e tentou mostrar que o ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, tinha outros interesses no governo, agindo como um traidor. Bolsonaro não conseguiu rebater as denúncias do ex-juiz da Lava Jato sobre interferência no comando da Polícia Federal, mas acusou Moro de mentir e negociar a troca no comando da corporação por uma cadeira no Supremo Tribunal Federal.

Cercado por ministros, no Palácio do Planalto, o presidente disse que Moro aceitava a substituição do diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, mas só a partir de novembro. “Mais de uma vez, o senhor Sérgio Moro disse para mim: ‘O senhor pode trocar o Valeixo, sim, mas em novembro, depois que o senhor me indicar para o Supremo’”, afirmou Bolsonaro. “Não é por aí. É desmoralizante para um presidente ouvir isso.” O pronunciamento, que durou 45 minutos, foi acompanhado por panelaços em algumas capitais.

O prazo de novembro citado por Bolsonaro para a mudança de cadeira no Supremo é porque o decano da Corte, Celso de Mello, se aposenta compulsoriamente naquele mês.

Na tentativa de desmentir as acusações de Moro sobre sua interferência na PF, Bolsonaro acabou admitindo que cobrava relatórios diários de inteligência. “Abri o coração para ele. Não sei se ele se abriu para mim. Sempre falei para ele: ‘Moro, não tem informação da PF. Eu tenho que todo dia ter um relatório das últimas 24 horas para bem decidir o futuro dessa Nação’”. Mesmo assim, disse nunca ter pedido para Moro qualquer processo. “Até porque a inteligência, com ele, perdeu espaço na Justiça.”

A renúncia do ex-juiz da Lava Jato, até então o mais popular ministro da Esplanada, agravou a crise política do governo justamente no momento em que o País vive uma calamidade pública, provocada pela pandemia do novo coronavírus.

Pelo Twitter, Moro rebateu as declarações de Bolsonaro e disse que a permanência de Valeixo na Polícia Federal “nunca foi utilizada como moeda de troca”. “Aliás, se fosse esse o meu objetivo, teria concordado ontem com a substituição do diretor-geral da PF”, escreveu o ex-ministro.

Carta. Uma parte do discurso de Bolsonaro foi de improviso e outra, lida. Em algumas ocasiões, ele se dirigia ao próprio Moro, em carta endereçada ao ex-auxiliar. “Desculpe, senhor ministro, mas o senhor não vai me chamar de mentiroso”, afirmou o presidente, dizendo estar “decepcionado” com seu comportamento. “O dia em que eu tiver de me submeter a um subordinado, deixo de ser presidente da República.”

Embora não tenha usado a palavra impeachment, Bolsonaro disse que Moro agiu para derrubá-lo. Ele contou que, em café da manhã com deputados, ontem, fez um alerta. “Hoje vocês vão conhecer quem realmente não me quer na cadeira presidencial”, afirmou, em referência ao pronunciamento que Moro faria em seguida. “Essa pessoa vai buscar uma maneira de botar uma cunha entre eu e o povo brasileiro.”

Imagem. Bolsonaro fez de tudo para desconstruir a imagem do ex-juiz da Lava Jato. Afirmou que ele sempre agiu de forma egoísta e estava mais preocupado em investigar quem matou a vereadora do PSOL Marielle Franco do que em saber quem estava por trás do crime de Adélio Bispo. Na campanha eleitoral de 2018, Adélio tentou matar Bolsonaro com uma facada.

Abatido, o presidente também disse nunca ter pedido para ninguém protegê-lo. Citou até mesmo o ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz, que trabalhou com o então deputado Flávio Bolsonaro, hoje senador. Os dois estão sob investigação. Queiroz é acusado de movimentação atípica de recursos, no valor de R$ 1,2 milhão. “Eu conheço o Queiroz desde 1984. Nunca pedi para blindar ninguém da minha família. Jamais faria isso”.
Revide

“Mais de uma vez, o senhor Sérgio Moro disse para mim: ‘O senhor pode trocar o Valeixo, sim, mas em novembro, depois que me indicar para o Supremo.’”

Jair Bolsonaro

PRESIDENTE
Veto

Em seu discurso, Bolsonaro disse que avisou Moro sobre nomeações. “Autonomia não é soberania. A todos os ministros, e a ele também, falei do meu poder de veto.”