O globo, n. 31687, 09/05/2020. País, p. 14

 

Com a Justiça

Carolina Brígido

Gustavo Maia

Bela Megale

Aguirre Talento

Thais Arbex

09/05/2020

 

 

Governo entrega vídeo da reunião que pode provar interferência na PF
Após apresentar três recursos na tentativa de manter o vídeo em segredo, a AdvocaciaGeral da União entregou ontem a íntegra das imagens do encontro no qual, segundo Sergio Moro, Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal. O ministro Celso de Mello determinou o sigilo do material em "caráter pontual e temporário" e disse que ele poderá ser revogado. Segundo o governo, na reunião, "foram tratados assuntos potencialmente sensíveis e reservados de Estado, inclusive de relações exteriores, entre outros".

Após resistência inicial e até pedido de reconsideração, o governo encaminhou ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF) a íntegra do vídeo da reunião ministerial na qual, segundo o ex-ministro Sergio Moro, o presidente Jair Bolsonaro o ameaçou de demissão se não fizesse mudanças na Polícia Federal (PF). O relator do processo, Celso de Mello, decretou sigilo do material recebido, a pedido da Advocacia-Geral da União (AGU).

Em outra frente do inquérito que investiga as acusações de Moro de que Bolsonaro tentou interferir na PF, foram marcados para a próxima semana depoimentos das primeiras testemunhas do caso, incluindo três ministros com cadeira no Palácio do Planalto: Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), todos citados por Moro como testemunhas da pressão de Bolsonaro sobre o ex-ministro. O vídeo da reunião ocorrida no dia 22 de abril no Palácio do Planalto foi encaminhado à Corte pouco depois das 17h. Por volta das 20h, o ministro do STF decretou sigilo sobre o vídeo. A Secretaria Especial de Comunicação (Secom) era quem estava de posse do material e o repassou à AGU, a fim de que a gravação chegasse à Corte. Na decisão, Celso de Mello afirmou que o sigilo do material tem "caráter pontual e temporário" e será revogado a depender de como vai julgar os pedidos feitos antes pela AGU. Segundo o governo, na reunião, "foram tratados assuntos potencialmente sensíveis e reservados de Estado, inclusive de relações exteriores, entre outros". Por isso, o vídeo deveria ser resguardado. O ministro também quer ouvir a opinião do procurador-geral da República, Augusto Aras, antes de decidir definitivamente se o material ficará sob sigilo. Celso de Mello deu a Aras nesta sexta-feira prazo de 24 horas

para se manifestar sobre o assunto. Segundo Moro, diante dos demais ministros, o presidente cobrou dele a troca do diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, e do superintendente do Rio, Carlos Henrique Oliveira. Valeixo foi exonerado dois dias depois, levando Moro a deixar o cargo. Oliveira foi convidado esta semana para ocupar um cargo em Brasília.

A PF agendou para a próxima terça-feira, às 15h, no Palácio do Planalto, o depoimentos dos ministros Heleno, Braga Netto e Ramos. A oitiva no mesmo horário é um movimento dos investigadores no sentido de dificultar eventual coincidência de versões previamente combinada. Os investigadores da Polícia Federal e da Procuradoria-Geral da República (PGR) vão ouvir também, na próxima semana, outras testemunhas. Na segundafeira, haverá o depoimento de Alexandre Ramagem, diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e nome que Bolsonaro tentou indicar para o comando da Polícia Federal, até a medida ser barrada por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF.

 MAIS DEPOIMENTOS

Também serão ouvidos neste dia o ex-diretor-geral da PF Maurício Valeixo, assim como o ex-superintendente da PF no Rio Ricardo Saadi, que deixou o posto no ano passado após uma primeira pressão do presidente. Os investigadores querem saber se os delegados presenciaram as tentativas de Bolsonaro interferir na PF e quais os interesses do presidente na corporação. Na quarta-feira, deve ser ouvida pela PF a deputada federal Carla Zambelli (PSLSP), que protagonizou diálogos com Moro sobre a demissão de Valeixo e uma possível indicação de Moro para o cargo de ministro do STF. A realização dos depoimentos dos três ministros do núcleo militar do governo é um dos momentos que mais preocupam o Palácio do Planalto. Apesar de os três ministros não serem investigados no caso, seus depoimentos podem ter diversas implicações jurídicas. A avaliação de advogados criminalistas e de investigadores ouvidos pela reportagem é que, como os ministros serão ouvidos apenas na condição de testemunhas, e não de investigados, eles têm a obrigação de falar e não podem ficar calados. E caso prestem alguma informação incorreta, podem ser processados por falso testemunho.